Mais

Operação Lex: Defesa põe em causa acusação com base em SMS que Vaz das Neves diz que não recebeu

Rui Rangel é o principal arguido
Rui Rangel é o principal arguidoAntónio Pedro Santos/LUSA

A defesa do ex-presidente da Relação de Lisboa no julgamento da Operação Lex pôs esta quarta-feira em causa conclusões incriminatórias contra Vaz das Neves com base em mensagens telefónicas que a investigação não provou terem sido recebidas.

Miguel Matias, advogado de defesa do ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa Luís Vaz das Neves, insistiu que a investigação no decurso do inquérito falhou ao não ter pedido a apreensão do telemóvel deste arguido para, através de perícias, extrair as mensagens telefónicas que tinham sido enviadas e recebidas, à semelhança do que foi feito para o ex-juiz desembargador Rui Rangel, também arguido no processo.

O ex-inspetor da Polícia Judiciária (PJ) Jorge Albergaria, que participou na investigação e que continuou hoje a ser ouvido no julgamento que decorre no Tribunal Militar de Lisboa, respondeu que no decurso das investigações se considerou que “não seria importante” fazer essa diligência, que iria ocorrer com cinco anos de atraso em relação à data dos factos. As mensagens entre Vaz das Neves e Rangel relativas à alegada manipulação de distribuição de processos no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) aconteceram em 2013 e o inquérito em 2018.

Justificou ainda que na altura do inquérito Vaz das Neves já se tinha jubilado e já não teria o telemóvel de serviço na sua posse, tendo a defesa apontado que a investigação não se preocupou em confirmar se de facto já não era possível aceder ao telemóvel.

Depois de questionado por Miguel Matias se “as suspeitas de conduta delituosa” do seu cliente se baseiam “exclusivamente nas mensagens” telefónicas entre Vaz das Neves e Rangel, Jorge Albergaria confirmou: “Exclusivamente, sim”.

Em causa está, nomeadamente, a mensagem em que Rangel envia ao antigo presidente da Relação o número do processo que envolve o empresário José Veiga e o ex-futebolista João Pinto, e que viria a ser retirado do circuito normal de distribuição eletrónica – que escolhe aleatoriamente o juiz a quem o processo fica atribuído – e a qual, alegou Jorge Albergaria, se enquadra numa sequência de acontecimentos que levaram à conclusão que consta da acusação de que houve manipulação da distribuição.

Miguel Matias considerou que a conclusão não é válida por não ser possível à investigação demonstrar que Vaz das Neves recebeu a mensagem - sendo que este arguido afirmou já nunca ter recebido a referida mensagem – e questionou se não seria “um pouco leviano” concluir a investigação sobre a matéria sem esta confirmação.

As defesas questionaram ainda a testemunha sobre vários aspetos já referidos na sessão de terça-feira, pondo em causa as conclusões da investigação que apontam o advogado José Santos Martins como ‘testa-de-ferro’ de Rui Rangel para intermediar transferências e movimentos de dinheiro com origem em José Veiga.

Hoje foram ainda ouvidos o juiz conselheiro do Tribunal de Contas António Martins e o juiz desembargador jubilado João Carrola.

António Martins foi desembargador da Relação e integrou no período em que lá esteve o coletivo de juízes que incluía também a ex-desembargadora e arguida no processo Fátima Galante, afirmando hoje em julgamento só ter tido conhecimento dos factos imputados aos arguidos no momento em que foi ouvido no inquérito, acrescentando desconhecer práticas de distribuição manual de processos.

João Carrola, desembargador jubilado da Relação de Lisboa que integrou a mesma secção que Rui Rangel e com quem proferiu acórdãos, disse que também só no inquérito teve conhecimento dos factos, referindo que só nessa altura, depois de confrontado, se apercebeu que alguns emails de trabalho de Rangel, através dos quais lhe eram enviados acórdãos em que ambos trabalhavam para contributos e validação, estava, por vezes, Fátima Galante também como destinatária dessa correspondência.

Admitindo “a estranheza” da situação, da qual não se apercebeu, disse que só Rangel pode explicar os motivos do envio também para Galante, mas afirmou nunca ter encontrado alterações nos acórdãos, alterando decisões a que tivesse dado previamente acordo e disse desconhecer qualquer intervenção de Fátima Galante em acórdãos que eram responsabilidade de Rui Rangel.

A sessão ficou ainda marcada por várias trocas de palavras entre defesas e o presidente do coletivo de conselheiros, José Piedade, sobre a condução dos trabalhos e os constantes pedidos para acelerar e encurtar intervenções, perguntas e respostas, com os advogados a considerarem-se prejudicados no seu trabalho. Houve ainda reparos das defesas aos constantes atrasos no início das sessões, com o presidente do coletivo a justificar com a necessidade de tempo para preparar os trabalhos.

Por despacho, José Piedade rejeitou ainda sucessivos requerimentos a pedir dispensa de presença em tribunal para arguidos e assistentes, incluindo por motivos de segredo profissional “relativo ao fabrico de bolos”, argumentando que a presença em tribunal é a regra, não a exceção.

O processo Operação Lex foi conhecido em 30 de janeiro de 2018, quando foram detidas cinco pessoas e realizadas mais de 30 buscas e teve origem numa certidão extraída do caso Operação Rota do Atlântico, que envolveu o empresário de futebol José Veiga.

A acusação do MP foi conhecida em setembro de 2020, tendo o inquérito/investigação da ‘Operação Lex’ sido efetuado pela procuradora-geral adjunta junto do STJ Maria José Morgado, centrando-se na atividade desenvolvida pelos ex-desembargadores Rui Rangel, Fátima Galante e Luis Vaz das Neves – que, segundo a acusação, utilizaram as suas funções na Relação de Lisboa para obterem vantagens indevidas, para si ou para terceiros, que dissimularam.

Em causa no processo que conta com 16 arguido estão, em geral, crimes de corrupção, abuso de poder, branqueamento de capitais e fraude fiscal, entre outros.