Opinião: Roberto Martínez e o otimismo moderado das goleadas e recordes

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Opinião: Roberto Martínez e o otimismo moderado das goleadas e recordes
Roberto Martínez com um arranque perfeito na Seleção Nacional
Roberto Martínez com um arranque perfeito na Seleção NacionalAFP
Melhor estreia era impossível para o novo selecionador nacional: dois jogos, duas vitórias, seis pontos, 10 golos marcados e zero golos sofridos. As contas de o melhor arranque de sempre de Portugal numa fase de qualificação devolveram otimismo aos portugueses, mas é preciso colocar na balança os adversários que marcaram o início de uma nova era.

Cristiano Ronaldo falou em “lufada de ar fresco”, Bruno Fernandes não o quis assumir, mas nas bancadas o sentimento é indesmentível. A caminho do Estádio José de Alvalade para o arranque da campanha de qualificação para o Campeonato da Europa de 2024, notava-se um ambiente diferente por entre os adeptos após o desgaste de oito anos de Fernando Santos em que Portugal atingiu o topo (Europeu e Liga das Nações), mas sem convencer as bancadas do estatuto que granjeou.

Roberto Martínez chegou com pontos de interrogação de uma carreira que passa despercebida à maioria dos adeptos portugueses (poucos se lembrarão do maior feito do catalão de 49 anos, a conquista da Taça de Inglaterra ao já rico Manchester City quando estava no Wigan) cuja imagem mais vivida é a de uma Bélgica brilhante em fases de apuramento (não perdeu nenhum jogo) que liderou o ranking da FIFA, mas que o melhor que conseguiu foi o pódio no Mundial-2018, onde eliminou um sempre favorito Brasil.

Após os dois primeiros jogos da caminhada para o Euro-2024 é inegável falar em otimismo – basta ver que a Federação Portuguesa de Futebol anunciou, esta segunda-feira, que os bilhetes que colocou online para o jogo com a Bósnia em… junho estão esgotados. As exibições contra Liechtenstein e Luxemburgo significaram o melhor arranque de sempre de uma seleção de cara lavada, com um novo sistema de três centrais que se apresenta mais ofensivo do que o losango ou o 4x3x3 de Fernando Santos. Bom futebol e goleadas ajudam a ver com bons olhos o início da nova era.

Contudo, é preciso colocar as coisas em contexto, e Roberto Martínez mostrou essa sobriedade quando, ao falar da vitória em Alvalade, abordou a questão de mentalidade e não tanto as conclusões do jogo. O Liechtenstein é a terceira pior seleção europeia no ranking da FIFA (198.º lugar) e supera apenas Gibraltar e São Marino, sendo que o nível máximo onde os jogadores atuam é a segunda divisão da Suíça. O Luxemburgo ocupa a 92.ª posição e encontrou pela frente uma equipa de Portugal extremamente concretizadora (ao intervalo, os quatro remates enquadrados deram em golo e no tal da partida, a métrica de golos esperados – o xG – foi de 3,97).

Se é verdade que a equipa apresentou dinâmicas já muito interessantes para uma semana de trabalho – a forma como Bernardo Silva combinou com Dalot e Cancelo, que permitiu as entradas na área de Bruno Fernandes, João Félix a jogar em associação com Cristiano Ronaldo, João Palhinha a ganhar estatuto no meio-campo como destruidor e distribuidor – também não é menos verdade que a estrutura defensiva ainda não foi testada de forma séria – nos dois jogos, o trio da frente não precisou de fazer uma pressão estruturada para recuperar a bola face à inferioridade técnica dos oponentes – e dificilmente o será num grupo em que estão Bósnia (57.ª do ranking), Islândia (63.º) e Eslováquia (54.º), adversários de maior-valia do que Luxemburgo e Liechtenstein, mas que dificilmente impedirão Portugal de garantir um dos dois lugares de acesso ao Campeonato da Europa.

O caminho da Seleção Nacional, sobretudo no século XXI, tem sido a tentar consolidar-se como uma das equipas do topo do futebol mundial – desde 2008 que está consecutivamente no top-10 do ranking FIFA – e as vitórias em 2016 (Europeu) e 2019 (Liga das Nações) comprovam que existe qualidade para isso. Mais do que bater recordes e golear Luxemburgo e Liechtenstein, Roberto Martínez tem de construir uma equipa para se bater com França, Alemanha, Inglaterra, Espanha ou Itália (neste século soma quatro vitórias em 23 jogos oficiais). Para isso terá um ano civil completo, já que em 2023 só se vai disputar o apuramento para o Campeonato da Europa. Existe tempo para trabalhar com a competição – um privilégio cada vez mais raro no futebol atual – e um ambiente de união em volta da Seleção Nacional que só o vai beneficiar.