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A força mental por trás da campanha histórica de Loïs Boisson em Roland-Garros

Loïs Boisson após a vitória nos quartos de final sobre Mirra Andreeva em Roland-Garros.
Loïs Boisson após a vitória nos quartos de final sobre Mirra Andreeva em Roland-Garros. ALAIN JOCARD / AFP
É a sensação francesa da quinzena em Roland-Garros: Loïs Boisson tem protagonizado uma prestação extraordinária, fazendo sonhar milhares de fãs de ténis. E tem sido uma caminhada notável, pois a francesa teve de recuperar de uma lesão no ligamento cruzado anterior e no menisco do joelho esquerdo há apenas um ano. Em declarações ao Flashscore, Pier Gauthier, seu antigo coach mental, conta a ascensão meteórica da semi-finalista de 2025.

Loïs Boisson fez-nos sonhar até às meias-finais de Roland-Garros, quando a número 2 do mundo, Coco Gauff, se cruzou no seu caminho. Pelo percurso, a francesa conseguiu eliminar Jessica Pegula, número 3 do mundo, nos oitavos-de-final, e Mirra Andreeva, número 6, nos quartos-de-final. Um percurso extraordinário para a actual 361.ª classificada do ranking mundial, que tem a palavra "resiliência" tatuada no braço.

Sim, Boisson teve de fazer muitos sacrifícios para chegar até aqui. Presença regular no circuito ITF, rompeu o ligamento cruzado anterior e o menisco do joelho esquerdo em maio de 2024, após uma excelente série de 23 vitórias em 24 encontros. Foi um golpe trágico no pior momento possível, já que a antiga número 152 do mundo (a sua melhor classificação) tinha acabado de receber um convite para disputar o Open de França, depois de conquistar o título em Saint-Malo no circuito secundário.

Um ano depois, concretizou finalmente o sonho de jogar o Grand Slam francês em Porte d'Auteuil — e fê-lo desafiando todas as probabilidades. Mas como se explica um feito tão notável? "O facto de ter tocado com o dedo numa lesão tão grave e dizer a si própria que o ténis podia ter terminado, e um ano mais tarde estar apta para competir e, acima de tudo, disputar o jogo dos seus sonhos em Roland-Garros, no court central — tudo isso faz com que se saboreie ainda mais a experiência e se coloque tudo em perspectiva! Isso permite estar muito mais descontraída e ter um melhor desempenho em campo", explica Pier Gauthier, antigo coach mental da francesa.

Aceitar o seu destino para se reerguer

Quer se tenha 21 anos, como Loïs Boisson na altura da lesão, quer se tenha trinta e poucos, nunca é fácil lidar com uma lesão do ligamento cruzado anterior — e menos ainda para os tenistas, onde o apoio e a estabilidade são cruciais. Mas quando se têm sonhos, não há outra opção senão recuperar.

"A coisa mais importante para um desportista, numa fase destas, é aceitar e lidar com tudo o que acontece — e com tudo o que poderá vir a acontecer. Quanto mais se aceitam os altos e baixos de um percurso, neste caso o de um desportista de alto nível, mais descontraído, livre e sereno se estará em campo — e isso terá um impacto muito grande no desempenho", explica Gauthier.

Não há espaço para recear cenários negativos — há que aceitar o que vier: "É evidente que isto (a lesão) é apenas um dos altos e baixos da vida. A única coisa que podemos fazer, enquanto treinadores mentais, é estar presentes, compreender, apoiar e lembrar que isto faz parte da vida — que não termina aqui. Quando se sofre uma lesão deste tipo, é algo que pode, infelizmente, acontecer com frequência. Talvez não seja a palavra mais certa, mas as lesões, com diferentes durações, são uma realidade habitual no desporto de alta competição. E, acima de tudo, o mais importante é que a recuperação corra bem. É perfeitamente possível regressar e aproveitar este período para trabalhar outros aspetos."

Jogar em baixo para se libertar no campo

Para vencer Jessica Pegula e Mirra Andreeva da forma como o fez, é necessário estar mentalmente liberta. Contra Coco Gauff, a diferença foi demasiado grande — e é precisamente neste aspeto que Boisson precisa de evoluir no futuro. A francesa tem apenas 22 anos e só pode continuar a progredir. Acima de tudo, a jogadora, que vai entrar no top 70 já na próxima segunda-feira, demonstrou que sabe jogar o torneio, o court central e perante o público, conseguindo dois triunfos consecutivos.

"Esta provação, esta lesão, ajudou-a, sem dúvida. Quando se ultrapassa algo assim, aproveita-se para trabalhar outras vertentes. Li e ouvi que ela trabalhou outros aspetos (sobretudo físicos). Por isso, aprendeu outras coisas, tornou-se mais forte e percebeu também que existe vida para além do ténis — e que, a determinada altura, a sua carreira irá inevitavelmente chegar ao fim", continua.

"Depois, nove meses mais tarde, regressa-se ao court, sente-se que já se pode voltar a correr... E tudo isto ajuda, inevitavelmente, a colocar a pressão dos grandes eventos em perspetiva e a retirar-lhe dramatismo. O ténis passa simplesmente a ocupar o seu devido lugar. Costumo partilhar estas histórias com os meus atletas: muitos conseguem grandes exibições em momentos particularmente difíceis, precisamente porque conseguem relativizar as coisas, desdramatizar o evento, estar preparados para tudo — e, por estarem preparados para tudo, acabam por jogar muito melhor e libertarem-se muito mais."

Roland-Garros 2025 é um epifenómeno na carreira de Boisson?

Sim, Loïs Boisson conseguiu a proeza de chegar às meias-finais de um Grand Slam quando ocupava a 361.ª posição no ranking mundial, mas o mais lógico, agora, é não esperar que repita tal feito de imediato. O mais importante para a jogadora francesa é ter plena consciência do que foi capaz de alcançar, do nível que demonstrou e da dimensão do feito conquistado. E, acima de tudo, para continuar a evoluir e a aprender com esta grande experiência, será essencial manter os pés bem assentes na terra quando se trata de gerir as expectativas que a rodeiam.

"Podem existir diferentes formas de vivenciar e gerir tudo isto", explica Gauthier. "É preciso perceber o que isto vai gerar nela: será que vai causar stress ou, pelo contrário, vai gerar uma grande autoconfiança? É por isso que temos de estar ao seu lado, presentes, disponíveis para falar sobre o tema, para perceber se ela está a lidar bem com tudo isto. E, se ela estiver tranquila, podemos avançar e fazer as coisas certas. Mas, se for difícil para ela, teremos de a ajudar a desconstruir um pouco a situação e, pelo menos, a falar sobre isso para que consiga viver este momento da melhor forma possível."

"Se existisse uma receita mágica, já a teríamos descoberto há muito tempo. Nem todos os desportistas que alcançam grandes feitos continuam a repetir essas performances nas semanas seguintes — e isso é perfeitamente natural. Por isso, é fundamental acompanhá-la, discutir estes temas e garantir que ela se mantém no caminho certo. Porque, quando se mantém nesse caminho, faz aquilo que tem de ser feito. Veja-se o caso da Andreeva, por exemplo: ela perdeu um pouco o foco nos quartos-de-final e, mesmo sendo a número seis do mundo, quando isso acontece, perde o seu jogo — o mesmo vale para todos", conclui.

Epifenómeno ou verdadeira estrela em ascensão? Só o tempo o dirá. Em todo o caso, ao entrar agora no top 70, Loïs Boisson poderá disputar os Grand Slams sem precisar de ultrapassar um percurso de obstáculos. O próximo desafio será Wimbledon. Resta saber como irá reagir à relva do All England Lawn Tennis Club.