Entrevista Flashscore a Quim: "Perdi muita coisa no futebol por excesso de humildade"

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Entrevista Flashscore a Quim: "Perdi muita coisa no futebol por excesso de humildade"
Quim em exclusivo ao Flashscore
Quim em exclusivo ao Flashscore AFP
Quim é, aos dias de hoje, o guarda-redes com maior longevidade competitiva em Portugal e acabou a carreira em grande, com a conquista da Taça de Portugal com o Desportivo das Aves. Quase seis anos depois desse dia memorável, Quim falou da carreira em entrevista exclusiva ao Flashscore.

Acabar a carreira com um título não é para qualquer um. Acabar a carreira com 42 anos é para poucos. Acabar a carreira com a conquista da Taça de Portugal, no Jamor, pelo Desportivo das Aves, só mesmo Quim.

O guarda-redes, que começou por ser avançado, terminou uma carreira recheada de sucesso da melhor forma possível. Depois de passar por SC Braga e Benfica, numa trajetória que o levou a fazer mais de 700 jogos, contou ainda com mais de 30 internacionalizações por Portugal, tendo estado presente nas fases finais dos Europeus de 2000 e 2004 e no Mundial de 2006, apesar de ter feito apenas um jogo nessas competições.

Agora, é treinador de guarda-redes do Trofense e, como em toda a carreira, tem um sonho já estabelecido: chegar à Liga Portugal para formar os melhores guarda-redes do futebol nacional.

Quim acabou a carreira a jogar no Desportivo das Aves
Quim acabou a carreira a jogar no Desportivo das AvesFlashscore

- Foram muitos anos de carreira, o seu nome ficou gravado na história do futebol português como sendo o jogador com maior longevidade a atuar na Liga Portugal. Olhando para trás, depois de tantos anos, que memórias guarda?

-Grandes memórias. Foi um sonho concretizado. No início da carreira, com 13 anos, não esperava conseguir o que consegui. A minha ambição não era ser guarda-redes, gostava de marcar golos, jogar à frente, mas sem querer acabei por ficar na baliza. Uns colegas meus tiveram azar, lesionaram-se e o treinador achava que eu tinha altura para ir para a baliza. É estranho porque durante a carreira fui acusado de que não era um guarda-redes muito alto e comecei como guarda-redes porque o meu treinador achava que eu era o mais alto da equipa, é curioso.

- Houve alturas em que alguns treinadores falaram disso, que era um guarda-redes baixo para o que se exigia a um nível mais alto, não era?

- São alturas diferentes, na minha altura não era bem assim. Fui para a baliza por acaso, as coisas correram bem e acabei por fazer uma carreira fantástica. Não estava à espera. Tive felicidade de ingressar na formação do SC Braga, onde aprendi imenso como guarda-redes e pessoa e só tenho de agradecer por esses primeiros anos, que não são fáceis. A transição para sénior não era tão fácil como agora, que temos equipas B e sub-23. Alguns jogadores perdiam-se nesses anos de transição porque os clubes não olhavam para os jovens com os mesmos olhos que olham agora. Tinham qualidade, mas se calhar não estavam preparados para jogar num plantel sénior. Agora, com as equipas B e sub-23, dá para vermos se os jogadores têm estrutura para singrar no futebol. Felizmente, o futebol deu-me tudo e tentei aproveitar ao máximo. Fico feliz por ter concretizado o sonho de ser campeão nacional pelo Benfica e isso ficou na memória.

- Foi duas vezes campeão, ganhou Taça da Liga e Taça de Portugal, mas não foi ao serviço do Benfica, nem do SC Braga. Foi no fim da carreira, com o emblema do Aves. Imagino que tenha sido espetacular.

- Sem dúvida. Se calhar foi o título que mais me marcou. Fui à final da Taça pelo SC Braga e pelo Benfica e não consegui vencer. Chegar a uma final da Taça pelo Aves, no meu último jogo da carreira, e conseguir vencer é um título que não é o mais importante porque fui campeão nacional, mas aquele que me vai ficar marcado para sempre. É inesperado ganhar uma Taça de Portugal pelo Aves, não é fácil, se calhar vai acontecer uma vez na vida.

- Ainda por cima numa vila que é pequena, que estaria toda no Jamor a ver o jogo. Imagino que tenha sido especial.

- As pessoas da Vila das Aves não são muitas, mas foram todas para o Estádio Nacional e vieram todas atrás de nós no autocarro a festejar. Eram poucas, mas boas.

- Tem também recordações das suas internacionalizações? Esteve no Mundial, Europeu, imagino que representar o país tenha sido um dos pontos altos da sua carreira.

- Sem dúvida. Todo o jogador sonha representar a sua seleção, o seu país. A partir do momento em que comecei a ser profissional do SC Braga, a jogar, tinha ambição de chegar à seleção. Tinha vindo a jogar nas seleções de formação e depois tornou-se um objetivo, felizmente foi um objetivo conseguido. Se calhar não tive tantas internacionalizações como pretendia, era sempre convocado, mas não joguei muitas vezes. Foram 32 internacionalizações, mas todas com um sabor e prazer enorme. Só estar lá presente já era um orgulho. Jogar e estar presente em Mundiais e Europeus pela seleção foi fantástico.

Quim venceu a Taça de Portugal no último jogo da carreira
Quim venceu a Taça de Portugal no último jogo da carreiraAFP

- A posição de guarda-redes é muito ingrata porque só joga um, não é?

- Sim, não é fácil. Tive oportunidade de ter sempre grandes guarda-redes na seleção na minha altura. Vitor Baía, o Ricardo, o Rui Patrício, foram sempre grandes guarda-redes. Não consegui aquela oportunidade de jogar assiduamente, mas estar entre os melhores foi sem dúvida um grande orgulho.

- Depois de ter vivido a conquista da Taça pelo Aves, um fantástico fim de carreira, como foi a transição para fora da competição mantendo-se ligado a ela?

- Depois desse jogo, se me perguntassem se eu sentia que tinha condições para continuar a jogar eu dizia que sim. Sentia que ainda podia fazer mais um ano ou outro, mas sabia que as condições não eram as mesmas e podia correr o erro de não jogar, arrastar-me e não queria isso. Tendo uma final da Taça, levantar a Taça, não podia ser um final de carreira melhor. Joguei futebol até aos 42 anos, mas sei de muitos casos de jogadores que deixam bem mais cedo e a transição não é fácil. É uma profissão à qual damos muito, rotinas que se criam, cheiros que se perdem... Tive a felicidade de continuar ligado ao futebol e não é para todos. No primeiro ano fui diretor no Aves, acompanhava a equipa de perto e isso ajuda um pouco, mas tinha como objetivo ser treinador de guarda-redes. Foram muitos anos a aprender com grandes treinadores de guarda-redes, muitos jogos nas pernas, muitas experiências e tinha esse objetivo, continuar a ensinar o que aprendi aos guarda-redes mais novos. Quero continuar a formar grandes guarda-redes e levá-los o mais alto possível. Estou na Liga 3 e quero formar os meus guarda-redes para chegar à Liga Portugal. Será sempre o meu objetivo ensinar o que aprendi aos mais novos e esperar que eles tenham uma carreira ainda melhor.

- Como está a ser esta aventura no Trofense?

- Não tem sido fácil. Estou no Trofense há um ano, desceu de divisão, foi um ano complicado - direções, falta de pagamento. Sabemos das dificuldades dos clubes mais pequenos. O ano passado foi difícil, este ano as coisas começaram muito mal, com indefinição no plantel, da parte diretiva, mudou a estrutura do clube, a SAD que estava saiu, entrou uma nova, tentaram mudar algumas coisas, têm melhorado a nível de estrutura, a nível financeiro também está mais equilibrado, mas não começamos bem as coisas. Tínhamos o objetivo de chegar aos quatro primeiros para chegar à fase de subida, não foi possível e agora resta-nos fazer uma fase de manutenção boa para manter o clube na Liga 3 para no próximo ano chegar à subida de divisão, que será o objetivo do clube.

Quim é atualmente treinador de guarda-redes no Trofense
Quim é atualmente treinador de guarda-redes no TrofenseCD Trofense

- Na Trofa, há por aí um futuro Quim?

- Espero que sim. Ser guarda-redes não é fácil. Tem de se nascer para ser guarda-redes. Hoje em dia, não se faz muito um guarda-redes com o trabalho. Ajuda, mas tem de se nascer com esse perfil para ser guarda-redes porque é preciso ser muito forte a nível mental. Só pode jogar um e tem de estar preparado para o momento em que vai jogar. A nível mental custa muito, não é para todos. Procuro, acima de tudo, trabalhá-los diariamente e ajudá-los mentalmente, passar histórias e coisas que eu passei porque sei que também vão passar por essas histórias e quero que estejam preparados para esse momento. Hoje em dia, a escola de guarda-redes é bem melhor do que era no meu tempo, já se trabalha melhor, mas acredito que, em Portugal, estamos a criar uma escola de guarda-redes que vai ajudar os nossos clubes e a seleção a chegar o mais longe possível.

- Olhando para a carreira do Quim: foi campeão, jogou na Liga dos Campeões, na seleção, aceitou o desafio de jogar no Aves. Aceitou este desafio no Trofense, na Liga 3, num clube que sabia que tinha dificuldades. A palavra que lhe assenta bem é a palavra humildade?

- Sem dúvida. Tenho a certeza que é a palavra que mais me define. Posso dizer que perdi muita coisa no futebol por excesso de humildade.

- Os egos às vezes contam, não é?

Sim, a maneira de ser conta muito e nunca fui uma pessoa de me expôr demasiado, não era muito de entrevistas, de querer aparecer e sabemos que, hoje em dia, no futebol, isso é muito importante. Eu mantinha-me no meu canto, tentava fazer o melhor que podia e não era muito exuberante. Sei que, na minha profissão, perdi muito por ter excesso de humildade e estar muito no meu canto. O que fui e o que consegui foi derivado a mim, não veio de outras coisas, foi do meu trabalho e orgulho-me do que consegui. Sair do SC Braga e ir para a Liga 2 não é para todos. Fui para o Aves e o diretor chegou ao pé de mim, com uma certa vergonha, a dizer 'eu não sei como é que consegui dar-te uma proposta para ver se queres vir para a Liga 2 jogar no Aves'. Isso diz muita coisa. Eu não tenho problemas nenhuns. Se sentir vontade das pessoas, ouço toda a gente, seja o SC Braga, seja o Aves, o Benfica ou agora o Trofense. Se me sentir bem onde estou, irei dar tudo por esse clube. Fui para o Aves com o objetivo de pôr o Aves na Liga Portugal e foi conseguido. Demorou três anos, mas consegui. Houve oportunidade de jogar na Taça de Portugal e ninguém acreditava. 'O Aves numa final? É impossível'. Mas aos poucos começámos a pensar chegar lá e foi um sonho realizado ganhar uma Taça de Portugal no Aves. O meu sonho agora é ser treinador de guarda-redes numa equipa de Liga Portugal. Estou na Liga 3, estive no Campeonato de Portugal, no Tirsense, agora estou no Trofense e quero ajudar os meus guarda-redes a subir na carreira. Da mesma forma que estou a ajudá-los a eles, estou a ajudar-me a mim para ser treinador de guarda-redes de uma equipa da Liga Portugal. Sei que tenho experiência, estou a adquirir ainda mais e tenho ensinamentos de grandes treinadores de guarda-redes que tive na carreira.

Entrevista exclusiva com Quim
Entrevista exclusiva com QuimAFP/Opta by Stats Perform

- Olhando para 2024, no final da época há mais uma fase final de um Europeu. O Quim sabe o que é estar lá. Temos o estatuto de campeões em 2016, vimos de uma fase de grupos imaculada, que Europeu antevê para Portugal?

- Não podemos cair na ilusão de que vamos ganhar a toda a gente porque ganhámos todos os jogos. Foi um apuramento muito bom, vencemos os jogos todos, com grande mérito, mas sabemos perfeitamente que um Europeu não tem nada a ver com os jogos de apuramento. Temos de estar preparados para a fase de grupos, ter consciência que não vai ser fácil. O objetivo é passar essa fase e depois no mata-mata tudo pode acontecer. Como disse o selecionador, estamos entre os candidatos. Temos qualidade para isso, mas não podemos estar em bicos de pé porque conseguimos uma fase de grupos 100 por cento vitoriosa. Jogo a jogo, tentar vencer. Não é fácil, há um leque de seleções fortíssimas com esse objetivo e tudo pode acontecer. Temos selecionador e jogadores dos melhores que andam pela Europa, por isso não tenho dúvidas que irão fazer um grande Europeu.

- No campeonato, o Benfica está atrás do Sporting um ponto, o FC Porto um bocado atrás, o SC Braga perdeu um bocadinho. Parece-lhe que vai ser renhido?

- Logicamente que sim. O SC Braga, este ano, começou muito bem, mas não é fácil para um clube como o SC Braga, cada vez maior e com sonhos maiores, entrar na Liga dos Campeões. Teve uma fase de grupos muito boa, não foi feliz, mas defrontou grandes clubes. Mesmo tendo um plantel muito equilibrado, se calhar dos quatro grandes é o plantel mais equilibrado, que o Artur pode tirar seis ou sete e não se iria notar, mas se calhar não foi feliz. As expectativas eram muito grandes, as coisas não correram bem, mas acredito que irão recuperar e irão juntar-se aos três. Será um campeonato equilibrado e definido ao pormenor. Acredito que Portugal tem evoluido nesse sentido, não se fala só do FC Porto e do Benfica, já temos quatro. Mesmo o Vitória SC está a subir. Para ser campeão e para descer vai ser uma guerra até ao fim, mesmo na Liga 2 temos muitas equipas para subir e isso é ótimo para o futebol português. Temos vindo a melhorar nesse sentido e podemos chegar junto dos grandes campeonatos.