Falar do australiano da Jumbo-Visma é falar de um potencial inesgotável e de um talento tantas vezes desaproveitado, mas também de uma carreira de sucesso, abrilhantada por dois títulos mundiais de contrarrelógio (2018 e 2019), e turbulenta, por "culpa" própria, com mudanças polémicas ou inesperadas de equipa e episódios caricatos.
“Tão cedo? Talvez um dia, 33 anos não seja tão cedo”, respondeu à Lusa, bem-disposto, ao ser questionado sobre a surpreendente decisão de deixar o pelotão no final desta época.
Rohan Dennis sempre foi diferente; depois de estrear-se no WorldTour, com as cores da Garmin Sharp, em 2013, mudou abruptamente de equipa em agosto do ano seguinte, pedindo uma autorização especial à União Ciclista Internacional para "rasgar" o contrato e assinar pela BMC.
Na formação norte-americana, que representou até 2018, viveu os seus anos dourados, antes de rumar à Bahrain Merida, equipa que o dispensou ainda antes do final da época, depois de o australiano ter desaparecido mais de uma hora durante uma etapa da Volta a França de 2019.
Vencedor de etapas nas três grandes Voltas – uma no Tour, uma no Giro e duas na Vuelta -, transformou-se num gregário de luxo na INEOS (2020-2021), vocação que transportou para a Jumbo-Visma, como se viu na segunda etapa do Gran Camiño, na qual esteve irrepreensível no trabalho para Jonas Vingegaard, o líder da prova.
Hoje, Dennis permite-se fazer aquilo que quer: “Basicamente, com o caminho que o desporto está a seguir, vemos fins de carreira cada vez mais precoces. No meu caso, estava a ficar cada vez mais conformado com aquilo que alcancei. Senti sempre que se ficasse demasiado satisfeito, não iria levar-me ao limite para melhorar. Se não estiver na frente nas corridas, então não estou a desfrutar”.
Por isso, o australiano de sorriso aberto acredita que “é melhor abandonar antes de deixar de gostar da modalidade e dar o lugar a alguém jovem e motivado. Não que não esteja motivado, mas não estou motivado para tentar ser o melhor do mundo, como acontecia quando tinha 21, 22 anos”, pontuou.
Ainda assim, assegura, a sua ambição “ainda é ganhar corridas”. “Adoraria ganhar. O meu objetivo sempre foi tentar regressar às vitórias, não apenas no contrarrelógio, mas na estrada, o que aconteceu no Tour Down Under”, recordou, referindo-se à última das 32 vitórias do seu palmarés, a da segunda etapa da prova australiana.
Quatro vezes campeão australiano de contrarrelógio e vencedor do Tour Down Under de 2015, assim como da Volta ao Colorado desse mesmo ano, o corredor da Jumbo-Visma reconhece “ter assuntos por resolver com a Volta à Romandia” nesta sua última temporada como profissional.
“E os Mundiais são um grande objetivo para mim. Portanto, ainda são coisas importantes, embora não sejam fáceis de alcançar. Mas penso que, depois deste ano, esse tipo de objetivos vão tornar-se cada vez mais difíceis de alcançar e eu não gosto de perder”, confessou, a rir.
Com a despedida do pelotão a aproximar-se, Dennis olha para trás sem arrependimentos.
“Obviamente, tentei (ganhar) gerais e sempre disse que, quando terminasse a minha carreira, não queria ter esse se (na cabeça). E não gostei. Foi algo que pensei: ok, se não tentar, arrepender-me-ei de não ter tentado. Tentei clássicas pequenas, não gostei. Penso que o meu único arrependimento… (hesita, demora-se)… honestamente, não consigo pensar em nenhum”, garantiu.
Às vezes, concede, pensa que se podia “ter saído melhor”, mas, depois, as pessoas mostram-lhe o que alcançou, recordam-lhe o seu currículo, e constata: “Na verdade, não foi uma carreira assim tão má”.
“Bastante feliz” com o seu percurso, que começou em 2009, o australiano reflete sobre o porquê de cada vez haver mais retiradas entre ciclistas da sua idade, como aconteceu com Tom Dumoulin.
“Está a tornar-se mais duro, eles são melhores numa idade mais jovem. Jonas (Vingegaard), Remco (Evenepoel), Tadej (Pogacar), são todos jovens e estão a ganhar, não apenas corridas pequenas, mas provas muito, muito importantes: Mundiais, a Volta a França. Nós, antes, começávamos no pelotão profissional mais tranquilamente. Havia menos pressão sobre nós para ganhar”, comparou.
Para Dennis, “não é tanto uma questão física, é mais psicológica”. “De sermos sugados pelos media - não que vocês sejam más pessoas, não o são. Mas quando estás a ganhar, tens de lidar mais e mais com a imprensa. Veja-se o exemplo do (Peter) Sagan: está a ficar cansado e é da mesma idade que eu. Começou no pelotão profissional, penso eu, com 19 ou 20”, indica, referindo-se ao eslovaco que anunciou recentemente que abandonará as provas de estrada no final de 2023.
Assim, vaticina que “as carreiras podem ficar cada vez mais curtas”. “Posso estar enganado, mas é a minha previsão”, concluiu.