De uma denúncia anónima à queda da W52-FC Porto

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De uma denúncia anónima à queda da W52-FC Porto

Vinte seis arguidos, incluindo 10 antigos ciclistas da extinta W52-FC Porto, começam a ser julgados
Vinte seis arguidos, incluindo 10 antigos ciclistas da extinta W52-FC Porto, começam a ser julgadosLUSA
Vinte seis arguidos, incluindo 10 antigos ciclistas da extinta W52-FC Porto, o diretor desportivo Nuno Ribeiro e o patrão da equipa, Adriano Quintanilha, começam na quinta-feira a ser julgados no âmbito do processo Prova Limpa.

Quase dois anos depois da operação da Polícia Judiciária (PJ) ter abanado as estruturas do ciclismo nacional e ter levado ao desaparecimento daquela que era a melhor equipa lusa, inicia-se o julgamento no pavilhão anexo ao Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, com todos os 26 arguidos a responderem pelo crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos e, desses, 14 também por administração de substância e métodos proibidos.

Estes são alguns dos pontos essenciais relacionados com o caso ‘Prova Limpa’.

Operação Prova Limpa

Em 24 de abril de 2022, no decorrer do Grande Prémio O Jogo, a PJ realizou “várias dezenas de buscas domiciliárias e não domiciliárias em diversas regiões do território nacional”, envolvendo cerca de 120 elementos, numa operação batizada Prova Limpa e "destinada à deteção de métodos proibidos e substâncias ilícitas suscetíveis de adulterar a verdade desportiva em provas do ciclismo profissional".

O alvo da operação, que resultou de uma denúncia anónima, foi a estrutura da W52-FC Porto, equipa que dominou o ciclismo nacional durante quase uma década e, ainda que com outras designações, venceu na estrada nove Voltas a Portugal consecutivas (algumas delas posteriormente perdidas na secretaria devido a casos de doping).

No decurso das buscas, a PJ apreendeu “diversas substâncias e instrumentos clínicos, usados no treino dos atletas e com impacto no seu rendimento desportivo" e foram detidos o diretor desportivo, Nuno Ribeiro, e o seu adjunto, José Rodrigues, sendo posteriormente revelado que 10 dos 11 ciclistas da equipa tinham sido constituídos arguidos.

As substâncias e os métodos proibidos apreendidos

Entre o manancial de substâncias e artefactos apreendidos pela PJ no hotel onde a W52-FC Porto estava instalada durante o GP O Jogo, na casa (e carros) dos ciclistas e diretores desportivos, e até no camião da equipa, contam-se, de acordo com o processo ao qual a Lusa teve acesso, várias centenas de seringas e agulhas de vários tipos, material para transfusão de sangue ou mesmo bolsas usadas com vestígios hemáticos, e produtos dopantes.

Mencionadas em conversas telefónicas, em termos codificados, e encontradas durante as buscas estavam substâncias proibidas como betametasona (“branca”, “dipro”, “profes”, “riscos” ou “corticoides” no nome de código), somatropina (“força”, “F” ou “FR”), menotropina (“feminina”, “femenina” ou “meno”), TB 500 (“TB”), insulina (“insu”) ou Aicar, entre outras.

Umas segundas buscas na véspera da Volta

A dois dias do arranque da 83.ª Volta a Portugal, a PJ realizou buscas “em vários pontos do país, em simultâneo, em locais ligados a equipas de ciclismo”, com o objetivo principal a ser “recolha de prova, nomeadamente documentação”.

Essas novas buscas na véspera do arranque da Volta 2022 provocaram um verdadeiro terramoto no pelotão, com quatro ciclistas a serem excluídos da prova rainha do calendário: primeiro, a Efapel rescindiu com Francisco Campos e a Rádio Popular-Paredes-Boavista afastou Daniel Freitas (que viria a ser constituído arguido, uma vez que a PJ encontrou em sua casa “dois equipamentos de transfusão sanguínea cheios de sangue”).

Além destes dois antigos corredores dos dragões, posteriormente também Luís Mendonça e João Benta (atualmente a cumprir uma suspensão de oito anos) foram afastados, respetivamente, pela Glassdrive-Q8-Anicolor e pela Efapel, com os seus diretores desportivos a alegarem a necessidade de as equipas manterem o foco na Volta, embora ambos não tivessem sido constituídos arguidos.

As acusações

Adriano Teixeira de Sousa, conhecido como Adriano Quintanilha, a Associação Calvário Várzea Clube De Ciclismo – o clube na origem da equipa -, Nuno Ribeiro e José Rodrigues vão responder pelos crimes de tráfico e administração de substâncias e métodos proibidos.

João Rodrigues, Rui Vinhas, Ricardo Mestre, Samuel Caldeira, Daniel Mestre, José Neves, Ricardo Vilela, Joni Brandão, José Gonçalves e Jorge Magalhães são os antigos ciclistas da W52-FC Porto que vão a julgamento pelo crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos, assim como Daniel Freitas, que representou os dragões entre 2016 e 2018.

O juiz de instrução criminal considerou “consistentes, inequívocos e diversificados os elementos de prova corroborantes da utilização de práticas dopantes pelos atletas da equipa W52-FC Porto, mormente o recurso persistente à manipulação sanguínea, bem como, à administração e consumo de substâncias proibidas, em competição e fora de competição”.

“No âmbito de análise mais alargado à atividade denunciada, conseguimos seguramente indiciar a existência de um verdadeiro esquema de doping”, sustenta o juiz na decisão instrutória, defendendo que, “em data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano de 2020, os arguidos Adriano Sousa, Hugo Veloso (contabilista e diretor geral da equipa) e Nuno Ribeiro (…) formularam o propósito de aumentarem a rentabilidade dos seus ciclistas nas provas em que competissem”.

Os outros arguidos

Entre os 26 arguidos do processo Prova Limpa estão ainda os antigos ciclistas Hugo Sancho, já retirado e a cumprir quatro anos de suspensão por anomalias no passaporte biológico, e David Ribeiro, o então mecânico da W52-FC Porto Nélson Rocha, os massagistas José Sousa e Jorge Almeida, ou ainda técnicos de farmácia, como a cunhada de Samuel Caldeira.

Todos estes vão responder pelos crimes de tráfico e administração de substâncias e métodos proibidos, tal como a cúpula diretiva da equipa, enquanto os ciclistas vão a julgamento apenas por tráfico.

O caso de Amaro Antunes

Único dos 11 ciclistas da W52-FC Porto a não ser constituído arguido, o algarvio escapou à justiça civil mas não à desportiva, tendo sido suspenso por quatro anos pela União Ciclista Internacional (UCI) por “uso de métodos proibidos e/ou substâncias proibidas” e tendo perdido, entre outros resultados, a vitória na Volta 2021.

Apesar do seu processo ter sido arquivado, o nome de Antunes aparece por diversas vezes nas escutas, mas também na decisão instrutória, na qual se lê que Nuno Ribeiro lhe disse “para e como fazer transfusão/manipulação de sangue” em 04 e 24 de julho de 2021, ou que, em 09 de agosto, em plena Volta a Portugal, o então diretor desportivo deu “indicações expressas a Joni Brandão, Ricardo Mestre e Amaro Antunes, para beberem soro e medirem os valores, encaminhando-os de seguida para análises em entidades privadas que detetaram que os valores correspondentes aos atletas Ricardo Vilela e Amaro Antunes estariam anormais”, algo que deixou o algarvio “extremamente preocupado”.

Já no relatório final da investigação da PJ pode ler-se que, “pese embora existam fortes indícios” que o vencedor da Volta 2020 tenha “administrado substâncias e métodos proibidos em competição e fora de competição, não foi possível aferir quais nem em que datas concretas”.

As sanções desportivas

A Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) impôs um castigo pesado e inédito a Nuno Ribeiro e José Rodrigues, com ambos a serem suspensos por 25 anos (um recorde a nível nacional) por tráfico, administração e posse de substâncias e métodos proibidos na sequência do processo Prova Limpa.

À exceção de Jorge Magalhães, cujo processo ainda decorre na instância desportiva, todos os outros ciclistas estão a cumprir sanções por dopagem, sendo a mais pesada a de Ricardo Vilela, com 10 anos cumulativos (três por posse de substância e método proibido e sete por anomalias no passaporte biológico).

Vilela foi um dos sete ciclistas que colaboraram com a ADoP e que, por isso, beneficiaram de uma redução de um ano no período de suspensão (de quatro para três anos) por este caso, sendo os outros João Rodrigues, vencedor da Volta2019 e da Volta ao Algarve de 2021 (que foi sancionado com outros quatro anos pela UCI devido ao passaporte biológico), Rui Vinhas e Ricardo Mestre, respetivamente vencedores da Volta a Portugal em 2016 e 2011, Daniel Mestre, José Neves e Samuel Caldeira.

José Gonçalves recebeu os previstos quatro anos de sanção, enquanto Joni Brandão, três vezes segundo classificado da Volta a Portugal, teve a pena mais pesada, encontrando-se suspenso por seis anos.

A extinção da W52-FC Porto

A UCI começou por retirar a licença desportiva à W52-FC Porto em 27 de julho de 2022, com o clube azul e branco a suspender no dia seguinte o contrato de naming que o ligava a esta equipa de ciclismo, pendente do “desfecho dos processos em curso”.

Pouco menos de três meses depois, mais concretamente em 24 de outubro, a W52-FC Porto renunciou à intenção de inscrever-se como equipa continental para a temporada de 2023, numa carta endereçada ao presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), entidade que já tinha adiado uma decisão quanto à candidatura desta estrutura após sete ciclistas terem sido suspensos pela ADoP.

Em fevereiro de 2023, fonte portista revelou à Lusa que o FC Porto tinha saído do ciclismo no final da época anterior, dias depois de o fim da parceria entre os dragões e a estrutura liderada por Quintanilha se ter tornado evidente quando as páginas da equipa foram apagadas nas redes sociais e esta foi rebatizada Fonte Nova Felgueiras – entretanto, também essa formação desapareceu.