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Como o cérebro também joga: A importância da psicologia em competições como o Mundial

Como o cérebro também joga: A importância da psicologia em competições como o Mundial
Como o cérebro também joga: A importância da psicologia em competições como o MundialSL Benfica
Longe vão os tempos em que o mundo do Desporto separava o cérebro do corpo. Nos últimos anos, as várias modalidades têm percebido e dado o devido reconhecimento à importância da psicologia, não só nos atletas, como nas próprias estruturas e equipas técnicas. Posto isto, o Flashscore foi falar com a psicóloga do desporto Joana Araújo. Depois de uma passagem pela Oliveirense, foi recrutada pelo Benfica onde trabalha em conjunto com as equipas técnicas de várias modalidades, nas quais tenta potenciar o rendimento desportivo e mitigar influências negativas.

A presença de Portugal no Campeonato do Mundo no Catar foi o ponto de partida para uma análise sobre o papel da psicologia em grandes competições. A ansiedade antes do início de uma grande competição, a adaptação a uma cultura diferente, as novas rotinas ou as reações aos resultados positivos e negativos são alguns dos aspetos abordados no texto.

Leia o texto abaixo.

O papel do psicólogo em contexto de viagem

O papel da psicologia no contexto desportivo assume cada vez mais importância que abrange o dia-a-dia da equipa, bem como todas as dinâmicas alocadas à mesma. O psicólogo desportivo contribui para a melhoria e bem-estar do atleta o que, consequentemente, vai trazer progressos visíveis no seu rendimento.

No âmbito do trabalho com equipas, opera no sentido de desenvolver e otimizar competências psicológicas, dando resposta ao contexto e sendo um facilitador de processos entre a equipa técnica e os atletas.

O psicólogo faz parte da equipa técnica e deve trabalhar em consonância com o treinador principal, fazendo avaliação das necessidades da equipa e trabalhando com o atleta diversas competências psicológicas - como por exemplo na concentração, confiança, controlo emocional, gestão de lesão, etc. -, fundamentais para um melhor rendimento.

Dependendo do contexto em que está inserido, bem como daquilo que é solicitado pela equipa técnica, cada vez mais os psicólogos viajam com as equipas, como parte integrante do corpo técnico. Esse acompanhamento é muito importante para que possa observar as dinâmicas, bem como atuar no contexto, não só com os atletas, mas também junto da equipa técnica e, mais especificamente, do treinador principal.

Quanto à intervenção no âmbito de uma competição como é o Campeonato do Mundo, é importante que haja uma preparação prévia do cenário que a equipa pode encontrar, principalmente quando se trata de um país onde a cultura é bastante diferente.

O psicólogo pode explicar aos atletas o que podem encontrar, como devem agir em determinadas situações e definir estratégias para as gerir. Por exemplo: se viajam para um país como o Catar, com alguém do corpo técnico que é mulher, sabem que existem condicionantes no que respeita à proximidade durante os festejos de uma vitória. Ou se a competição é realizada num local de conflito com a possibilidade de existirem sons externos e ameaçadores da integridade física e mental.

Portanto, se o atleta receber antecipadamente feedbacks do cenário que vai encontrar, é dada estabilidade e tranquilidade para uma gestão mais eficiente das situações que vai deparando.

No que respeita à intervenção individual com os atletas, o psicólogo pode antecipar e detetar necessidades psicológicas para que possa planificar o trabalho dessas competências para que sejam desenvolvidas habilidades durante a fase competitiva. Como por exemplo, ansiedade pré jogo, tomada de decisão em situações adversas, concentração, controlo emocional, etc.

Durante a competição, o trabalho consiste em observar as dinâmicas da equipa e realizar intervenções de grupo, dependendo do momento e daquilo que se pretende reforçar em cada jogo. Tudo isto deve, saliento, ser sempre definido em sintonia com o treinador principal. Ao longo da competição podem ser ainda realizadas sessões individuais com os atletas, sendo solicitadas por eles mesmos ou pelo psicólogo.

O psicólogo deve dar feedback ao treinador principal sobre a equipa e atletas específicos (sempre que surge necessidade e de acordo com a ética profissional), assim como fazer sugestões no que respeita à palestra pré jogo ou às indicações do treinador durante o jogo.

Por exemplo, se um atleta não reage bem a um feedback negativo e baixa os níveis de confiança e performance, o treinador poderá ter mais sucesso com uma mensagem mais positiva; ou se o discurso pré jogo deve ser mais agressivo e intenso no caso da equipa se mostrar mais relaxada.

Isto são pequenos exemplos da atuação do psicólogo no contexto desportivo durante uma competição. Saliento que tudo isto depende da abertura da equipa técnica e do treinador para esta troca. Ao longo de cada jogo vão se redefinindo objetivos de acordo com o timing da equipa, postura da mesma e outros fatores.

Naturalmente, trabalhar sobre vitórias facilita o trabalho, mas pode ser perigoso se não existir atenção a um possível relaxamento por parte dos atletas. Os níveis de confiança não devem ser demasiado elevados, nem demasiado baixos, devemos sempre alcançar um equilíbrio e trabalhar nesse sentido.

No caso de a equipa não estar a obter resultados positivos, em primeiro lugar, importa perceber as condicionantes e de que forma se pode ajustar o foco dos atletas para a tarefa.

De uma forma geral, a relação estabelecida com os mesmos é bastante positiva, pelo que quando sentem necessidade recorrem de forma espontânea à intervenção da psicologia, como sendo mais uma ferramenta de trabalho.

A proximidade diária com os jogadores, em contexto de viagens, permite uma maior adesão e implementação da componente psicológica nas rotinas diárias e treino dos atletas. Trata-se de um trabalho multidisciplinar em que todas as áreas têm um papel fundamental na performance do atleta, pelo que a comunicação entre todas se torna fundamental.

Acompanhar as dinâmicas de uma equipa durante uma competição fora é muito importante para observar e intervir no timing e setting específicos da acção (“catch-ascatch -can”), o que possibilita adaptar estratégias, bem como incutir a preparação mental junto da equipa e atletas a nível individual, para que seja realizado um trabalho consistente, sendo o psicólogo agregador de todas estas dinâmicas ao longo de todo o estágio.