Reportagem Flashscore: Uma estátua a Maradona em plena República Checa

Fotografia lendária de Diego Maradona após o triunfo na final do Mundial 1986.
Fotografia lendária de Diego Maradona após o triunfo na final do Mundial 1986.ČTK / AP / CARLO FUMAGALLI

Génio problemático. Provavelmente, ninguém no mundo do futebol encaixa melhor nesta descrição do que Diego Maradona. Nestes dias, assinalam-se exatamente cinco anos desde a sua partida terrena. As memórias do divino Diego foram partilhadas numa conversa com o eFotbal pelo amante do futebol argentino Miloslav Urbanec, conhecido como Čurby. Um homem que tem até uma estátua de Maradona em casa.

A paixão pelos Albiceleste despertou nele pela primeira vez aos quatro anos, durante o Mundial-1978. Mario Kempes, Daniel Passarella e todos aqueles craques que acabaram por se tornar campeões do mundo. Além disso, todos pareciam índios. Foi sobretudo por isso que me apaixonei por eles,” recorda Urbanec.

O amor pela terra do tango nunca o abandonou, nem mesmo em adulto. Prova disso é o aspeto da sua casa de família em Bukovka, cuja fachada faz lembrar a bandeira argentina. “Quando venho para casa vindo de Bohdanče e vejo, na nossa parede, o sol de três metros a brilhar em qualquer tempo, sinto sempre uma alegria e uma paz enormes,” elogia.

Acho que devemos fazer tudo com intensidade. E isso inclui ser adepto. Na verdade, não percebo porque é que nem toda a gente expressa assim o seu apoio ao clube do coração” diz o apaixonado de Bukovka.

Final do Catar

Urbanec dá força a estas palavras com as suas frequentes viagens para apoiar a seleção sul-americana favorita. Não podia faltar àquele que já é o lendário final do Mundial no Catar, onde pôde celebrar o terceiro título mundial da amada Argentina. “Durante os penáltis, estava em total transe. Nem sequer percebi, no momento em que Gonzalo Montiel marcou o décimo, que era o golo da vitória! Só me apercebi quando todos à minha volta começaram a festejar,” relembra a noite de dezembro.

Com lágrimas de felicidade, sentei-me e durante duas horas fiquei a ver os jogadores a dançar no relvado com os filhos. Até hoje sou incrivelmente grato por esses momentos” descreve os seus sentimentos.

É precisamente aos campeonatos do mundo que se liga o primeiro momento em que este adepto do futebol sul-americano viu pela primeira vez o seu futuro ídolo. “Vi Maradona pela primeira vez no Mundial em Espanha, em 1982. Acho que foi aí que ele recebeu um cartão vermelho. De vez em quando, era possível ver o Barcelona na televisão, nos jogos das competições europeias, onde jogou dois anos. De resto, quase não se escrevia sobre ele aqui. Não dá para comparar com os tempos de hoje, em que podemos ver, por exemplo, o meu Arsenal preferido duas vezes por semana, com o que se passava no socialismo,” sublinha Urbanec.

A mão de Deus perdoada

O verdadeiro fascínio pelo rapaz da pobre Villa Fiorito surgiu quatro anos depois, no México. “Devorei todos os jogos do campeonato. E sempre que Diego entrava em campo, era uma explosão de futebol puro. O que ele fazia aos adversários era inacreditável” sorri.

Admite, no entanto, que até a sua alma de criança foi profundamente afetada, por alguns momentos, pelo famoso escândalo da mão de Deus. “Claro que, sendo uma criança que adorava o Winnetou, fiquei triste com aquilo, porque o fair play é para mim, até hoje, algo fundamental. Cheguei mesmo a conseguir odiá-lo naquele momento. Mas, poucos minutos depois, marcou o golo do século no mesmo jogo e esqueci tudo” acena com a cabeça em sinal de reconhecimento.

Com o tempo, Urbanec acabou por compreender até a mão de Deus. “É preciso perceber o quão tensas eram as relações entre os dois países por causa da guerra das Malvinas (Falkland). Muitos jovens argentinos morreram nessa guerra. E para o país inteiro, ainda hoje, é um grande trauma. Não consigo imaginar que algum dos seus colegas de equipa admitisse aquela mão,” explica o contexto histórico.

O jogo dos quartos de final contra a Inglaterra simboliza quase na perfeição toda a carreira de Maradona. “Acho que, sobretudo, o que viveu em Nápoles levou-o tanto ao céu absoluto como ao inferno,” reflete. “Ninguém de nós consegue imaginar a pressão que ele sentiu. E não só das pessoas comuns ou dos adeptos, mas também dos rapazes da máfia local, que, sobretudo no fim da sua passagem, o levavam para as suas festas como se fosse um urso amestrado. Mas, dentro de campo, apesar de tudo, continuava a ser um fenómeno,” recorda Urbanec.

A estátua de Maradona e o estádio do Boca Juniors

A conversa volta então à sua colorida residência. No jardim, há outro destaque – uma estátua em tamanho superior ao real do mítico número dez. “Se é para erguer uma estátua a alguém, quem melhor? Para mim, investir em coisas destas tem muito mais valor do que, por exemplo, comprar carros novos” partilha a sua opinião.

Estátua de Diego Maradona no jardim de Miroslav Urbanec.
Estátua de Diego Maradona no jardim de Miroslav Urbanec.Miroslav Urbanec

A terceira raridade no terreno deste adepto é um campo de futebol que replica o lendário estádio La Bombonera, casa do famoso Boca Juniors, clube ao qual o génio argentino também está ligado. “Naquele sítio havia um pântano. Quando disse à minha mulher que ia construir ali um campo de futebol, ela achou que eu estava louco. Mas simplesmente construí,” ri-se Urbanec.

Depois, enumera algumas das lendas do clube latino cujos nomes figuram nos painéis do seu campo: Carlos Tevez, Martin Palermo, o atual diretor do Boca Juan Román Riquelme e, claro, Maradona,” não deixa de fora o jogador mais próximo do seu coração.

Tristeza em toda a família

Recebeu a notícia da morte de Maradona há cinco anos, através dos seus amigos argentinos, antes mesmo de os meios de comunicação checos começarem a noticiar. “Não foi só para mim, mas para toda a nossa família, um dia terrivelmente triste. Até o meu filho mais velho chorou, e ele normalmente torce pelo Brasil. Isso diz tudo sobre o que ele representava para nós. Felizmente, no dia seguinte, o nosso filho mais novo fez anos, o que nos ajudou a superar a tristeza mais rapidamente,” recorda.

Casa de Miroslav Urbanec vista do exterior.
Casa de Miroslav Urbanec vista do exterior.Miroslav Urbanec

Para assinalar o aniversário redondo da morte de Maradona, Urbanec acendeu uma vela junto à estátua do jogador. “Penso nele constantemente. Sempre que vejo alguém a simular em campo, penso que todos esses rapazes deviam ver como era o futebol no tempo do Diego. O rumo que o futebol tomou nesse aspeto deixa-me muito desiludido,” acrescenta, com amargura na voz.

“Nos jogos, batiam-lhe de forma inacreditavelmente dura. Mas as faltas sobre ele quase nunca eram assinaladas. E isso porque ele se levantava sempre de imediato e continuava a correr, como um robocop. É também por esta característica que o considero uma lenda absoluta,” conclui Urbanec a entrevista.