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Entrevista Flashscore a Zé Elias: "Nem tudo o que é bom na Europa serve para o Brasil"

Zé Elias tem forte ligação com o Corinthians
Zé Elias tem forte ligação com o CorinthiansDivulgação - ESPN

Passaram 14 anos desde que pendurou as chuteiros, o antigo médio Zé Elias continua a ser lembrado como um jogador que tinha a dedicação e que dava pouco espaço aos adversários . Desde então, o "Zé da Fiel" é comentador , um novo mundo que se abriu para ele após a reforma.

A ideia inicial, assim que deixou de ser jogador, era entrar na área de gestão do desporto, tendo o clube Rheindorf Altach, da Áustria, como uma porta de entrada. A tentativa não deu certo, com a crónica desportiva a surgir como uma oportunidade que o ex-jogador aproveitou.

Em conversa exclusiva com o Flashscore, Zé Elias relembrou os seus tempos de jogador, falou sobre Mário Sérgio, o técnico mais importante na sua trajetória, sobre polémicas e aprendizagens como comentador e de algumas das carências do futebol brasileiro, que parecem que não terão um fim enquanto uma nova visão ou filosofia não forem consideradas.

Zé Elias, atualmente, atua como comentarista nos canais ESPN
Zé Elias, atualmente, atua como comentarista nos canais ESPNDivulgação - ESPN

- O que mais aprendeu no futebol europeu? 

- A tática e a vida quotidiana proporcionaram grandes ensinamentos. Na Alemanha, o futebol era de mais força e marcação. Na Itália, a questão tática foi uma grande escola, algo que até hoje continua. A Grécia parecia muito com o futebol brasileiro, com a qualidade técnica prevalecendo perante à tática. Voltei para o Santos e depois fui para o Chipre, um estilo bem parecido com o da Grécia. Fui para a Áustria, no fim de carreira, mais para tentar me incluir no cenário do futebol. Eu tinha a ideia de ser diretor desportivo de um clube e não consegui. Quando voltei, pendurei as botas e fui para a Rádio Globo para ser comentador.

Zé Elias com a camisa da Inter de Milão
Zé Elias com a camisa da Inter de MilãoProfimedia

- Quais as principais aprendizagens como comentador? Alguma que não tinha noção que era relevante quando era jogador?

- Aprendi a respeitar o jogador, técnico e árbitro como ser humano. Não existe maldade nos erros que acontecem dos personagens que estão em campo. Atrás de cada um deles, existe um pai de família, um filho, um irmão. É preciso ter uma linha de conduta correta, tomar cuidado pra não desrespeitar ninguém. Ganhamos um poder muito grande com o microfone nas mãos, tem gente que pode se perder com isso.

- No futsal já era defesa?

- Eu jogava em todas as posições, como a modalidade exige, menos na baliza. Não há como não ser defesa no futsal, é preciso ter essa característica. É um desporto que dá noções completas para formar um bom jogador, exige da parte tática e física, são diversos os ensinamentos que o futsal proporciona.

Na Inter de Milão, Zé Elias jogou ao lado de jogadores como Pagliuca, Simeone, Baggio e Zamorano
Na Inter de Milão, Zé Elias jogou ao lado de jogadores como Pagliuca, Simeone, Baggio e ZamoranoProfimedia

- Qual a opinião sobre claques que invadem centros de treinamento para terem conversas com técnicos e jogadores? 

- As claques precisam saber o seu tamanho e importância. Muitas vezes, elas não têm ideia e noção como são importantes. Estamos em 2023, não podemos comportar como há 50 anos. Na minha época, existia isso. É preciso ter uma linha de respeito. O adepto, dentro do estádio, pode protestar, vaiar e criticar. Ali é o ambiente deles. Quando invade o local de trabalho de uma pessoa para ofender, intimidar, bater e ameaçar, não está certo.

Nunca vi uma pessoa bater num chef de um restaurante ou ir pra cima de um empregado porque não gostou da comida. É só no futebol que existe isso. Sabemos que existem ligações das claques com as direções dos clubes, uma relação até próxima, muitas vezes, usadas de forma política e envolvendo uma série de coisas que, infelizmente, estão enraizadas no mundo do futebol e, dificilmente, serão cortadas. Não consigo ver este mal a ser cortado pela raiz.

Na Alemanha, Zé Elias defendeu o Bayer Leverkusen
Na Alemanha, Zé Elias defendeu o Bayer LeverkusenProfimedia

- Sabemos da importância do Mário Sérgio na sua carreira. Algum outro técnico marcante? 

- Todos foram importantes, todos me ensinaram algo. Desde os da formação até os mais estudiosos e intelectuais. O Mário, sem dúvida, foi importante porque abriu as portas. O Márcio Araújo foi o grande responsável por me indicar ao Mário Sérgio. De uma forma geral, não consigo singularizar um único treinador.

- Porque há cada vez menos golos de livre?

- Ninguém treina. Existe a política de que, se treinar, o jogador vai ficar cansado e lesionar-se. A intensidade do futebol aumentou. O jogador que gosta de bater faltas poderia aprimorar sua técnica, mas não deixam. Por isso, não existem como no passado, quando muitos jogos eram decididos em bolas paradas.

- Vivemos uma raridade em algumas posições nos dias de hoje como de laterais que vão à linha de fundo, 10, médios mais defensivos, etc?

- O futebol brasileiro aproximou-se muito do europeu. Parece que tudo que a Europa faz, temos que copiar. Nem tudo que é bom lá, serve para o Brasil. Muitas coisas que são adaptadas fazem mal ao futebol. Não temos 10 e pontas-de-lança como antes. É difícil termos jogadores de destaque nestas posições. O Brasil era o principal produtor de atletas nestes sectores, hoje não somos mais. Temos jogadores que são comprados por equipas de fora, mas raríssimos com a mesma qualidade de antes. 

Zé Elias esteve na campanha do bronze do Brasil na Olimpíada de Atlanta, em 1996
Zé Elias esteve na campanha do bronze do Brasil na Olimpíada de Atlanta, em 1996Profimedia

- Por que não jogou pelo Metalurg, da Ucrânia?

- Eles não cumprira com a oferta e voltei, simples. Oferceram-me 10 balas. Quando cheguei lá não existia nem papel.

- Preparou-se  para ser comentador? 

- Queria parar de jogar em 2005 aos 29 anos. A Minha esposa convenceu-me, disse que eu era muito novo. Joguei mais dois anos, até aos 32 e fui me preparando, pensando qual função gostaria de fazer. Empresário não queria ser, não me encaixaria pelos meus princípios e valores. Treinador também não pelas viagens que teriam que continuar acontecendo. Comecei a entender que gostava de assistir aos jogos e enxergar as questões táticas.

Zé Elias em sua rápida passagem pelo futebol da Áustria
Zé Elias em sua rápida passagem pelo futebol da ÁustriaProfimedia

De 2006 a 2009, preparei-,e, assistindo programas, ouvindo rádio e conversando com pessoas para entender qual linha de raciocínio era necessária para ter uma presença duradoura. Não queria que fosse algo passageiro nem ser um personagem pra ser esquecido e perder credibilidade depois de pouco tempo. Já são 14 anos como comentador. 

- Quais as aprendizagens do caso de 2011, quando foi preso por não pagar pensão alimentar?

- A aprendizagem é dar valor às pessoas que ficam do seu lado nas horas boas e más. Na hora da alegria, muita gente está do teu lado. Nem todos aparecem quando há problemas. É uma história que exemplifica bem isso. Um pai pede para o filho chamar os vizinhos para inaugurar a nova casa. O filho vai até a casa dos vizinhos e, ao invés de chamar para um churrasco, diz que a casa está a pegar fogo.

Somente alguns aparecem. O filho diz para o pai que é com aqueles ali que eles podem contar. Sei quem eu sou, nunca roubei ou matei ninguém, sou honesto, tenho a educação que recebi dos meus pais. O mais importante, para mim, é olhar nos olhos dos meus filhos, da minha esposa e das pessoas que convivem comigo e conversar honestamente.

- Como foi a passagem pelo Rheindorf Altach, da Áustria?

- Ali foi um dos melhores lugares que já vivi, gostaria muito de ter morado lá por mais tempo. O plano era ser diretor de futebol e não deu certo. O clube fica num lugar fantástico para quem gosta de calma e tranquilidade, é um cenário perfeito para se criar os filhos, sem preocupação de assaltos ou coisa parecida. A cidade tem cinco mil habitantes e a vida é muito tranquila por lá. Os planos não deram certo e voltei para o Brasil para ser comentador.

Zé Elias teve diversos aprendizados em sua passagem pela Europa
Zé Elias teve diversos aprendizados em sua passagem pela EuropaProfimedia

- Já teve algumas discussões em programas de TV com Sormani, Facincane, Pedro Ivo, Rodrigo Bueno...Alguma mais marcante? Muita gente acha que é de propósito para dar audiência...

- Nada ali é de propósito ou para dar clique e audência, nem chamar atenção. Tenho meus princípios e valores, não iria aceitar fazer encenação para enganar ninguém. Tudo que foi para o ar é real, sou quem eu sou, se estou a discutir e passo do tom, é normal dentro de uma discussão. Não tem nada manipulado ou armado, foi tudo real.