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Opinião: O que os treinadores de futebol da atualidade podem aprender com os seus antecessores

Pep Guardiola, treinador do Manchester City
Pep Guardiola, treinador do Manchester CityADRIAN DENNIS / AFP

A gestão no futebol parece estar sempre em evolução, à medida que as novas gerações de treinadores assumem o protagonismo com ideias inovadoras e filosofias revolucionárias. Contudo, neste ciclo constante de mudança, está a emergir um padrão entre os treinadores de elite que nem sempre é positivo.

O futebol evoluiu inegavelmente a nível físico e técnico, mas talvez os treinadores modernos ainda tenham algo a aprender com os seus antecessores.

Posto isto, o que se pode retirar do passado e quais são os problemas de base dos treinadores atuais?

Ferguson, Mourinho e Ancelotti no auge foram todos treinadores adaptáveis

Apesar de Carlo Ancelotti ter alcançado grande sucesso recentemente, o italiano já era uma figura de destaque no mundo do treino no início dos anos 2000.

Com um certo Pep Guardiola a começar a dar nas vistas, Sir Alex Ferguson, José Mourinho e Ancelotti viam-se ameaçados por uma nova filosofia futebolística que estava prestes a revolucionar o jogo.

No entanto, como grandes treinadores que eram, não deitaram fora os seus manuais nem tentaram copiar o estilo de Guardiola. Preferiram fazer pequenos ajustes numa fórmula já vencedora, evitando assim a estagnação.

Por exemplo, Ferguson liderava um clube como o Manchester United, com um ADN de futebol ofensivo numa liga conhecida pelo seu estilo direto. Por isso, praticava um futebol que agradava aos adeptos e, ao mesmo tempo, tinha em conta o tipo de adversário que enfrentava.

Ferguson utilizava as suas capacidades únicas de gestão de grupo para tirar o máximo de cada jogador, independentemente do seu talento ou limitações. Não tinha receio de apostar nos jovens e, acima de tudo, adaptava-se de jogo para jogo e de época para época. Era um verdadeiro pragmático.

Quando percebia que o futebol estava a evoluir, não hesitava em ajustar a sua formação ou as suas táticas e, ao menor sinal de estagnação do plantel, não perdia tempo a reconstruí-lo.

Ferguson ficou também conhecido pelas substituições decisivas, muitas vezes determinantes para a vitória. Os grandes treinadores não mudam apenas após um mau resultado. Procuram, antes de mais, evitá-lo.

Ancelotti, por sua vez, sempre demonstrou grande capacidade de adaptação. É verdade que tem uma formação e um estilo preferidos, mas não é teimoso só por teimosia. O italiano não conquistou títulos em vários países mantendo sempre o mesmo modelo rígido.

Adapta-se consoante o plantel e a Liga em que trabalha, pois sabe que não se pode jogar da mesma forma em Itália e em Espanha, tal como não se pode esperar o mesmo dos jogadores do Everton e dos Galácticos do Real Madrid.

Depois há Mourinho, e pode pensar-se: "Mas ele não tinha apenas um estilo muito eficaz que funcionou numa era de futebol completamente diferente da atual?"

A resposta é, na verdade, não.

José Mourinho alterou a sua formação durante a sua primeira passagem de enorme sucesso pelo Chelsea, ainda na época 2004/05.

Estes treinadores lendários tinham cada um a sua filosofia e táticas, mas o que partilhavam era igualmente fundamental para o sucesso. Ser excelente na gestão de pessoas é uma das qualidades que distingue um treinador de topo.

Mostraram-se também adaptáveis em todos os aspetos do treino e não tinham receio de admitir quando algo não funcionava. Mudavam. Evoluíam.

Treinadores de sucesso em 2025 continuam a ser adaptáveis

Nos últimos 20 anos, o futebol sofreu mudanças profundas. O jogo tornou-se muito mais tático e orientado por dados, e tanto treinadores como jogadores são hoje muito mais profissionais, dentro e fora de campo.

Guardiola passou de aspirante ao trono no início dos anos 2000 a rei do universo dos treinadores na atualidade. Tanto assim é que uma vaga de jovens treinadores não só se inspirou nele, como, em muitos casos, copiou à risca o seu estilo.

Isso revelou-se eficaz (na maioria dos casos) até há pouco tempo, quando o futebol sofreu mais uma evolução.

Recentemente, assistiu-se a uma mudança para um estilo de jogo mais direto em toda a Europa, e os treinadores que perceberam isso e adaptaram-se colheram os frutos. Outros mantiveram-se teimosamente fiéis aos seus princípios (ou aos de Guardiola).

Os treinadores que perceberam que o futebol está a tornar-se mais físico, mais direto e menos mecânico são os que têm tido sucesso.

Luis Enrique e Mikel Arteta destacam-se como dois treinadores tradicionalmente influenciados por Pep, que souberam adaptar-se às novas circunstâncias.

O PSG de Luis Enrique é uma equipa muito técnica, mas foi mais letal na Liga dos Campeões na época passada quando atacou em velocidade com Ousmane Dembélé, Desire Doué e Khvicha Kvaratskhelia.

Luis Enrique é e será sempre um treinador que privilegia o sistema, e embora exija que os seus avançados trabalhem tanto sem bola como com bola, incentiva-os a ter liberdade para se expressarem em campo. Esta foi uma clara adaptação em relação ao seu estilo anteriormente mais rígido.

Mikel Arteta, de forma ligeiramente diferente, percebeu a importância da altura e do físico numa Premier League cada vez mais exigente nesse aspeto.

Assim, o espanhol reforçou a linha defensiva do Arsenal com jogadores altos e fortes, afastou-se dos laterais invertidos ao estilo de Oleksandr Zinchenko e alterou as suas táticas para jogar de forma mais direta, servindo o seu novo ponta de lança moderno, Viktor Gyokeres.

Na verdade, esta tem sido uma tendência comum em várias equipas da Premier League.

Curiosamente, o próprio Guardiola percebeu esta mudança e alterou o seu estilo de forma bastante significativa em relação ao que sempre foi o "Guardiola-ball". Começou a dar prioridade às qualidades de Erling Haaland, pedindo aos seus jogadores para apostarem mais em bolas longas nas costas da defesa, deixando depois o norueguês fazer a diferença.

Clones de Pep – uma nova vaga de treinadores falha na adaptação

No entanto, nem todos os treinadores principais estão dispostos a adaptar-se, e isso está a travar o seu progresso. O nome de Ruben Amorim surge como exemplo de um treinador tão preso às suas ideias que recusa abertamente mudar.

O jogo mais recente do Manchester United frente ao Sunderland pode ter sido um sinal de que finalmente está a ajustar o seu sistema, mas já era evidente há algum tempo.

Ninguém lhe pede para deitar fora toda a sua filosofia, mas adaptar-se a uma nova Liga parece óbvio. E a resposta de Amorim aos jornalistas que lhe perguntaram se iria adaptar-se?

"Não. Nem o Papa me faz mudar."

A teimosia pode ser elogiada por alguns, mas no mundo particular da gestão futebolística, parece ser um erro.

Veja-se o caso de Russell Martin, um treinador moderno teimoso que insiste em sair a jogar desde trás e tenta praticar um futebol bonito com um grupo de jogadores tecnicamente limitados.

Foi um estilo que permitiu ao Southampton subir de divisão porque não foi castigado por jogadores de qualidade da Premier League nem pressionado por sistemas de topo.

Quando chegaram à divisão principal e Martin recusou mudar a abordagem frente a equipas como o Liverpool e o Manchester City, a sua equipa foi exposta e castigada de forma implacável.

Se foi pura arrogância ou ingenuidade, é difícil saber. Mas uma coisa é certa: esta abordagem de imitação na gestão tem de acabar.

E se não for capaz disso, pelo menos perceba que o treinador que tenta copiar já adaptou o seu próprio estilo.

Outro suposto treinador de elite que corre o risco de se meter em apuros se não se adaptar rapidamente é Hansi Flick. A sua linha defensiva extremamente subida é emocionante de ver e foi, em grande parte, eficaz na época passada.

Tal como Luis Enrique, Flick foi inteligente ao devolver o individualismo a um desporto que se estava a tornar mecânico. Deu liberdade a Raphinha e Lamine Yamal para se exprimirem no último terço, com uma abordagem alta e aberta, recorrendo ao fora de jogo e a um guarda-redes líbero com grande eficácia.

Não foi, contudo, um sistema perfeito, e resultou em muitos jogos com muitos golos; o Barcelona tinha simplesmente o dom de marcar mais do que o adversário. Esta época, porém, as equipas já perceberam o sistema de Flick e estão a explorar a sua linha alta repetidamente.

Os dois últimos jogos frente ao PSG e ao Sevilha devem preocupar os adeptos do Barcelona. Os catalães tiveram sorte em sair apenas com uma derrota por 2-1 frente a um PSG dizimado por lesões na Liga dos Campeões, antes de serem humilhados pelo Sevilha por 4-1 na LaLiga poucos dias depois.

Flick tem de alterar o seu sistema rapidamente ou arrisca-se a ver a sua segunda época terminar de forma semelhante ao que aconteceu no Bayern Munique no passado.

Porque, por muito que o futebol tenha evoluído, exemplos do passado e do presente mostram-nos que adaptar-se nunca é negativo. Na verdade, os melhores treinadores são aqueles que têm coragem de ajustar uma fórmula que já lhes deu sucesso.

O futebol está sempre a mudar e, se não acompanhar os tempos, rapidamente se torna uma figura do passado.

O segredo é manter-se relevante hoje, amanhã e daqui a uma década. Poucos o conseguiram, mas quem o fez ficou imortalizado como um grande treinador.