Sábados e domingos à tarde, no norte do país, o frio corta, a relva brilha e respira-se futebol. Este é o distrital da Associação de Futebol do Porto: quatro divisões, dezenas de clubes e milhares de jogadores que vivem o jogo por amor.
Da Hyundai Liga Pro até à 1.ª Divisão, o futebol distrital é o pulso do desporto português. Nesta reportagem Flashscore, damos voz a quatro jogadores, quatro realidades diferentes, mas o mesmo coração.
"No futebol é preciso ser resiliente, aceitar a crítica, ser autocrítico"
No topo do futebol distrital está a Hyundai Liga Pro. Aqui, o nível aproxima-se cada vez mais do futebol nacional. Os clubes treinam praticamente todos os dias, e Rui Pedro, jogador do Lousada, confessa que tem todas as condições para praticar bom futebol.
"Sim, é verdade. Falamos da principal divisão de futebol da AF Porto. Na minha opinião, é uma competição que exige um conhecimento profundo do jogo e do próprio futebol. É uma divisão muito competitiva e, acima de tudo, exigente. Esse nível de exigência faz com que as equipas precisem de treinar com uma frequência considerável, mesmo tratando-se de jogadores que não são profissionais", descreve o médio.
"Costumo dizer que me considero um semiprofissional, no sentido em que treino quatro vezes por semana, mais o jogo ao fim de semana. Ou seja, estamos a falar de cinco dias de futebol em sete, o que é bastante significativo. São números simpáticos para quem não vive do futebol. Tem de existir paixão pelo jogo, porque, sem essa motivação, seria impossível manter este ritmo", acrescenta.

O futuro, a Deus pertence. Por agora, Rui Pedro sente-se confortável na divisão onde atua e demonstra uma visão madura sobre o futebol e o seu percurso.
"Sendo sincero, se me fizessem esta pergunta há dez anos, responderia facilmente que gostaria de ser jogador profissional. Hoje, olhando para a fase da minha carreira e até para a minha idade, encaro o futebol de forma totalmente diferente. Tenho uma ideia mais amadurecida do que é o jogo, porque o futebol não são apenas onze jogadores a correr atrás de uma bola. Envolve muito mais. Não basta ter qualidade. É preciso ser resiliente, aceitar a crítica, ser autocrítico. Há muitos fatores que nem sempre é possível reunir numa só pessoa, e é isso que distingue quem chega ao topo de quem fica pelo caminho", analisa.
Com o passar dos anos, a paixão manteve-se, mas o objetivo mudou.
"Hoje, o futebol é, acima de tudo, um espaço onde me sinto bem e onde quero usufruir do tempo que ainda tenho para jogar. Gosto da competição, daquele nervosismo antes dos jogos, das relações que se criam com colegas e treinadores ao longo dos anos. Tudo isso traz uma bagagem de crescimento pessoal e interpessoal muito importante", anota.
"O futebol é a minha paixão, algo que me faz sentir bem. Quero aproveitar cada momento enquanto puder. Se surgirem oportunidades para evoluir, vou analisá-las, mas neste momento não olho para o futebol como uma continuidade de carreira. Vejo-o como aquilo que sempre foi: uma paixão que me acompanha e me realiza", sublinha.
"O Freamunde é um clube profissional no distrital"
Logo abaixo da Hyundai Liga Pro está a Divisão de Elite, um campeonato onde se cruzam veteranos experientes e jovens à procura de espaço. O Sport Clube Freamunde é um dos clubes mais emblemáticos dessa realidade: histórico, habituado a outros palcos, mas que desceu ao inferno das distritais. Agora, tenta regressar, passo a passo, escalando de novo a montanha.
João Figueiredo veste a camisola do Freamunde e é treinado por Antunes, antigo internacional português, campeão pelo Sporting Clube de Portugal e com passagens por clubes como a AS Roma. O jogador fala-nos do peso e do orgulho de representar o Freamunde neste contexto.
"Falamos muitas vezes que representar esta estrela ao peito não é para qualquer jogador. A massa associativa é incrível, tanto em casa como fora. Para o momento que o clube vive, a presença e o apoio dos adeptos são incomparáveis. Costumo dizer que o Freamunde é um clube profissional no distrital", defende o médio.
"Para qualquer jogador, jogar no Freamunde é motivo de orgulho e reconhecimento. Sabemos que é um clube com história nas competições nacionais e profissionais, e por isso, mesmo estando num contexto distrital, sentimos um peso diferente ao representar estas cores. Basta olhar para a exigência dos adeptos. Percebem-se as expectativas, o contentamento ou o descontentamento. Estão habituados a outros patamares, e nós, jogadores, sentimos a responsabilidade de devolver o clube ao nível a que pertence. É um peso extra, sim, mas é um peso com muito orgulho", confidencia.

Antunes é o homem do leme. Depois de uma carreira de topo, habituado a outros palcos, outros estádios e outro luxo, o antigo internacional português abraçou o desafio de liderar o Freamunde nas distritais. A experiência e o carisma do técnico rapidamente conquistaram o balneário.
João Figueiredo sublinha a importância de ter um treinador com o percurso de Antunes.
"Sem dúvida que, quando vemos alguém com o currículo do mister a chegar para nos liderar, é um motivo de orgulho enorme. Todos gostaríamos de fazer metade, ou até um quarto, da carreira que ele fez. Mais do que qualquer tática, o que o Mister mais nos transmite é a parte humana: o caráter, a forma de estar em campo e a maneira como nos motiva", apresenta.
“O facto de ter sido jogador faz com que consiga cativar-nos de forma diferente. A comunicação é mais próxima, mais natural. Nos treinos, nota-se uma visão de quem entende o jogo por dentro, seja na ocupação de espaços, nos apoios ou na leitura das jogadas. Isso torna tudo mais fácil de compreender e serve de verdadeiro gatilho motivacional para nos tornarmos melhores jogadores", sustenta.
"A comunicação do mister é muito franca e direta, tanto nos treinos como nos jogos. E nós sentimos isso. Existe uma abertura grande entre a equipa técnica e os jogadores. Entre todas as suas qualidades, o que mais destaca é mesmo o lado humano. É isso que nos inspira e nos faz querer dar sempre mais", conclui.
"Futebol distrital também precisa de valorização e reconhecimento"
A Divisão de Honra é o coração do futebol distrital. Aqui cruzam-se histórias de quem sonha subir e de quem apenas quer continuar a jogar. Nos relvados sintéticos e nos cafés ao lado dos campos, o futebol é mais conversa, mais paixão, mais autenticidade. É o jogo pelo jogo, o equilíbrio entre a vida real e o sonho que ainda não morreu.
Jorge Silva, jogador do Barrosas, partilha a sua experiência neste escalão da Associação de Futebol do Porto.
"Antes de mais, gostava de agradecer a iniciativa de promover o futebol distrital nestas plataformas que normalmente só olham para o futebol de topo, nacional e internacional. Isto merece destaque, porque o futebol distrital também precisa de valorização e reconhecimento", enaltece o defesa.

“Relativamente à minha experiência na Divisão de Honra, e de forma mais ampla no futebol distrital da AF Porto, posso dizer que tem sido um percurso curioso e enriquecedor. Já tive a oportunidade de jogar nos quatro escalões da associação, o que me deu uma visão muito completa da realidade do nosso futebol", destaca.
Para muitos, o futebol distrital é sinónimo de jogos duros, de marcações cerradas e contacto físico constante. Jorge Silva confirma essa ideia.
“Sim, totalmente. O futebol nestas divisões é duro, e há muitos fatores que contribuem para isso. A componente física é enorme, os jogos são muito competitivos e intensos, com muitos contactos e ritmo elevado. E quanto mais alta é a divisão, mais se nota essa exigência. Este ano, por exemplo, o clube onde jogo tem cinco ou seis dérbis, e nesses jogos sente-se ainda mais a dureza e a rivalidade que caracterizam o futebol distrital", complementa.
"Aqui estão os jogadores que jogam verdadeiramente por amor à camisola"
No fundo da pirâmide está a 1.ª Divisão, o ponto onde tudo começa. Aqui, as equipas são formadas por amigos, vizinhos, trabalhadores e estudantes. O futebol é jogado com o coração, sem filtros nem artifícios... é o futebol na sua forma mais pura.
Bruno Ferreira, jogador da Associação Desportiva de Carvalhosa, de Paços de Ferreira, é o exemplo perfeito desse espírito. Além de jogar, trabalha e ainda assume o cargo de coordenador da secção juvenil do clube.
“Sou coordenador do departamento juvenil, jogo na equipa sénior e ainda arranjo um tempinho para trabalhar. É uma agitação constante, tenho muito pouco tempo livre, mas é algo tão desafiante quanto compensador. A paixão pelo futebol dá-me a energia para continuar", explica o médio.
“Há dias em que o corpo está cansado ou a mente não acompanha, mas é o bichinho e a paixão pelo jogo que me motivam a seguir em frente, a tentar sempre dar o melhor, seja como jogador, seja como coordenador. E depois há o privilégio de chegar ao campo e ver os miúdos felizes, a correr atrás dos sonhos. Isso faz tudo valer a pena. Todo o sacrifício é recompensado pela alegria deles", enumera.

Na opinião de Bruno Ferreira, é na 1.ª Divisão que se encontram os verdadeiros apaixonados pelo futebol.
“Penso que podemos afirmar que é na 1.ª Divisão que estão os jogadores que jogam verdadeiramente por amor à camisola. São aqueles dispostos a representar um clube sem pedir nada em troca, movidos apenas pelo gosto e pela paixão de jogar na distrital. É o jogo puro, o jogo sem interesses, que ultrapassa todas as adversidades - o ambiente de balneário, as amizades que se criam, tudo tem um valor especial", defende.
"Acho que aqui tudo tem um toque diferente. Até a bancada é especial, porque quem assiste aos jogos são os nossos amigos, as nossas famílias e os miúdos da formação. Isso é realmente incrível. Há dérbis separados por um ou dois quilómetros, a bifaninha e o fino no final do jogo... Tudo aqui tem uma magia própria. Sou muito grato por isso e espero continuar durante muito tempo", confidencia.
Da Hyundai Liga Pro à 1.ª Divisão, o futebol distrital do Porto é uma história contada em quatro capítulos. É suor, amizade, rivalidade e pertença. Não há VAR, não há milhões, mas há paixão. E é ela que mantém este jogo vivo.
Reportagem Flashscore, onde o futebol é mais do que um jogo. É, simplesmente, amor.
