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Pinto da Costa: "Treinador? Se correr mal, não é a direção que fica vinculada, sou eu"

A segunda parte do programa vai para o ar esta terça-feira à noite
A segunda parte do programa vai para o ar esta terça-feira à noiteFacebook/FC Porto
Na primeira parte do programa "Os Homens do Presidente", emitida esta segunda-feira pelo Porto Canal, Pinto da Costa falou dos treinadores com que se cruzou durante a sua presidência, abordou a final de Viena e explicou a contratação de Pedroto.

Escolher o treinador é a decisão mais importante? "Sem dúvida. A escolha do treinador vai ter uma influência na vida do clube através do que for o futebol, porque o FC Porto é, em primeiro lugar, um clube de futebol, tem-no no nome. Se escolhermos bem, o sucesso é mais fácil. Se escolhermos mal, o insucesso está à porta. Nunca escolho sozinho, ouço sempre a opinião de todos sobre vários nomes. A única coisa combinada com todos os que convido para a direção é que a última decisão é minha, porque assim sou eu que assumo a responsabilidade. Se correr mal, não é a direção que fica vinculada, sou eu. Se correr bem, estamos todos vinculados, porque a maioria das vezes a opinião de quem consulto coincide com a minha escolha".

Pedroto: "Naquela altura, eu conhecia o Pedroto dos tempos de jogador. Foi, na altura, a transferência mais cara do futebol português. Custou 400 contos, que era muito dinheiro. Ele tinha um café, o Apolo, perto da nossa sede. Ele estava sempre lá, a jogar o seu dominó, e eu vinha muito à sede, porque tinha as secções e parava muitas vezes no Apolo. O meu falecido irmão, o José Eduardo, tinha o consultório por cima do café Apolo. Encontrávamo-nos muitas vezes, cheguei a jogar dominó com ele e mantivemos uma relação. Gostávamos muito de falar sobre futebol, ele era um livro aberto e também gostava de ouvir as minhas opiniões. E dá-se outro facto curioso: antes de vir para o FC Porto, o Pedroto vai para o Boavista. Num jantar em minha casa, onde estava também o sr. José António Pinto de Sousa, estivemos a falar de futebol até às quatro da manhã e o Pinto de Sousa ficou encantado com ele. Disse logo que queria levá-lo para o Boavista, mas ele já tinha compromisso com o V. Setúbal. Vou fazer este ano em Setúbal e se daqui a um ano estiver interessado que venha para o Boavista, se não for para o FC Porto, venho para o Boavista, respondeu Pedroto".

Contratação de Pedroto: "Entretanto, ele está no Boavista, o FC Porto está num período mau e fui convidado para diretor de futebol, no segundo mandato de Américo de Sá. Pus várias condições, uma delas era ser eu a escolher o treinador. Quando escolhi, disse que era o Pedroto, que teve uma reunião com alguns diretores de então, mas não gostou da maneira como o trataram e disse que não ia. Eu expliquei que não souberam conquistá-lo, porque antes de ele ter dito que sim, já lhe estavam a querer impor a equipa de adjuntos. Ficou sem efeito. Dois anos depois, as coisas estavam a correr mal e o falecido Américo de Sá visitou-me para me convencer e tomar conta do futebol. Já sabia que se dissesse que sim o meu treinador seria Pedroto. Foi a 28 de janeiro, no Orfeu, em que estava um grupo de boavisteiros e em que toda a gente gozava comigo, porque o FC Porto estava em sexto e o Boavista a disputar o campeonato com o Benfica. Aquilo deu-me tanta comichão que me levantei e disse ao professor Hernâni Gonçalves: Fixe esta frase, largos dias têm cem anos. E no dia seguinte telefonei a Américo de Sá, a quem na véspera tinha dito que não, perguntando: Doutor, o convite de ontem ainda é válido? Ao que ele respondeu: Está a brincar comigo? É claro que sim. Podemos encontrar-nos no Capa Negra? O major Valentim Loureiro dizia que enquanto estivesse no Boavista, o Pedroto nunca iria para o FC Porto, que o clube não tinha categoria para o Pedroto... 'Disse que estou disponível se o Pedroto for o treinador e se a escolha dos jogadores for feita por ele.' A 29 de janeiro fui a casa do Pedroto, expliquei a situação, ele comprometeu-se e, passado uns dias, no máximo segredo, assinou contrato em minha casa, em Mindelo, na presença de Américo de Sá e Alfredo Basto, que era o tesoureiro".

Ligação com Pedroto: "Eu conhecia-o, como disse, ainda ele jogava. Foi treinador dos juniores, foi o primeiro campeão europeu de seleções, acompanhei essa carreira e como amigo, sem pensar que iríamos estar juntos um dia. Adorava ouvi-lo falar de futebol, estava adiantado 50 anos. A coerência, maneira de ser... Não tinha medo de nada e ia em frente até conseguir os objetivos. Ele achava que iríamos fazer uma boa dupla, houve vontade dos dois e do presidente. Conseguimos vencer dois campeonatos, uma ou duas Taças... Eliminámos o Manchester United, fizemos exibições fantásticas. Foi um bom período e justificou-se a confiança depositada num grande treinador, estratega e condutor de homens. Pedroto não tinha o discurso que tinha para me agradar ou porque eu o defendia. Tinha-o por convicção. Os ideais dele em termos de região, de combater o centralismo de Lisboa. Não porque a cidade seja feia ou porque os lisboetas sejam maus, mas os piores são os que vêm de fora e instalam-se lá. Ainda hoje defendo esses princípios por convicção, não é para agradar. Até porque só tenho arranjado problemas com isso".

Conversas: "Falávamos sobre futebol e o estado das nossas convicções em termos de país e cidade. O Pedroto era um homem super inteligente, era um prazer falar com ele. Nunca fui homem de me deitar muito cedo e ele também não. Lembro-me que a Cecília Pedroto acendia as luzes de vez em quando, para lembrar que ainda estava em casa, mas nós lá ficávamos".

Artur Jorge: "Conheci o Artur Jorge era ele júnior do FC Porto. Tínhamos alguma relação de simpatia. Eu era um apreciador da maneira de ele jogar. Reconhecia que a forma que o Artur Jorge tinha de ver o futebol tinha de resultar, mediante condições e apoio. Tinha conhecimentos dos métodos do Pedroto, porque tinha estado como adjunto em Guimarães. Tinha a escola dele. Quando disse ao Pedroto, que já estava doente, ele achou que era uma boa escolha. Fui a Lisboa, fui almoçar com o Artur Jorge num restaurante chinês próximo do Hotel Altis. Contou-me histórias do que tinha passado no Portimonense e eu disse: Quero que para o ano seja treinador do FC Porto. E ele perguntou: Então e o senhor tem coragem de me convidar depois de eu ter descido o Portimonense? Respondi: Tenho, a não ser que não tenha coragem para vir. Mas não é para ir para o FC Porto por ir. É para ganhar. Ao que ele disse: Vamos ganhar. E veio convicto de que iria ganhar. E assim foi, foi o primeiro treinador português campeão europeu".

Conversas: "90% das conversas com Pedroto eram sobre futebol. O Artur Jorge gostava de falar de literatura, de música. E eu também gostava. Claro que também falávamos de futebol e do FC Porto, mas não era como Pedroto, que era obcecado pelo futebol. O intelecto de Artur Jorge não estava totalmente virado para o futebol. Artur Jorge tinha ideias e conceitos diferentes de Pedroto".

Jogadores: "No tempo de Pedroto, o FC Porto jogava muito bem, mas não tinha jogadores como teve o Artur Jorge, a começar pelo guarda-redes. O Mlynarczyk foi dos melhores guarda-redes que passaram pelo clube. Teve o Madjer, o jogador mais completo do FC Porto. O Gomes no expoente máximo. Com jogadores desse valor, mais necessário é ter jogadores com personalidade para pegar numa equipa".

Final de Viena: "Por vezes, o Artur Jorge era tímido, sabia preparar a equipa, mas, por exemplo, fomos à Dinamarca jogar com o Brondby, lembro-me de que ele estava, não digo como vencido, mas sem aquela garra, e até fui eu que tive de motivá-lo, fui eu que falei com a equipa na noite da véspera do jogo. E quando fomos para Viena, em 1987, houve um jogador que de manhã foi para a sauna. E ele disse: Este gajo já não vai jogar. Ao que eu disse: Artur, vamos ter calma. Se calhar ir lá até lhe fez bem. Nós estamos aqui para ser campeões, viemos armados em cordeirinhos para a matança, mas vamos ganhar. Não vamos estragar o nosso grande objetivo por causa da sauna. Ou somos campeões europeus hoje, ou nunca mais somos. Vamos ficar na história do futebol. Ser campeão contra um monstro, como era o Bayern, era para a história. E aí ele ficou convencido e acho que o que disse ao intervalo foi fruto dessa convicção. E a nossa segunda parte foi de quem está louco para conquistar a vitória".

Tomislav Ivic: "O Artur Jorge ainda tinha contrato quando saiu, mas estava numa situação muito delicada, que eu, como amigo, compreendi. A mulher dele estava muito doente. Não convivia com ninguém praticamente e disse-me que o sonho dela era morrer em Paris. Ele tinha a possibilidade de ir para o Matra Racing. Eu sabia que tudo, era verdade, e deixei-o sair sem qualquer indemnização, porque compreendi o problema terrível da vida dele. E entendi que tinha de mudar um pouco o esquema. Se viesse um treinador da escola Pedroto e Artur Jorge, seria sempre comparado. A comparação, fosse quem fosse, seria sempre negativa. Fazer melhor do que os dois era impossível. Resolvi procurar um treinador com prestígio, com noção do futebol para ganhar. Conheci o Ivic, conversei com ele, almoçámos em Genebra, fiquei encantado. Fizemos logo táticas nos guardanapos, comecei logo a desenhar. Ele estava tão convicto, mostrou-se logo entusiasmado e nesse dia ficou assente que seria ele o próximo treinador. Assinámos contrato passado uns dias. Vencemos o campeonato com 15 pontos de avanço, ganhou a Taça Intercontinental e a Supertaça Europeia. Ficou marcado pelos êxitos na história do FC Porto. Uma pessoa fantástica".

Frase: "Em qualquer momento, só pensava em futebol. Ele tinha uma frase muito engraçada em dias de jogo. Perguntavam-lhe: Então míster, como está? E ele respondia: Como um treinador em dia de futebol".

Supertaça europeia sem Madjer: "Íamos jogar com o Ajax na Supertaça, uma equipa poderosíssima, e ele a dizer: Vamos ganhar. Eles contam com o Madjer e não vai haver Madjer. Vai por ali o Rui (Barros), a vir de trás como uma lebre. E aconteceu exatamente como ele disse. Não perceberam que não havia ponta de lança e o Rui isolou-se três vezes, fazendo golo numa delas. Ivic tinha outro estilo, outra nacionalidade, mas ganhou".

Quinito: "O Quinito sentiu a pressão. Tinha feito um campeonato sensacional com o Espinho, mas não aguentou a pressão. Recordo-me de que fui com ele ver um jogo quando íamos jogar com o PSV e no final do jogo eu a dizer-lhe que o jogo passava todo pelo Koeman. E ele: Não sou treinador de marcações, o FC Porto tem de se impor. Ora, o Koeman ficou à solta e levámos 5-0. Ainda no balneário, ele disse: Presidente, tinha razão e eu demito-me. Eu não aceitei, disse que ele tinha de ganhar, mas ele não aguentou a pressão. Telefonou-me a dizer que não aguentava e não apareceu. Agora, como ser humano, o Quinito é uma pessoa excecional".

Carlos Alberto Silva: "Conhecia-o e às vezes falava com ele. Quando lhe perguntei se queria vir para o FC Porto, ele disse que estava no Corinthians. Disse: Se me desvincular do Corinthians, quero ir. Veio, foi uma surpresa, mas colhi ótimas informações sobre ele em termos de trabalho e ambição. Foi um treinador interessante, sui generis, que gostava de agitar as coisas. Gostava de sentir o ambiente. O que é certo é que criava esse ambiente hostil e ganhava. Aproveitava para motivar a equipa, dizia aos jogadores que estava tudo contra eles. Era engraçado, uma pessoa excelente e teve êxito. Infelizmente já faleceu".

Bobby Robson: "Eu conhecia o Robson de nos cumprimentarmos antes dos jogos com o Sporting. Ele foi despedido do Sporting no avião. Os sócios estavam a pressionar. O presidente chegou ao microfone, pediu desculpa aos sócios e disse que o treinador estava despedido. O Mourinho, que vinha ao lado dele, disse: Míster, acaba de ser despedido. E estava em primeiro no campeonato. Eu, que era um admirador dele, fui ter com ele. Fomos a Lisboa, deram-nos a morada dele, andámos perdidos lá por Monsanto, mas chegámos, entrámos e vejo o homem a fazer as malas. Pensei: Isto está a correr mal, o homem vai-se embora. Eu disse: Míster, quero que venha para o FC Porto. E ele: Não. Portugal não. São loucos. Então, ele ligou para a mulher e explicou a situação, disse que o FC Porto era diferente, mas ela dizia que não. Tanto conversámos que ele percebeu: Tem de mostrar ao Sporting em particular que é um grande treinador. Deixou as malas em Lisboa, veio para cima e, no dia seguinte, assinou pelo FC Porto. Foi duas vezes campeão, festejou um dos campeonatos em Alvalade. Eu disse: Quem tinha razão? Numa altura em que estávamos os dois sozinhos, ele começou a falar português comigo. E eu: Ó míster, afinal o senhor fala português. E a dada altura ele até comentou: Vou tomar uma bica. E eu: Fale português, é café, não é bica. As outras pessoas achavam que ele, realmente, não falava nada. Era muito conhecedor de futebol, fazia treinos fantásticos, motivava. Foi uma pena ter partido tão cedo, com uma doença terrível. Ele teve um cancro na face, foi terrível, e voltou. Eu ia todos os meses visitá-lo a Londres e ele dizia, ao início, que tinha acabado. Mas depois percebeu que não, ainda voltaria ao FC Porto. Foi diretamente comigo de Londres para lá, esteve com a equipa e acabou a época".

Mudanças: "Mudou muita coisa, nomeadamente os relvados, que queria sempre impecáveis. Para dançar não pode ter um chão com buracos".

António Oliveira: "O Oliveira começou a jogar nos juniores como defesa esquerdo. Depois, tinha tanto talento que foi subindo para os lugares onde era necessário ter outra visão de jogo, como ele tinha. Foi fabuloso, um jogador extravagante, irreverente e com um talento fantástico. Mesmo como jogador, eu sentia que ele, dentro de campo, era um prolongamento do Pedroto. E eu lembro-me de ouvir o Pedroto dizer: Este miúdo vai ser um grande treinador. Entretanto, ele seguiu a sua vida, foi selecionador nacional, o Robson saiu para ir para o Barcelona e eu disse: Se temos um indivíduo da casa a fazer um bom trabalho... Quando fui ver um dos jogos da Seleção, disse-lhe: Tem contrato para o ano? Não assine por ninguém sem falar comigo. Fomos almoçar, disse-lhe que o Robson ia sair - ninguém sabia - e disse que o queria como sucessor. Disse-lhe que estávamos à porta de algo histórico, que era vencer o tri. E ele: Presidente, vamos para a frente. Vencemos o tri, depois o tetra e ele seguiu a vida dele. Foi o homem que alcançou o tal tri que tanto sonhámos e abriu as portas para o penta, uma vez que ganhou o tetra".

Qualidades: "O Oliveira tinha uma grande intuição para alterar não só as substituições, mas também o próprio jogo. Não vou dizer que ele foi um dos grandes treinadores que conheci a treinar, porque aí conheci três: o Pedroto, o Robson e o Sérgio Conceição. Não era mau, mas não era aquilo que se possa chamar fantástico. Mas nasceu para o jogo. Na visão de jogo, substituições, tática, era top."