"Indústria do futebol tomou rumo muito diferente"
- Nasceu em Oliveira do Bairro, foi um avançado letal. Marcou 191 golos na carreira, 101 na Liga. Entretanto reformou-se do futebol dentro das quatro linhas, continuou carreira fora dela. Mas uma das primeiras perguntas que lhe faço é se já o posso tratar por Doutor?
- Doutor não vai ser seguramente um título que me vai diferenciar dos outros. Não acho que isso seja o mais importante e relevante. O mais importante é mantermos o carisma, princípios e a nossa humildade e simplicidade. São valores que me têm caracterizado durante toda a vida. No fundo, estes títulos académicos não me atribuem mais nada a não ser responsabilidade e conhecimento. O João é sempre o João.
- Para que se perceba: licenciatura, mestrado e agora o doutoramento. O que falta para acabar?
- O ano passado desleixei-me um bocadinho, não me dediquei o suficiente para poder avançar, então este ano aproveito para estar mais concentrado nesta questão mais académica. O doutoramento é um grau que exige muito tempo da nossa parte, muita investigação, leitura e escrita. Tenho ocupado o tempo dessa forma e falta-me um ano. Acredito que, na minha perspetiva mais otimista, termino em junho ou julho do próximo ano. Neste momento estou a trabalhar em três projetos.
- O João colocou a carreira de dirigente em stand-by por causa da vida académica. Há saudades?
- É sempre difícil nós estarmos afastados ou fora do dia-a-dia do que gostamos de fazer. Sabemos que isto é uma carreira diferente, como todas as outras, mas também é algo que gosto muito de fazer e estou enquadrado e motivado. Tenho a certeza clara do que necessito para estar motivado e para que as coisas corram conforme nós queremos e o objetivo é claro.
- Quer dizer que não está aberto a propostas?
- Não é essa a questão. Já tive essa possibilidade, mas não achei que fosse o momento certo.
- Apesar disso continua ligado ao desporto e estamos a assistir a uma vaga de dirigentes cada vez mais novos. Villas-Boas, Varandas e Rui Costa. Como olha para esta renovação?
- Eu acho que a indústria do futebol já tomou um rumo muito diferente do que levava há alguns anos. Mesmo no futebol amador, sabemos que para se estar nas competições profissionais temos de preencher muitos requisitos e esses requisitos são preenchidos com recursos humanos qualificados. Se não tivermos gente qualificada vamos sendo ultrapassados. Tenho conversado com colegas de outros países e confirmaram isso. Já não faz sentido fazer-se como se fazia antigamente. As pessoas que têm chegado estão melhor preparadas, com conhecimento mais adaptado ao que é exigido. A nossa forma de ver as coisas é muito própria, mas temos de ir ao encontro do que são as exigências.
"Estreia na Seleção? Sensação indescritível"
- O João somou quatro internacionalizações por Portugal. O que sentiu quando vestiu a camisola da Seleção?
- Só tive oportunidade de jogar quatro vezes pela Seleção, acho que merecia mais. Fui chamado para seis jogos, mas não joguei em dois. Ainda assim fiquei muito feliz pelas quatro.
- Depois de duas épocas fantásticas, com 35 golos no SC Braga, fica fora do Mundial-2006...
- Essa seria a grande oportunidade. Continuo a achar que tinha mais do que legitimidade para estar, mas a concorrência era muita. Tinha muitos craques. Mas foi o momento mais alto da minha carreira, ponto final. Nunca mais me esqueço do momento em que subi ao 1.º de Maio para jogar pela Seleção. (...) Quando entrei para o lugar do Pauleta, sensação indescritível. Nunca mais me esquece a cara de felicidade do José Mourinho (então treinador do Benfica) e do Ángel Vilda, que era o nosso preparador físico.
- Começa na segunda divisão, passa pelo Benfica e chega à Seleção.
- Exatamente isso. Em janeiro de 2000 vou para o Benfica e em novembro estava a ser chamado para a Seleção.
"Portugal está recheado de grandes valores"
- Na sua opinião, Portugal é favorito a conquistar o Europeu?
- Olho para o Europeu com muita confiança. Grande parte de nós portugueses está confiante que a Seleção faça um excelente Europeu. A confiança não é sinónimo de exuberância, nem sinónimo de nos desleixarmos. Acho que Portugal tem a convicção certa do que tem de se fazer. Depois do Euro-2016, Portugal continuou num ritmo ascendente do que tem sido os resultados da nossa Seleção. Não vou dizer que Portugal é favorito, mas acredito que seja um dos favoritos à conquista do título.
Neste momento, a verdadeira característica desta Seleção, é que Portugal está recheado de grandes valores, tem uma Seleção muito boa e é muito bem orientada. A parte bonita disto é que os adversários sabem que somos bons. Acho que estamos mais do que preparados para lidar com a pressão. Somos uma equipa que espero que faça um grande Europeu. É o que desejamos. Portugal está muito bem preparado para estar na linha da frente.
- Quem coloca mais na linha da frente?
- Os eternos candidatos. Alemanha como anfitriã, França, Espanha, Países Baixos, Inglaterra e Itália. Já vamos com seis-sete equipas com quem vamos ter de lutar nos quartos ou oitavos. Vamos ter grandes jogos.
- Como é que acha que Portugal vai jogar? Com ou sem Ronaldo? Ataque mais móvel ou trabalhado?
- Acho que o Cristiano vai jogar, a dúvida vai ser quem vai acompanhá-lo. Acho que Portugal vai jogar em 3-4-3. Tem jogadores com características muito interessantes para este sistema. Acho que as grandes dúvidas que vão existir na cabeça do Roberto Martínez é quem vai jogar no meio, no duplo pivot. É uma dúvida boa, porque vai ter de escolher dois entre quatro ou cinco muito bons.
Este último jogo foi muito ilucidativo daquilo que ele quer para a Seleção. O Cristiano estando bem vai jogar ele. Se vai jogar o tempo todo e os jogos todos? Não creio. Se não jogar ele, vai jogar o Gonçalo (Ramos). Ou puxar o Rafael (Leão) para o meio, embora não ache que essa opção vá acontecer. A dúvida é mesmo quem vai acompanhar o Cristiano. Acho que pode jogar Félix e Bernardo ou Bernardo e Rafael. Há várias hipóteses e ainda existem outros jogadores, como Pedro Neto, que estão numa retaguarda para entrar a qualquer momento.
"Gyökeres tem características impressionantes"
- Um breve olhar para o último campeonato. O que lhe pareceu o Gyökeres? Ficou surpreendido?
- Fez uma época extraordinária. Encaixou na perfeição no que eram as ideias do Rúben. Tem características impressionantes e conseguiu aliar tudo isso no factor mais importante de um avançado, que é a finalização. Podemos pensar em correr muito e nas muitas recuperações e ataques, mas os avançados são avaliados pelos golos que marcam ou pelos que não marcam.
Nem eu, nem o Rúben, nem o presidente, nem o Hugo Viana estariam à espera de que marcasse 40 e tal golos numa época desportiva. A qualidade estava lá e via-se que era acima da média. A nível desportivo está pago, com o título de campeão e a entrada direta na Liga dos Campeões. Todos os clubes, sem exceção, desejam ter um jogador como este. Mesmo que paguem 10-15 milhões.
- Obrigado, João. Falaremos nos próximos tempos. Muita sorte.
- Obrigado. Um abraço.