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Fórmula 1: Uma ode a Nico Hulkenberg, que finalmente tem o prémio que merece

A espera de Nico Hulkenberg terminou
A espera de Nico Hulkenberg terminouFlorent Gooden / DPPI via AFP
Na mais recente edição da sua coluna regular sobre Fórmula 1, Finley Crebolder, do Flashscore, presta homenagem a Nico Hülkenberg, depois de o piloto alemão ter finalmente terminado a sua longa espera por um pódio, alcançado no Grande Prémio da Grã-Bretanha.

Normalmente, escolho três pontos de destaque de cada corrida para analisar nesta coluna, mas hoje abro uma exceção para me concentrar apenas num, aquele que o próprio Oscar Piastri descreveu como "o ponto alto do dia".

Depois de 15 anos e 239 Grandes Prémios, Nico Hulkenberg tem finalmente um pódio na Fórmula 1 em seu nome.

Sempre vi o registo indesejado de Nico Hülkenberg, o piloto com mais corridas na Fórmula 1 sem um pódio, mais como um sinal de mérito do que como uma acusação contra ele.

Para muitos, esse dado refletia a imagem de um piloto talentoso, mas incapaz de fazer a diferença nos momentos decisivos, alguém que falhava quando as oportunidades surgiam sob pressão.

Para mim, dizia outra coisa: que ele foi o único piloto na história da F1 suficientemente bom para continuar a garantir lugares na grelha, mesmo depois de centenas de corridas sem um único pódio.

Afinal, o recorde de Hülkenberg não se deveu propriamente a falta de talento ou de sangue-frio, mas, acima de tudo, a uma questão de azar.

É verdade que deixou escapar algumas oportunidades, como no Grande Prémio do Brasil de 2012, quando colidiu com Lewis Hamilton após liderar a corrida, ou no Grande Prémio da Alemanha de 2019, quando saiu de pista enquanto rodava na quarta posição.

Num mundo mais justo, esses erros pontuais de Nico Hülkenberg seriam apenas pequenas manchas esquecidas no tempo, meros deslizes num mar de oportunidades de pódio, oportunidades que, na maioria dos casos, ele teria aproveitado.

Mas Hülkenberg nunca teve direito a esse oceano de possibilidades, porque nunca conseguiu um lugar numa verdadeira equipa de topo. É difícil não o considerar o homem mais azarado da história da Fórmula 1, se olharmos para todas as vezes em que esteve à beira dessa mudança e a perdeu, quase sempre por fatores que lhe fugiam ao controlo.

Em 2012, a Mercedes tinha Hülkenberg na lista para substituir Michael Schumacher, mas a decisão dependia de Lewis Hamilton. O britânico, contra as expectativas, aceitou o desafio e iniciou o que viria a ser uma das fases mais dominantes de sempre da equipa alemã.

Em 2013, Hülkenberg esteve perto de rumar à Ferrari, mas, no último momento, a Scuderia preferiu o regresso de Kimi Räikkönen.

Em 2017, após o surpreendente anúncio da retirada de Nico Rosberg, a Mercedes quis dar-lhe o lugar, mas o alemão já tinha assinado contrato com a Renault semanas antes.

E em 2020, a Red Bull esteve a um passo de lhe abrir as portas, mas Sergio Pérez acabou por conquistar os responsáveis com a primeira vitória da sua carreira, assegurando o lugar.

Vez após vez, o destino pareceu conspirar para manter Hülkenberg afastado do carro que muitos acreditavam ser o que ele merecia.

E não se enganem: Hülkenberg mereceu, sem dúvida, a oportunidade de competir ao mais alto nível. Basta olhar para outros dados, para além do famoso registo de corridas sem pódios, para perceber isso.

Quando foi colega de equipa de Sergio Pérez, um piloto com seis vitórias e 39 pódios no currículo, Hülkenberg mostrou-se perfeitamente capaz de competir ao mesmo nível. Faltava-lhe, talvez, a consistência do mexicano, mas, em termos de velocidade pura, foi quase sempre o mais rápido dos dois.

Mais tarde, ao lado de Carlos Sainz, que soma quatro vitórias e 27 pódios, dominou claramente a comparação interna durante toda a temporada na Renault, em praticamente todos os aspetos.

Na verdade, o único companheiro de equipa que o superou de forma clara ao longo da sua carreira na Fórmula 1 foi Daniel Ricciardo, um piloto com oito vitórias, 32 pódios e, na altura, amplamente reconhecido como um dos melhores do mundo.

Talvez o exemplo mais revelador do potencial de Hülkenberg seja o que conseguiu fora da Fórmula 1. Quando finalmente teve nas mãos um carro competitivo noutra categoria, venceu aquela que é, para muitos, a corrida mais exigente e prestigiada do desporto motorizado: as 24 Horas de Le Mans.

Hülkenberg sempre teve o talento, mas faltou-lhe uma qualidade fundamental que tantas vezes define carreiras no desporto motorizado: estar no sítio certo, à hora certa.

Talvez por isso, seja ainda mais simbólico que o tão esperado pódio não tenha chegado por mero acaso ou por um golpe de sorte, como tantas vezes acontece a outros. Chegou sem o auxílio da sorte, conquistado, do início ao fim, com mérito próprio.

Partindo da 19.ª posição da grelha, Hülkenberg dominou as condições adversas, recuperou nove lugares nas três primeiras voltas e, em conjunto com a equipa, tomou as decisões estratégicas certas para ascender ao quarto lugar. Depois, assinou uma excelente ultrapassagem a Lance Stroll, que o colocou no pódio.

Mas o destino, fiel ao guião dramático da sua carreira, tinha guardado um derradeiro obstáculo: nos seus espelhos, aproximava-se o homem que tantas vezes lhe roubou o protagonismo. O homem que o tinha impedido de conquistar um pódio em 2012. O homem que, um ano depois, lhe fechou as portas de uma oportunidade que poderia ter mudado tudo. O homem que, num carro onde ele poderia ter brilhado, se tornou no piloto mais titulado da história da Fórmula 1. Lewis Hamilton estava a caminho, pronto para lhe partir o coração mais uma vez.

Raramente me senti tão nervoso a assistir a um evento desportivo como naquelas últimas voltas.

Vieram-me à memória as imagens de um jovem Hülkenberg, quando tinha apenas 12 anos e o vi conquistar de forma surpreendente uma pole position, como uma promessa em ascensão.

Lembrei-me de o ver brilhar, anos mais tarde, como substituto em Silverstone, numa exibição sensacional que acompanhei no início da minha carreira jornalística.

Lembrei-me de cada infortúnio, de cada oportunidade perdida… e desejei mais do que nunca que, desta vez, ele conseguisse.

E conseguiu. Desta vez, Hülkenberg não ia ser negado.

De forma notável, tendo em conta o carro que conduzia, o piloto de 37 anos conseguiu registar a volta mais rápida da corrida e manteve um ritmo sólido o suficiente para segurar Lewis Hamilton, mesmo antes do piloto da Mercedes cometer um ligeiro erro. A longa espera tinha finalmente terminado.

Vê-lo a celebrar o feito com a sua equipa foi, sem dúvida, um dos meus momentos desportivos favoritos de sempre. Finalmente, a justiça, tão rara no desporto, tinha dado sinais de vida.

Na Fórmula 1, como no desporto e na vida, há inúmeras pessoas cujo talento nunca se traduz no sucesso merecido. Mas, naquele dia chuvoso e caótico, numa pequena localidade inglesa, Nico Hülkenberg teve, pelo menos, um vislumbre do que a sua carreira poderia e deveria ter sido.

Opinião de Finley Crebolder
Opinião de Finley CrebolderFlashscore