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Expulsos e sem indemnização: os indonésios e o preço elevado do circuito de MotoGP

Expulsos e sem indemnização: os indonésios e o preço elevado do circuito de MotoGP
Expulsos e sem indemnização: os indonésios e o preço elevado do circuito de MotoGPJack Moore / AFP

A terra a que o aldeão Senum chamava "casa" foi engolida pelo circuito de MotoGP de Mandalika, na ilha indonésia de Lombok. A infraestrutura faz parte de um mega projeto turístico denunciado por expropriação forçada e violação dos direitos das populações locais.

A Indonésia, um país muito apaixonado pelo motociclismo, recebe no próximo fim de semana Marc Márquez, que igualou no domingo passado os sete títulos mundiais de MotoGP da lenda Valentino Rossi.

Mas fora do circuito de Mandalika, há poucos motivos para festejar para as dezenas de indígenas Sasak que foram obrigados a abandonar as suas terras e continuam a lutar por uma indemnização.

"Obrigaram-nos a sair como se fôssemos cães e galinhas. Eles são ladrões", reclama Senum, 47 anos, que teve de se mudar duas vezes desde que as primeiras máquinas começaram a chegar em 2018. 

"Tive de fugir da minha terra porque tinha medo. Não queria morrer estupidamente", acrescenta este nativo, que também se queixa de lhe terem prometido 10 milhões de rupias (cerca de 600 dólares) pelas suas terras, um valor muito abaixo do preço de mercado. No final, só recebeu três milhões de rupias.

O campeonato do mundo de motociclismo regressa à Indonésia, após mais de um quarto de século de ausência, num novíssimo circuito de 4.310 metros construído na cidade turística de Kuta, rodeado pelas praias de Lombok.

Mega projeto turístico

O governo indonésio espera que o projeto sirva para diversificar o turismo, para além da popular ilha de Bali. Mas o projeto tem alimentado conflitos entre as autoridades e os habitantes locais, o que não é novidade.

A maior parte das 124 famílias da zona foram deslocadas e realojadas. Outras 44 ficaram e estão a lutar contra as autoridades para serem indemnizadas.

Sibawahi, um carpinteiro e agricultor de 56 anos, diz que o circuito acabou com as terras que utilizava para plantar coqueiros e alimentar o seu gado.

Em 2020, as autoridades exigiram que ele partisse sob o pretexto de que os seus pais, agora falecidos, tinham vendido as suas terras, mas sem provas.

Perdeu cerca de quatro hectares, que foram confiscados em 2021 pelos militares e pela polícia. Ainda está à espera de uma indemnização.

"Não posso aceitar. Não consigo expressar os meus sentimentos. É muita tristeza para pessoas oprimidas como nós. Tudo o que espero é ser pago pelas minhas terras", exige.

Críticas da ONU

Lombok é uma região empobrecida que luta para se reconstruir após um terramoto mortal em 2018.

O antigo presidente Joko Widodo, cujo governo designou a área como uma zona económica especial, elogiou o projeto por proporcionar emprego a 3.000 habitantes locais. Mas muitos aldeões estão a protestar em torno do circuito e no gabinete do governador para exigir a devolução das suas terras ou uma compensação adequada.

Em julho, novos despejos deixaram 2.000 pessoas sem o seu principal meio de subsistência, segundo os peritos da ONU. Num relatório publicado um mês mais tarde, os peritos manifestaram-se alarmados com a alegada intimidação e uso da força contra os aldeões, afirmando que "estas comunidades estão agora a viver com medo".

A Corporação Estatal Indonésia para o Desenvolvimento do Turismo (ITDC), que supervisiona o desenvolvimento da estância de Mandalika, e as autoridades locais de Lombok não responderam aos pedidos da AFP para verificar estes relatórios.

No entanto, a ITDC garantiu aos meios de comunicação locais que a gestão do projeto é "limpa e clara" e que "respeita os direitos das comunidades".

"Devolver a nossa dignidade"

Alguns residentes queixam-se de que nem sequer podem beneficiar do circuito, uma vez que não estão autorizados a vender os seus bens aos visitantes e nem sequer podem sair de casa sem autorização no fim de semana do Grande Prémio.

"Somos como bezerros enjaulados", diz Senum.

Há também habitantes locais que se dizem felizes por terem deixado as suas casas, como Suman, uma dona de casa que recebeu 15 milhões de rupias por vender a sua casa, situada no que é agora uma das esquinas do circuito de MotoGP.

"Quando começaram (a construir)... estava superlotado", disse à AFP. "Estou grata por estar aqui agora", acrescentou.

Mas esta posição parece ser uma exceção.

"Que nos paguem como deve ser e que nos devolvam a nossa dignidade", insiste Senum, enquanto observa um bulldozer a trabalhar no que foi outrora o seu terreno.

"Se eles querem continuar a construir... deviam resolver o nosso problema primeiro", conclui.