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Entrevista Flashscore a Mariano Pernia: "Se Messi tivesse escolhido a Espanha já teria dois Mundiais"

Mariano Pernía durante a sua passagem pelo Atlético de Madrid
Mariano Pernía durante a sua passagem pelo Atlético de MadridAFP

Mariano Pernia (46 anos) falou em exclusivo ao Flashscore diretamente da Argentina. O antigo jogador do Atlético de Madrid e do Getafe, entre outros, compete atualmente em corridas de carros de turismo no seu país natal.

A sua chegada a Espanha, a sua paixão pelo automobilismo, Messi e a Argentina, a vida depois do futebol... Mariano Pernia não deixa nenhuma pergunta sem resposta e prova que é um homem apaixonado pela vida e pelo desporto. Durante quase meia hora de conversa, pudemos conhecer um homem que agora sonha em tornar-se treinador e seguir os passos de Luis Aragones. Uma conversa imperdível com alguém destinado a encontrar a felicidade naquilo que faz.

- Como é que passou do futebol para o automobilismo?

- É uma herança. O meu pai fez a mesma coisa. Foi jogador de futebol profissional, jogou no Boca e na seleção argentina. Depois disso, começou a fazer corridas de automóveis e nós crescemos com o meu pai nas corridas. Vivemos isso desde muito novos e adoramos. De facto, o meu irmão, enquanto eu jogava futebol, também corria com carros e, até hoje, corre e é um dos melhores aqui na Argentina. O automobilismo na Argentina é o segundo desporto. É como as motos em Espanha, são muito populares.

- Como é que surgiu a hipótese de jogar em Espanha no início dos anos 2000?

- Fomos campeões aqui com o Independiente e eu fui para o Recreativo de Huelva (Recre), uma equipa muito, muito modesta da Primeira Divisão, no mercado de inverno. Já tinha passado quase metade da época e só tinham nove pontos, mas quando surgiu a oportunidade avisaram-me e não hesitei nem um bocadinho. Sempre sonhei em dar o salto para a Europa e, nessa altura, a liga espanhola era sem dúvida a mais forte. A liga inglesa estava a começar a ser forte e a Espanha e a Itália estavam lá. Pelo menos na Argentina, as ligas italiana e espanhola eram vistas acima das outras, porque muitos argentinos iam para ambas.

- Na temporada 2005/06 marcou 10 golos jogando como central. O que fez para chegar a esse nível?

- Com o Recre, terminamos na segunda divisão e, depois de um ano e meio, tive a oportunidade de ir para o Getafe. Também não hesitei, porque estava em Madrid e era para regressar à Primeira Divisão. Era uma grande montra. Sempre, as equipas que estão na capital e nas grandes cidades, juntamente com equipas como o Atlético de Madrid e o Real Madrid, ou o Barcelona e o Espanhol em Barcelona, são mais uma montra, porque as pessoas vão ver os jogos (das grandes equipas) e ao mesmo tempo vão ver a equipa da zona. Também não hesitei e tudo se resolveu. Foram épocas muito boas, porque eu já estava estabelecido, com um ano e meio de experiência a conhecer a liga, com 27 anos, que é a melhor idade para um futebolista, porque fisicamente ainda se tem 20 ou mais anos, e com experiência, com muitos jogos. A nível pessoal, o meu primeiro filho tinha nascido e eu estava também muito forte emocionalmente. Tudo isto conjugou-se com uma grande equipa. Tínhamos uma grande equipa nessas duas épocas, estivemos muito bem e, para mim, pessoalmente, tudo correu bem.

- As portas do Mundial da Alemanha abriram-se para si. Esperava disputar o Mundial com a Espanha quando chegou ao Recreativo em 2003?

- De maneira nenhuma! Não me proponho objetivos a muito longo prazo, porque se não os atingirmos podemos ficar aborrecidos. Por isso, estabeleci objetivos muito concretos: estrear-me na Primeira Divisão, depois ser capaz de me sustentar, uma vez na Primeira Divisão, e depois, mais firmemente, tentar ganhar um campeonato como grupo. Consegui tudo. Eu queria dar o salto para a Europa, como todos os futebolistas na Argentina, mas não naquele momento em que me foi dada a oportunidade. Era um objetivo que não estava nos meus planos, mas aconteceu. Uma vez lá, foi um novo começo. Quanto à seleção nacional, penso que, a não ser que se seja um jogador muito destacado desde muito novo, depende-se muito do nível que se tem na equipa. A seleção nacional não chega porque temos a oportunidade de ir porque nos compram, os jogadores que se destacam durante um par de anos numa equipa vão para a seleção nacional e a possibilidade abre-se para eles. Quando comecei a destacar-me no Getafe, já tinha iniciado o processo de nacionalidade e consegui-o poucos dias antes da lista definitiva para o Campeonato do Mundo.

- Como foi a sua experiência no Campeonato do Mundo?

- O Campeonato do Mundo foi fantástico. O que vivi lá foi inesquecível. Desde o momento em que cheguei, chegas com muitas dúvidas porque és estrangeiro e não sabes como é que a equipa vai reagir, mas tive a sorte de encontrar um grupo incrível em que a maioria, 80% do grupo, eram miúdos que estavam a começar a carreira. Havia Iniesta, Xavi, o próprio Puyol tinha 24 ou 25 anos, penso eu. Depois, o Iniesta tinha 21 anos, o Fabregas tinha 18. Era uma equipa muito jovem e quando o meu irmão me perguntou para que estávamos ali, disse-lhe que podíamos ganhar o Campeonato do Mundo. A única dúvida que tinha era quando chegava o momento decisivo do Campeonato do Mundo, que era a partir dos oitavos ou quartos de final, quando as equipas experientes fazem a diferença. E foi assim: passámos a primeira fase com muita facilidade, a jogar muito bem, e quando fomos apanhados pela França, que tinha estado mal na primeira fase... Essa França tinha muita experiência, além de toda a qualidade que tinha. Acabaram por chegar à final e perderam com a Itália. É claro que os Campeonatos do Mundo se definem pelos pormenores. E nos pormenores, muitas vezes com a experiência, temos vantagem.

Pernía remata à baliza no Campeonato do Mundo de 2006
Pernía remata à baliza no Campeonato do Mundo de 2006Profimedia

- Depois do Campeonato do Mundo, vem o Atleti...

- 2006 é um ano do calendário que eu marquei com uma cor fluorescente, porque tudo aconteceu. Houve o Campeonato do Mundo e, antes do Mundial, já tinha assinado com o Atlético de Madrid em março de 2006. Terminei essa época no Getafe e em junho tive de me juntar ao Atlético de Madrid. Foi espetacular. Foram quatro anos inesquecíveis. É verdade que cheguei a um Atlético de Madrid que não estava nem perto do que é hoje em termos de resultados e de organização. Vinha de anos em que tinham acabado de subir da segunda divisão para a primeira, não participavam nas competições europeias há 11 anos e são um grande clube na Europa. Lembro-me da primeira conversa com Miguel Angel Gil, que me disse: 'A minha ideia é voltar a competir na Europa'. Não me falou de campeonatos, disse-me que a sua ideia era formar um plantel para voltar a competir na Europa e, à medida que os anos passam a competir na Europa, é óbvio que se ganha mais dinheiro e há menos mudanças de jogadores. Naquela altura, no Atlético de Madrid, lembro-me que mudavam 12 jogadores, 15 jogadores, época após época, e essa desordem não dá estabilidade. Eles conseguiram-na. Já no primeiro ano qualificámo-nos para a Liga Europa e nos outros três anos qualificámo-nos para a Liga dos Campeões. É evidente que o plano estratégico de Miguel Ángel deu frutos, porque hoje o Atlético de Madrid é o que é graças às bases sólidas que ele lançou no início da sua gestão do clube.

- Foi treinado por Luis Aragonés. Que recordações tem dele?

- Do Luis, as melhores. É uma espécie de referência para mim. Fiz o curso de treinador e em breve gostaria de começar a treinar. Penso que me iria basear muito na forma como ele geria os grupos e na sua maneira de ver tudo, não só a parte futebolística. Penso que, para ser treinador, é preciso conseguir o que ele conseguiu: fazer amizade com o jogador sem que este se confunda com o treinador. Em todas as decisões que Luís tomou, não houve ninguém no grupo de jogadores que achasse que não era a decisão correcta para aquele jogo em particular. Havia mudanças de um jogo para o outro e ninguém dizia: 'Mas eu joguei bem, não sei porque é que ele me tirou da equipa'. Se o Luís tomava uma decisão, conseguia que ninguém discutisse com ele e que ficássemos todos contentes, mesmo os que não jogavam. Poucos treinadores fazem isso.

- Ele transmitiu o respeito de alguém que foi um grande jogador?

- Ele fazia-nos respeitá-lo muito. Era super profissional, ninguém fazia uma piada. Mas acabava o treino e o primeiro a fazer uma piada ou a rir-se com os jogadores era ele. Era um ambiente incrível, espetacular.

Luis Aragones, à esquerda, e Mariano Pernia, atrás à direita, numa sessão de treino da seleção espanhola.
Luis Aragones, à esquerda, e Mariano Pernia, atrás à direita, numa sessão de treino da seleção espanhola.AFP

- Griezmann pode ultrapassá-lo como o melhor marcador da história do Atlético...

- Vai ultrapassar-me, porque ainda tem uma longa carreira pela frente e vai ultrapassar-me. Isso significa que o Atlético de Madrid marcou um golo e, com as equipas do "Cholo", sabemos que é difícil sofrerem golos e provavelmente vamos ganhar por 1-0.

- Contra o Getafe foi difícil...

- Sim, eu vi. Foi um jogo especial. Estranho, estranho com a expulsão (de Savic). Mesmo assim, o resultado foi um pouco mentiroso, apesar de o Atlético estar a ganhar confortavelmente. O Getafe também teve as suas oportunidades.

- Sempre disse que Messi o enlouqueceu em 2009, na Taça do Rei. Nessa altura já estava claro que o Mundial estava a chegar para ele?

- É um desporto de equipa, por isso não era assim tão evidente que o Mundial chegaria. Se fosse por mérito pessoal, deveria ter chegado no primeiro ou no segundo Campeonato do Mundo que disputou. Mas ele teve de esperar muito. Perdeu finais sem ter nada a ver com isso. Quando se perde nos penáltis, talvez ele marque e um colega de equipa falhe. Não tinha dúvidas de que o Leo ia ser tudo o que era, porque, além disso, conhecia-o, não muito, mas um pouco, pessoalmente e sabia da sua força mental. É uma pessoa com uma força mental incrível, que nunca pára de querer crescer e de querer aprender, apesar do facto de, aparentemente, de fora, parecer saber tudo. Ele foi melhorando de ano para ano. No início, via-se que, por vezes, era um pouco difícil para ele definir porque chutava forte e depois, no ano seguinte, começou a colocá-lo de lado e já era um goleador, bem como um jogador de assistências. Dois ou três anos depois começou a cobrar livres, que não cobrava. Foi acrescentando coisas, nunca relaxou em nenhum momento, sabendo que era o melhor do mundo. Foi assim que ele se tornou o que é hoje: o melhor da história.

- Na Argentina Messi foi muito visado ao longo da sua carreira, não foi?

- Aqui na Argentina houve uma altura em que não merecíamos ter o Messi com a camisola da Argentina porque ele era muito criticado. Até lhe pediram para não ir ao Campeonato do Mundo. Depois do Mundial, que foi perdido nos penáltis, pediram que Messi não fosse outra vez e foi uma loucura. Eu costumava dizer a toda a gente aqui: 'Se o Messi tivesse escolhido jogar pela Espanha, já teria dois Mundiais'. Sem dúvida, a que a Espanha ganhou (2010) com Messi também a teria ganho e a seguinte também a teria ganho, porque Messi estava no seu melhor. Era essa a minha leitura: se Messi tivesse escolhido jogar pela Espanha, teria ganho dois Mundiais nos seus primeiros tempos. Parecia-me uma loucura o que ele estava a passar aqui, mas voltamos à mesma coisa: com a sua cabeça e a sua personalidade, deu a volta à situação. Hoje, eu diria que se ele se candidatasse a Presidente da República ganharia com 100%.

Mariano Pernia defende Messi numa partida da Copa del Rey em 2009
Mariano Pernia defende Messi numa partida da Copa del Rey em 2009AFP

- Como é que o automobilismo o ajudou quando deixou o futebol?

- Ajudou-me muito. O que me teria feito muita falta, e faz-me muita falta, são as corridas. No futebol, primeiro compete-se para ganhar um jogo no domingo e depois no fim de semana seguinte. Há uma competição contínua. Vamos para a cama a pensar que amanhã temos de nos sair bem para podermos jogar no domingo. Depois, no dia anterior ao jogo, concentramo-nos em fazer um bom trabalho para tentar vencer o adversário. Estamos ativos 24 horas por dia com esses pensamentos internos. O automobilismo mantém-me bastante ocupado, embora seja mais descontraído porque só temos uma corrida por mês. Mas mantém-nos ativos para competir, para ter o desejo de nos levantarmos e treinarmos para o objetivo final, que é a corrida.

- O seu irmão ganhou o campeonato TC 2000, você ganhou por equipas e marcas. Pode dizer-se que o negócio da família está a correr bem?

- Sim, está a correr bem, está a correr bem... (risos) Somos campeões de tudo! O meu irmão na categoria de pilotos e depois a equipa e as marcas, ganhámos os três campeonatos. E depois partilhámos vários pódios juntos. Foi um ano muito especial.

- Para aqueles que não estão habituados, como é que funciona o campeonato na Argentina?

- Como na Fórmula 1. Embora os carros não tenham nada a ver uns com os outros, são carros com tejadilho, como os carros de rali, mas corremos em pista. Os campeonatos são 12 corridas por ano, em que se atribuem pontos de acordo com a posição em que se saiu da competição e, no final do ano, quem tiver mais pontos é o campeão. Só há um ponto no regulamento que diz que para ser campeão é preciso ter ganho uma corrida em 12.

- Ganhou recentemente a liga sénior?

- Sim, a Sénior 35+!

- De certa forma, continua a competir no futebol?

- Diria que jogo mais do que quando jogava profissionalmente, porque estou em quatro equipas diferentes e há semanas em que tenho muitos jogos. Já joguei cinco jogos em sete dias. Adoro estar num campo de futebol. Obviamente que se o nível for superior, melhor ainda, mas não me importo que seja futebol entre amigos para passar um bom bocado e divertir-me. Estou a gostar muito de estar num campo de futebol sem a pressão de ter de ganhar. No outro dia, a final que jogámos pelo Tigre foi uma final que me fez lembrar muito os velhos tempos, porque foi jogada com metade do estádio cheio, com os adeptos, com bandeiras... Vivi um momento único que pensei que não voltaria a viver.

- Qual é a sensação de entrar num estádio cheio de gente?

- No outro dia voltei a sentir isso, como já disse. Tinha-me esquecido um pouco de como era. É um nervosismo incrível. Aquele bichinho no estômago. Temos de nos sair bem, porque todas aquelas pessoas estão a olhar para nós, a exigir que nos saiamos bem. É uma pressão maior do que sair para jogar com os amigos, obviamente. É por isso que há jogadores que têm muita capacidade, mas que, sob essa pressão, não atuam. Não é nada fácil. Foi um jogo em que fizemos um aquecimento antes de entrar em campo todos juntos no balneário, o que quase nunca fazemos. A receção dos adeptos do Tigres foi espetacular. Entrar num campo como aquele, com tanta gente, é algo único. Acho que, para todos nós que jogamos futebol profissionalmente, é o que acaba por nos motivar a estar sempre no nosso melhor. É o que se sente falta quando se vai embora.

- Se tivesse de começar de novo, o que escolheria: futebol ou carros?

Futebol, sem dúvida. Adoro o automobilismo. Também é uma paixão, mas sinto-me muito mais confiante num campo de futebol do que num carro de corridas.