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O papel de um agente no mundo do futebol: "Muitos clubes veem como um custo extra"

Robalinho já negociou jogadores brasileiros um pouco por todo o mundo
Robalinho já negociou jogadores brasileiros um pouco por todo o mundoArquivo pessoal

Os agentes possuem grande importância no mundo do futebol não apenas intermediando negociações de diferentes patamares envolvendo clubes e jogadores, mas também dando suporte aos seus clientes. Alguns dos atletas não têm a devida preparação e conhecimento para lidar com tudo o que envolve uma negociação - seja ela de que porte for -, tendo nos empresários figuras de confiança - pelo menos isso é o que se espera - para que o seu foco fique somente dentro de campo.

Apesar da contribuição que exercem junto aos atletas, os agentes ainda possuem a sua imagem arranhada por alguns personagens do mundo do futebol, que ligam esta figura ao perfil de aproveitadores. Na realidade, a sua missão vai justamente na contramão desta ideia, com os empresários a servirem para nortear os seus clientes sobre os melhores caminhos a serem seguidos, principalmente fora das quatro linhas, envolvendo não apenas contratos, mas também assuntos da vida pessoal.

Nesta conversa exclusiva com o Flashscore, o agente Marcelo Robalinho, com 25 anos de experiência no ramo, fala sobre os prazeres e dificuldades da profissão, que ainda carece de novos avanços. Um deles é que clubes do cenário brasileiro possam adotar medidas permanentes de negociar somente com atletas que sejam agenciados por profissionais reconhecidos pela FIFA.

Registo de Robalinho no escritório da Think Ball com Guilherme, ex-Goiás, hoje no Changchun Yatai, da China
Registo de Robalinho no escritório da Think Ball com Guilherme, ex-Goiás, hoje no Changchun Yatai, da ChinaArquivo pessoal

Dessa forma, ficará limitada a participação de pessoas sem a devido preparação, que costumam atentar-se apenas à parte financeira, deixando de lado uma visão que pode comprometer o futuro de um atleta que está apenas a começar a sua carreira.

- Como foi o seu início?

Sou formado em Direito no Largo São Francisco da USP, em São Paulo, e a minha graduação foi em 1997. Em 1998, entrou em vigor a Lei Pelé, que terminou com o passe a ser do jogador. Eu já me interessava por esta área. Naquele momento, muitos debates aconteciam dentro da faculdade, que foi o berço de vários encontros sobre a alteração legal da lei. Abriu-se um ramo novo do Direito, aprofundei-me na legislação e comecei a advogar em casos. A Think Ball foi aberta em 2000. Tivemos um crescimento muito sólido em 25 anos, hoje somos uma marca no mercado. O meu primeiro cliente foi o Sócrates, quando ele já estava retirado do futebol. A partir dali, começámos a prospetar jogadores e trabalhei com alguns nomes daquela famoso equipa do São Caetano, do início dos anos 2000, como Silvio Luiz, Dininho e Serginho.

Muito do que me fez ser agente foi ver como os jogadores estão desamparados legal e emocionalmente. O mercado, na sua maioria, conta com pessoas sem formação sólida e que procuram ganhar dinheiro de forma rápida e fácil. Em 2010, com a minha empresa já consolidada, dispus-me a mudar com a minha família para a Suíça para fazer um mestrado em Direito Desportivo na Universidade de Neuchâtel, com este curso sendo, em parte, financiado pela FIFA. A profissão permitiu-me falar seis idiomas. O mercado do futebol carece muito de bons profissionais. Na minha empresa, procuro dar exemplo para jogadores e colaboradores para que ninguém tenha zona de conforto. Procuramos aprimoramento constante em todas as áreas.

- Como é que um agente costuma ser importante na vida de um jogador?

- Um agente pode ajudar, mas também destruir a carreira de um jogador. Existe um fenómeno cada vez mais presente, apesar de ser proibido, que é o jogador que vende a sua representação por um valor X. Isso vai contra a regulamentação do agente. A FIFA está a tentar disciplinar esta situação, mas é uma realidade de mercado. Muitos atletas são de origem humilde e agarram-se a quem oferece uma maior quantia, visando mais o momento do que a solidez da sua carreira. A FIFA exige um exame para fornecer a licença a um agente de futebol. Na teoria, os clubes deveriam negociar somente com estes profissionais, mas eles e os jogadores não respeitam isso. 

- É importante um agente ter um bom conhecimento em diversas áreas, como fisioterapia, nutrição, direito, etc.?

- Com certeza. Eu costumo participar em palestras, fiz um curso de negociação nos Estados Unidos e a procura por atualizar os meus colaboradores também faz parte deste processo. Isso é importante para oferecer aos atletas uma melhor condição de negociação.

Meia Patrick, hoje no Athletico-PR, é um dos clientes da Think Ball
Meia Patrick, hoje no Athletico-PR, é um dos clientes da Think BallArquivo pessoal

Recentemente, dei uma palestra em Yale, onde procurei justamente mudar a visão que muitos têm dos agentes. Todo ramo tem bons e maus profissionais. Os maus deveriam ser a exceção. Muitos clubes veem os agentes como um custo extra. Na realidade, eles servem para acrescentar. Temos um setor da empresa que fornece informações em tempo real aos jogadores assim que os jogos terminam, para que possam saber os seus dados e comparar números com os de outros jogos e atletas.

Já fizemos mais de 1.000 transferências, é ao agente que o clube vem quando precisa de negociar um jogador. Damos mais visibilidade ao jogador, ajudamos na sua adaptação em momentos de transferência para clubes internacionais, quando se espera o mesmo rendimento que ele tinha no seu país de origem. A nossa empresa fornece apoio e ajuda neste processo de nova língua, cultura, clima, etc. Muitos clubes não percebem como uma empresa bem estruturada fornece diversas vantagens para os seus jogadores. 

- Alguma aprendizagem mais importante na sua carreira?

-Aprendemos todos os dias. Depois de todos estes anos de experiência, deparei-me com a situação do Lucas Esteves, que foi inédita. O Grêmio dispôs-se a pagar um valor superior à cláusula de rescisão, mas o Vitória queria receber o valor estabelecido no contrato. O Grêmio depositou o montante, o Vitória devolveu o dinheiro e iniciou-se uma disputa intensa, resolvida apenas com uma liminar. São situações que acontecem e para as quais temos de encontrar soluções. Ainda hoje, os clubes deparam-se com jogadores caros e sem rendimento, recorrendo à figura do agente para encontrar uma solução, apesar da sua má reputação. Os agentes desempenham um papel fundamental na visibilidade dos atletas.

- O boca a boca é uma das principais formas de conseguir novos clientes?

- Sim, tornou-se algo natural. Muitos acham que um jogador de futebol é pouco inteligente, mas discordo totalmente dessa afirmação. Vários jogadores passam por um sistema de vida exigente desde os primeiros anos no futebol, longe da família, a viver em alojamentos e afastados de casa durante os fins de semana. Isso leva-os a desenvolver um instinto para perceber quem é genuíno. Desde cedo, os jogadores conseguem distinguir quem está verdadeiramente interessado no seu bem-estar e quem apenas quer tirar proveito da sua carreira.

Robalinho com o defesa Hugo, campeão da Copinha 2025 pelo São Paulo
Robalinho com o defesa Hugo, campeão da Copinha 2025 pelo São PauloArquivo pessoal

- Qual a importância de conhecer o círculo social do jogador?

- É muito importante. A influência dos pais na carreira do jogador aumentou bastante, especialmente depois do envolvimento do pai de Neymar na gestão da carreira do filho. Isso fez com que as famílias se tornassem mais presentes na vida dos jogadores. Há 10 anos, isto não era tão comum.

Apesar disso, muitas famílias ainda dão prioridade ao lado financeiro em detrimento da gestão da carreira. Normalmente, trabalhamos pouco com jogadores da formação. Esperamos que esse ciclo se complete para ter contacto com os atletas quando já se encontram num patamar mais elevado, mais integrados no mercado. Procuramos jogadores com qualidade e potencial para se destacarem nas grandes ligas europeias.

- Que serviços a sua empresa oferece?

- Além do acompanhamento integral no processo de negociação e assinatura do contrato, temos sempre um elemento do escritório a viajar com o atleta nos momentos de transferência. O contacto diário é essencial para acompanhar a sua rotina. No final do dia, se o jogador não estiver bem, o seu rendimento será afetado. O nome da minha empresa (Think Ball) reflete precisamente essa filosofia: queremos que o atleta pense apenas no seu desempenho dentro de campo, que pense apenas na bola.

- Como é que a tecnologia transformou o seu ramo de atuação?

A tecnologia surgiu para facilitar e oferecer mais ferramentas. No entanto, também trouxe alguns desafios, como o desaparecimento do instinto de um diretor ao observar um jogador a atuar. A análise de desempenho evoluiu significativamente, assim como os meios de comunicação, que passaram de chamadas telefónicas fixas, faxes e cassetes de vídeo para plataformas digitais em tempo real.

O lado positivo do passado era o tempo que se tinha para analisar um jogador, discutir o seu potencial, etc. Atualmente, com apenas dois cliques, temos acesso a um conjunto infinito de dados sobre um atleta. No entanto, esta sobrecarga de informação tornou os processos mais demorados devido à necessidade constante de comparações. O instinto do olheiro parece ter sido substituído pelos números e estatísticas. Vivemos numa sociedade imediatista, onde se valoriza mais uma imagem momentânea do que o percurso de um jogador. Perante esta realidade, a única opção é adaptarmo-nos.

- Como fazer para negociar com clubes que têm dívidas consigo?

- Não dá para misturar as coisas. Podemos contar pelos dedos de uma mão os clubes que pagam a tempo e horas na Série A. Estou a entrar com uma ação de 10 mil reais contra o Botafogo por uma comissão em atraso. Os negócios são baseados no oportunismo e na conveniência, o clube não é amigo de ninguém. Se eu deixasse de negociar com um clube por causa de uma dívida, a minha atuação ficaria muito limitada.

- Recentemente, Paulo Bracks, diretor do Atlético-MG, falou sobre o amadurecimento dos dirigentes no futebol brasileiro após uma negociação com o Palmeiras. Concorda com essa visão?

- Existem pessoas boas que lutam por isso, e a palavra ainda tem muito valor. Quando fecho um acordo, não volto atrás. O Palmeiras não precisou de pedir recuperação judicial, nem deu calote em ninguém. O clube passou dificuldades, desceu de divisão, reestruturou-se e voltou a disputar títulos. É um clube que age com coerência, mostrando um conceito sólido de administração, tal como o Flamengo, que tem um controlo rigoroso dos gastos.

Na minha época com o Alex Mineiro, mal tínhamos contrato. O mesmo aconteceu com o Jadson, que esteve connosco por mais de uma década. Alguns jogadores tentam fazer leilão. Tal como há clubes sérios, também há jogadores de boa índole, que se destacam dentro de campo e nos seus relacionamentos. Estes vão render mais devido à sua postura. Aqueles que foram honestos comigo chegaram longe. Já os que tentaram ser espertos acabaram por ficar pelo caminho.

- O agente também ajuda na vida pessoal do jogador?

- Acontece frequentemente e faz parte do trabalho. Se não ajudarmos o jogador a manter o foco no desporto, torna-se complicado. Tive a oportunidade de tomar um pequeno-almoço com o Guardiola em Manchester, e lembro-me de ele falar sobre a importância do poder cognitivo do jogador, como é fundamental estar bem mentalmente para tomar as melhores decisões. Se um jogador tiver problemas pessoais, o seu rendimento será afetado.

É essencial pensar no que acontece fora de campo, como os investimentos para os atletas, pois as carreiras são curtas. Os jogadores raramente têm tempo para se formar ou aprender sobre educação financeira.

- O que acontece quando um agente percebe que o seu cliente não está diante de uma boa oportunidade e quer travar o negócio?

A decisão final pertence sempre ao jogador. É ele quem terá de lidar com o frio, com a vida num condomínio fechado, etc. Mas este é um dos maiores desafios entre agentes, jogadores e as suas famílias. O dinheiro não pode ser o único fator a ser considerado.

É difícil colocar um travão em momentos como esse. Tentamos explicar que pode ser mais vantajoso para o jogador desenvolver-se antes de dar um salto demasiado grande na carreira. No entanto, devido à pressão dos amigos e da família, alguns focam-se apenas no dinheiro, o que pode comprometer o seu percurso profissional. Muitos acabam por ir cedo demais para mercados alternativos, quando tinham potencial para jogar nas grandes ligas europeias se tivessem esperado um pouco mais. Eu dou a minha opinião, mas a decisão final é sempre do jogador.

- Houve algum ponto de viragem na sua carreira?

Acho que não. Foi mais uma construção gradual e orgânica, com um crescimento estruturado. Tentamos sempre identificar jogadores de qualidade antes de uma grande transferência, embora isso nem sempre seja possível.

- Tem algum arrependimento na carreira?

- Ter confiado em clubes e pessoas que não hesitaram em puxar-me o tapete. Alguns, de mau caráter, aproveitaram-se para levar jogadores por caminhos errados. O que faz um agente ter sucesso é a sua honestidade e a capacidade de cumprir com a sua palavra.