"Não queria acabar na prisão. Mas sonhava em continuar a praticar desporto de alta competição", explica a atleta de 19 anos, enquanto contempla as rampas instaladas no velódromo de Saint-Quentin-en-Yvelines, onde este fim de semana se realizam os Campeonatos de França, o primeiro marco da sua nova vida, que sofreu uma reviravolta radical.
Tudo aconteceu"muito rapidamente" para Valeriia Liubimova, oitava classificada nos Mundiais de 2021, que volta a sonhar com uma medalha olímpica em Paris, depois de pensar que a sua carreira tinha sido definitivamente destruída no altar da guerra na Ucrânia.
Quando fugiu do seu país com os pais, o irmão e a irmã -"estava a tornar-se muito perigoso porque a nossa posição era contrária à do governo russo", encontrou refúgio na Geórgia. Nessa altura, não falava uma palavra de francês.
Os horizontes pareciam completamente bloqueados.
Foi então que os pais levantaram a hipótese de mudar de nacionalidade"para continuar a fazer desporto, estudar e ter um futuro". A família passou três semanas a enviar e-mails a várias federações a pedir ajuda. "E foi a França que me respondeu", conta.
Marselhesa
"Ela tinha contactado várias federações, incluindo a nossa", diz Florian Rousseau, diretor do programa olímpico da Federação Francesa de Ciclismo (FFC): "Começámos por recebê-la durante três meses e as coisas foram-se encaixando. Isso levou-nos a tomar medidas junto das instituições desportivas e administrativas para que ela obtivesse um passaporte francês. Tudo aconteceu muito rapidamente."
Com o visto na mão, Liubimova chegou a Montpellier, o epicentro do BMX freestyle francês, em setembro de 2022. Sozinha, a sua família ficou na Geórgia. O primeiro e "maior" desafio foi aprender francês para passar no exame de língua necessário para obter a cidadania.
15 meses depois, fala muito bem francês, aprendeu os primeiros versos da Marselhesa e conversa com os comerciantes.
"Gosto da mentalidade das pessoas daqui. Na Rússia, se entrarmos numa loja, ninguém nos sorri. É só cumprimentos e despedidas. Em França, temos pequenas conversas", insiste a mulher que estuda russo e inglês na Universidade de Montpellier.
Na bicicleta, conquistou rapidamente os seus treinadores. Em outubro, vestiu pela primeira vez a camisola da seleção francesa durante uma etapa da Taça do Mundo na China. E, no início de dezembro, recebeu a sua coroa de glória quando o Conselho Executivo do COI aprovou três pedidos de atletas russos, incluindo o seu, para mudarem de nacionalidade com vista aos Jogos Olímpicos de 2024.
"Uma decisão difícil"
O Comité Olímpico Russo pediu explicações ao COI sobre esta decisão, que "abriu uma caixa de Pandora", disse o secretário-geral, Rodion Plitoukhine, à agência TASS.
Para Liubimova, por outro lado, foi "milagroso". E para a França, é uma dádiva dos céus. "Estamos muito contentes, é uma oportunidade para ela, mas também para nós, pois falta-nos densidade a um nível muito elevado no feminino", diz Rousseau.
"Ela traz muito para a equipa em termos de mentalidade e determinação. É uma pessoa que trabalha muito e tem um grande potencial desportivo", concorda Florian Ferrasse, treinador principal do BMX freestyle.
Mas a chegada de Liubimova não deixou toda a gente satisfeita. Laury Perez, a única francesa a competir ao mais alto nível, pensava que tinha o seu bilhete para os Jogos Olímpicos na mão. Mas só haverá um lugar para as francesas.
"A Laury levou a mal, claro, porque a via como uma concorrente direta", concorda Ferrasse: "Mas, pouco a pouco, as duas partilham um pouco mais."
"Coloquei-as em pé de igualdade. Estão quase ao mesmo nível", acrescenta o treinador, que sabe que terá"uma decisão difícil" para escolher a mulher cuja missão será "ir buscar uma medalha" a 31 de julho de 2024.
