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Mulheres futebolistas da Albânia quebram tabus: "Levantem-se e lutem"

O Vllaznia tem tido muito sucesso na Albânia e já defrontou os grandes clubes europeus na Liga dos Campeões
O Vllaznia tem tido muito sucesso na Albânia e já defrontou os grandes clubes europeus na Liga dos CampeõesUEFA Women's Champions League
Emanuela Rusta lutou contra opiniões divergentes e misóginas durante os vários anos enquanto futebolista da Albânia, antes de se ter tornado a primeira árbitra internacional do país.

Rusta tem-se destacado como uma das grandes figuras da luta pela igualdade no futebol albanês, num país em que o sexismo foi afastando as mulheres dos relvados.

"É preciso lutar bastante para se ser aceite. Temos de partir os telhados de vidro", sublinhou, em declarações à AFP.

O futebol é, na Albânia, uma obsessão nacional, mas só recentemente se registou uma incursão da vertente feminina na modalidade. A seleção nacional feminina competiu pela primeira vez em 2011 e, atualmente, a Federação Albanesa de Futebol (FSHF) continua dominada por homens, com 22.000 elementos do setor masculino, em contraste com as 2.000 mulheres que lhe estão associadas.

Devastada por décadas de pobreza, regime autoritário e migração em massa, a Albânia tem lutado para a integração global desde que o seu governo comunista entrou em colapso no início dos anos 90.

Desde então, muitas pessoas agarraram-se às suas tradições, incluindo ideias de género profundamente enraizadas, especialmente nas zonas rurais onde as mulheres tiveram menos oportunidades.

Mas o contexto começou a mudar, com cada vez mais mulheres a assumirem posições de liderança enquanto juízas, diretoras de universidades ou com altos cargos governamentais.

O mundo desportivo também foi mudando aos poucos, incluindo no panorama futebolístico, no qual não são incomuns cenas de desordem e disputas em jogos da vertente masculina.

Uma luta incansável

Apesar dos obstáculos, Rusta permaneceu inabalável perante as manchetes dos meios de comunicação locais, que chegaram a caracterizá-la como "a árbitra sexy que aparece com o calor".

A arbitragem "não é uma questão de género, mas de competência", sublinhou Rusta, que já arbitrou dezenas de jogos internacionais em estádios europeus e que espera vir a ser nomeada para um Campeonato do Mundo masculino.

"Para tomarmos boas decisões, temos de saber as regras do jogo na perfeição, mas também temos de estar em excelente forma física e ter uma grande capacidade de concentração", acrescentou.

Para apoiar a sua carreira, Rusta trabalha como professora de educação física numa escola secundária em Elbasan, a sua cidade natal. Os treinos são feitos à tarde e a árbitra espera dirigir o dérbi da principal liga da Albânia entre os dois grandes rivais da capital, o Tirana e o Partizani. "Uma árbitra alivia as tensões e normaliza a situação", disse o analista desportivo Andi Vrecani.

A história do futebol feminino está profundamente enraizada na cidade albanesa de Shkodra, no norte da Albânia, onde o Vllaznia se destacou pela primeira vez em 2009. Em poucos anos, o clube passou a dominar as competições internas e disputou jogos europeus contra Chelsea, Real Madrid e Paris Saint-Germain, na fase de grupos da edição 2022/2023 da Liga dos Campeões.

"O segredo para o sucesso da equipa está nas raparigas, que conseguiram quebrar o mito e o preconceito de que o futebol é um desporto para homens", destacou Lazer Matija, presidente do clube, que tem em Megi Doci uma das grandes figuras do recente sucesso.

Originária de uma vila pobre do norte da Albânia, a avançado começou a jogar futebol contra a vontade da sua mãe e mudou-e para Tirana aos 12 anos para perseguir o sonho.

Hoje com 26 anos, Doci admite que o contexto não foi fácil, mesmo tendo pelo caminho acumulado distinções, incluindo prémios para melhor avançado e jogadora mais valiosa.

"Caí, sofri, chorei, engoli as lágrimas, mas em todas as vezes escolhi levantar-me e lutar", sustentou, ela que ambiciona um dia chegar ao Bayern ou ao Real Madrid.

Doci treina quatro horas por dia com homens, que várias vezes ficam surpreendidos por vê-la em campo. "É um desafio, conseguimos sentir o peso dessa mentalidade ainda presente porque eles não estão habituados a ver uma rapariga jogar", explicou.

"Ganhámos essa batalha"

Outras atletas quebraram fronteiras enquanto geriam as exigências de uma carreira atlética com o desejo de começar uma família. "Nunca quis escolher entre a minha carreira e a minha vida pessoa, sempre quis ser feliz em ambas", disse Ardiola Raxhimi, de 24 anos, que é mãe de um bebé de dois anos fruto de uma relação com Muhamet, antigo futebolista que detém, atualmente, uma barbearia.

Armand Duka, presidente da FSHF, assegurou que "o futebol feminino é a prioridade" daquela entidade, que espera ver crescer o número de atletas. Contudo, o responsável admitiu que a paridade é, ainda, uma miragem.

As jogadoras de futebol recebem cerca de metade dos profissionais masculinos, com o salário médio a rondar os 400 euros mensais. Mas, embora continuem a existir muitos obstáculos, Duka acredita que a evolução vai continuar.

"Há poucos anos, o futebol feminino era quase tabu porque a modalidade era considerada masculina. Ganhámos essa batalha", sustentou.