Das acusações de corrupção para obter o torneio às críticas aos direitos dos trabalhadores migrantes e das pessoas LBGT+, "houve muitas preocupações em termos de organização e segurança, bem como a extrema politização deste Campeonato do Mundo", recordou Carole Gomez, estudante de doutoramento em sociologia do desporto na Universidade de Lausanne, na Suíça.
"É evidente que esta politização não foi tão importante como poderia ter sido e que, se houve problemas, não foram amplamente divulgados", observou.
"O evento ofereceu ao Catar a oportunidade de limpar a sua imagem como um país cheio de escândalos, mesmo que isso significasse esquecer os assuntos que precederam o torneio", concordou Raphaël Le Magoariec, especialista em geopolítica do desporto no Golfo, na Universidade de Tours em França.
Para Andreas Krieg, professor no King's College London, os "choques culturais nas redes sociais sobre valores e símbolos" não devem afetar as relações internacionais.
"O Catar utlizou o Campeonato do Mundo para cimentar as suas relações diplomáticas", notou, e "mesmo em países onde a cobertura mediática tem sido sobretudo negativa, como no Reino Unido, as elites políticas têm permanecido positivas em relação ao anfitrião do Campeonato do Mundo”.
Benefício líquido do soft power
Segundo Simon Chadwick, professor de economia desportiva e geopolítica na SKEMA Business School em França, o emirado está a sair do evento com um "benefício líquido de soft power", particularmente no sul e no mundo árabe, onde a competição "deu um impulso" à sua influência preexistente.
Isto foi sublinhado pelas autoridades do Catar: "Mantivemos a nossa promessa de organizar um campeonato excecional para os países árabes, que permitiu aos povos do mundo descobrir a riqueza da nossa cultura e a originalidade dos nossos valores", escreveu o emir, Sheikh Tamim bin Hamad Al Thani, no Twitter, no domingo.
Entre o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, convidado de honra da cerimónia de abertura e o uso, por parte do emir, de um lenço verde, cor da seleção saudita, estava colocada em cima da mesa a reconciliação com a Arábia Saudita, após um afastamento político entre junho de 2017 e janeiro de 2021.
A causa palestiniana também esteve presente nos estádios, com muitos adeptos e jogadores de Marrocos - surpreendentemente semifinalistas unificadores – a fazerem esvoaçar a bandeira palestiniana.
"Isto uniu o mundo árabe e islâmico em torno do Catar, um campeão de questões regionais como a Palestina ou o anticolonialismo", segundo Krieg.
Carole Gomez reparou também em "reuniões diferentes em que a Turquia esteve envolvida". "A mensagem foi sintonizada para a escala global e não apenas para a escala ocidental, e principalmente europeia", analisou.
Ainda há reservas
"Mesmo no norte, por exemplo em partes da Europa, as perceções e atitudes de algumas pessoas em relação ao Catar mudaram positivamente", acrescenta Chadwick.
No entanto, “muitos visitantes, particularmente nos meios de comunicação social (...), ainda têm reservas", apontou, e "ainda existe uma resistência considerável em países como a Dinamarca, Alemanha e Países Baixos, que as autoridades do Catar optaram por não enfrentar.”
Parece-lhe "improvável que quatro semanas sejam suficientes para desafiar os preconceitos e estereótipos". "O verdadeiro trabalho de construção de soft power começa (agora) para o governo do Catar", concluiu Chadwick.
O primeiro obstáculo é a alegada corrupção no Parlamento Europeu, que foi revelada durante o Campeonato do Mundo.
Carole Gomez interroga-se sobre os efeitos deste escândalo, mas também sobre como o Catar irá "imaginar a sua diplomacia desportiva no futuro", num contexto de competição com a Arábia Saudita, com ambos os países de olho nos Jogos Olímpicos de 2036.
“Há alguns meses, pensei que poderíamos assistir a um abrandamento em certos países prontos a investir no desporto a qualquer preço, dadas as acusações de "sportswashing”. Mas quando se olha para o que aconteceu no Catar, pode não ser algo certo".
A questão climática, por outro lado, pode tornar-se decisiva, acredita, uma vez que a Arábia Saudita foi designada no início de Outubro para acolher... os Jogos Asiáticos de Inverno de 2029.