"Vejam, foi assim que Maradona morreu!" Na primeira manhã da audiência em San Isidro (subúrbio de Buenos Aires), o procurador Patricio Ferrari provocou um choque ao mostrar aos juízes uma fotografia do ídolo argentino, morto na sua cama, com o estômago inchado. "Deixem-nos dizer que não se aperceberam do que estava a acontecer ao Diego!"
"Mentem-vos se disserem que não participaram no assassínio!", disse na sua declaração de abertura, garantindo que a acusação provaria que "ninguém fez o que devia fazer" no seio da equipa médica, no "teatro do horror" que se tornou uma casa de repouso "calamitosa".
Sete médicos - clínicos, psiquiatras, psicólogos e enfermeiros - estão a ser julgados por "homicídio com intenção", que ocorre quando uma pessoa comete uma negligência sabendo que pode causar a morte. Arriscam 8 a 25 anos de prisão, num julgamento que deverá prolongar-se até meados de julho, com quase 120 testemunhas, incluindo peritos, familiares, amigos e médicos de Maradona ao longo dos anos.
Um séquito diabólico
Lenda mundial do futebol e verdadeiro "Deus" na Argentina, Diego Armando Maradona morreu aos 60 anos de idade, vítima de uma crise cardio-respiratória, em 25 de novembro de 2020, numa cama de hospital, numa residência em Tigre, a norte de Buenos Aires. Estava a convalescer há quinze dias após uma operação de neurocirurgia a um hematoma na cabeça.
De acordo com a autópsia, a antiga estrela do Boca Juniors e do Nápoles e herói do Campeonato do Mundo de 1986 morreu de "edema pulmonar agudo secundário e insuficiência cardíaca crónica exacerbada". Mas ele sofria de múltiplas doenças: problemas renais e hepáticos, insuficiência cardíaca, deterioração neurológica e dependência de álcool e drogas psiquiátricas, de acordo com um relatório pericial.

De acordo com o Ministério Público, a equipa médica foi "protagonista de um programa de hospitalização domiciliária totalmente deficiente e imprudente", tendo cometido uma "série de improvisações, erros de gestão e falhas".
Fernando Burlando, advogado de Dalma e Giannina, as filhas de Maradona, de 30 anos, condenou na terça-feira a "equipa diabólica". Descreveu "uma síntese de horror", um assassínio "silencioso mas cruel", um "crime que pretende mascarar-se de negligência".
"Paciente difícil"
No exterior do tribunal, desde as primeiras horas de terça-feira, dezenas de adeptos agitaram bandeiras com a imagem de Maradona, cantaram canções de glória e envergaram t-shirts "Justiça para Diego" com o rosto do ídolo.
"Obrigada a todos por terem vindo, não consigo falar", disse Verónica Ojeda, ex-companheira de Maradona e mãe de Dieguito, de 12 anos, enquanto soluçava e se misturava com eles, distribuindo t-shirts.
As estratégias de defesa, negando qualquer responsabilidade, foram evidentes nas declarações iniciais dos advogados.
Escondendo-se por detrás de uma especialidade, de um papel segmentado, da ausência do mínimo contacto - como o da coordenadora de enfermagem - com Maradona, ou dissociando-se da luz verde para a convalescença neste local claramente inadequado, sem desfibrilhador, por exemplo. Passando assim a contrapartida para a família.
Ou, como defende o psicólogo Carlos Diaz, lembrando que "todos sabemos que Maradona era um paciente difícil", tanto por causa dos medicamentos - que se recusou a tomar das enfermeiras - como por problemas psicológicos.
Para além dos sete médicos que parecem estar em liberdade, a enfermeira Dahiana Gisela Madrid foi alvo de um julgamento separado, que deverá ter lugar em julho. O Procurador Ferrari sublinhou que as trocas de mensagens áudio e escritas, que foram amplamente discutidas durante a investigação, também serão ouvidas no julgamento.
O povo merece justiça
Estas trocas de mensagens, disse Mario Baudry, advogado de Dieguito, mostram que "eles (a equipa médica) sabiam que, se Diego continuasse assim, morreria". E onde se fala em "tentar que as filhas de Diego não o levassem, porque se o fizessem, perderiam o seu dinheiro".
"Alguém será culpado pela morte de Maradona?", perguntava-se esta semana o jornal Página 12, temendo um julgamento com mais perguntas do que respostas.
Mas para os argentinos que reverenciam "El Pibe de oro", deve haver. "Toda a sociedade precisa de saber (...) o que realmente aconteceu, quem o abandonou, e que paguem aqueles que devem pagar!", disse Hilda Pereira, do bairro La Paternal, onde "nasceu" aos 15 anos com o Argentinos Juniors, na véspera do julgamento. "Diego Maradona, os seus filhos, a sua família e o povo argentino merecem justiça", disse o procurador na terça-feira.
O julgamento, inicialmente previsto para três dias por semana, foi adiado para quinta-feira, quando o tribunal deverá decidir sobre o modus operandi para os próximos meses e sobre os pontos processuais levantados na terça-feira.