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Reportagem: O difícil percurso de uma árbitra israelita transgénero

Sapir Berman durante um jogo
Sapir Berman durante um jogoJACK GUEZ / AFP
A árbitra israelita Sapir Berman sorri radiante ao recordar o momento em que o seu "sonho se tornou realidade", quando se tornou este ano a primeira mulher transgénero a arbitrar um jogo de futebol internacional.

"Sempre quis ser mulher e sempre quis ser árbitra de futebol, e ambas as coisas chegaram juntas e se fundiram num só sonho que explodiu de alegria", confessou à AFP a mulher de 31 anos: "É uma sensação inspiradora e poderosa: sentir que estou a fazer o certo, que estou a escolher-me a mim mesma, que estou a mostrar ao mundo que é possível. Desde os cinco anos lembro-me de querer ser mulher, de querer ser uma menina. E quando comecei a jogar futebol percebi que o sonho de ser mulher e jogar futebol não andavam de mãos dadas. Por isso, decidi esconder quem era e continuar a jogar futebol. Escondi-me durante quase 26 anos".

Berman nasceu com sexo masculino e cresceu numa família apaixonada por futebol. Jogou como defesa na infância e juventude, mas quando percebeu que nunca chegaria a ser profissional, juntou-se à associação de árbitros e trabalhou até arbitrar jogos da Premier League masculina de Israel.

Mas Berman sentia que estava a esconder o seu segredo mais íntimo. Foi durante a pandemia de Covid-19, em pleno confinamento, que Berman começou a refletir sobre o seu futuro.

"Perguntei-me: 'Isto é vida? Este é o caminho?'", lembra: "Decidi revelar-me a mim mesma".

Berman temeu inicialmente que a sua carreira tivesse terminado, mas o irmão convenceu-a a tentar continuar.

A inglesa Lucy Clark tornou-se a primeira mulher transgénero do mundo a arbitrar um jogo, em 2018, na Liga Inglesa semiprofissional, mas nunca arbitrou um jogo internacional. Quando Berman arbitrou o jogo de qualificação para o Europeu feminino sub-17 entre Irlanda do Norte e Montenegro, em Belfast, em março deste ano, foi um feito inédito, segundo a UEFA.

Berman afirma que o caminho nem sempre foi fácil, apesar do grande apoio que recebeu da associação de árbitros de Israel: "Houve muitas perguntas e muitos momentos em que me diziam que não sabiam o que fazer. Eu também não sabia o que esperar ou como acabaria o processo".

Berman comentou que quando começou a terapia hormonal como parte da sua transição, inicialmente sentiu-se frustrada e ressentida com o seu corpo: "Fora do campo sentia-me fantástica, dentro de campo sentia que tinha destruído a minha carreira".

Não passou nos testes físicos e foi despromovida, mas com a ajuda de um psicólogo desportivo e com muitos "tentativas e erros", conseguiu regressar.

Berman tornou-se árbitra internacional no início deste ano e sonha em arbitrar um jogo da Liga dos Campeões, do Europeu ou do Mundial.

Apoio de jogadores e adeptos

A participação de pessoas transgénero tornou-se um tema de destaque à medida que diferentes desportos procuram conciliar a inclusão com a equidade competitiva.

No início deste ano, a Federação Inglesa (FA) anunciou que as mulheres transgénero não podem jogar no futebol feminino. Berman espera que os organismos desportivos encontrem formas de "integrar, unir, diversificar" e recordou que o desempenho de um atleta também pode ser afetado por fatores emocionais, económicos, geográficos ou familiares.

Berman afirma ter recebido manifestações de apoio tanto de jogadores como de adeptos. "Os adeptos continuam a insultar-me, só que agora é no feminino", sorri, acrescentando que para ela é "um selo de aprovação, de que me veem exatamente como sou".

E na rua, jovens contaram-lhe que a sua história lhes deu esperança. "Isso enche-me, dá-me muita força para continuar e fazer o que faço, porque, no fim de contas, escolhi-me a mim mesma".