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Reportagem: Associações denunciam “limpeza social” na organização dos Jogos Olímpicos Paris-2024

Paris acolhe próxima edição dos Jogos Olímpicos
Paris acolhe próxima edição dos Jogos OlímpicosAFP
Associações francesas apontam o que consideram “uma limpeza social” em curso em Paris antes dos Jogos Olímpicos, com cerca de 12.500 sem-abrigo, toxicodependentes ou refugiados retirados da cidade para procurar dar uma “imagem estilo postal” da capital francesa.

“Está em curso o que nós chamamos de limpeza social: há uma vontade clara dos poderes públicos de tornar invisíveis quem consideram indesejável para tentar mostrar uma imagem tipo postal turístico de Paris durante os Jogos Olímpicos, que são provavelmente o evento mais visto em todo o mundo”, diz à Lusa Antoine de Clerck, porta-voz da organização Le Revers de la Médaille (O Outro Lado da Medalha, em português).

Esta organização junta cerca de uma centena de associações e organizações em França que, segundo diz Antoine de Clerck, acompanham o dia-a-dia das populações “mais precárias e vulneráveis” na região de Paris, como sem-abrigo, refugiados ou toxicodependentes.

Segundo a Revers de La Médaille, desde que começou a organização dos Jogos Olímpicos, há um ano, já houve cerca de 12.500 pessoas que foram expulsas dos sítios onde estavam a viver em Paris, em particular nos locais onde vão realizar-se os principais eventos olímpicos, como nas margens do rio Sena.

“Meteram-nas em autocarros para as afastar da região de Paris, para 10 regiões que foram pré-selecionadas, onde lhes propõem um alojamento temporário de três semanas. No final dessas três semanas, contabilizámos que, em cerca de 40% dos casos, o Estado arranja-lhes uma solução mais confortável do que a que tinham, mas 60% voltam a ir para a rua, longe de Paris”, diz Antoine.

À Lusa, Charlotte Kwantes, da associação Utopia 56 - que trabalha com imigrantes em França -, explica que o problema desta solução encontrada pelas autoridades é que muitas das pessoas já têm a vida feita em Paris e não se conseguem adaptar às novas regiões.

“Muitos já têm os filhos nas escolas ou têm um percurso de cuidados de saúde em Paris que, quando são realojadas para aquelas regiões, têm de interromper. Por isso, são soluções que não estão nada adaptadas às pessoas que, muitas vezes, tentam voltar para Paris porque precisam que os filhos vão à escola, por exemplo. Foi uma política de afastamento que não foi pensada”, critica.

A Utopia 56 experienciou o impacto que esta política está a ter na vida de muitas pessoas em situação precária em Paris. Encarregada de uma rede de voluntários que, todas as noites, se disponibilizam para receber imigrantes sem alojamento em Paris, a Utopia 56 pede-lhes que se concentrem todos os dias num determinado local, às 18:00, para os redistribuir pelas casas disponíveis nessa noite.

Até agora, essas reuniões ocorriam sempre na praça da Câmara Municipal de Paris, em pleno centro da capital francesa, mas, esta semana, as autoridades pediram à associação para deixar de as fazer aí, devido à organização dos Jogos Olímpicos, o que já está a ter impacto na vida de muitas famílias de imigrantes.

“Há três ou quatro anos que estávamos na praça da Câmara Municipal e, a partir desta segunda-feira, começámos a trabalhar na praça da Nation (leste de Paris), mas está a gerar problemas porque há famílias que ainda não receberam a informação e não sabem onde nos encontrar. E isto acontece-nos a nós, mas há outras associações que também vão ter de mudar as suas localizações, designadamente de distribuição de alimentos ou de ajuda médica”, avisa Charlotte.

Antoine de Clerck, da Revers de la Médaille, refere que, tendo em conta o historial de organização de grandes competições internacionais - que, segundo diz, têm sempre levado a este tipo de “limpeza social” -, tinha alertado desde o início as autoridades para a necessidade de impedir que o mesmo acontecesse em Paris.

“Uma das nossas propostas principais era para que a França, este grande país dos direitos humanos e das Luzes, fizesse a primeira edição dos Jogos Olímpicos na história sem nenhum sem-abrigo. Porque parece-nos paradoxal organizar uma grande festa, e prepararmo-nos para receber gente do mundo inteiro, e depois manter gente sem-abrigo”, critica.

O porta-voz desta organização considera a situação tanto mais contraditória que Paris vai acolher 16 milhões de turistas e construiu uma “cidade dos atletas” para alojar cerca de sete mil desportistas, entre os 15 mil que vão participar nos Jogos Olímpicos.

“Na região de Paris, também eram sete mil sem-abrigo que estavam registados. É verdade que é muito, mas estaria facilmente ao alcance da França alojá-los, pelo menos durante o verão, sobretudo tendo em consideração que o país vai gastar 10 mil milhões de euros na organização dos Jogos Olímpicos. Alguns milhões para alojar estas pessoas podiam ter sido gastos”, diz.

Os Jogos Olímpicos começam em Paris em 26 de julho e terminam em 11 de agosto.