O Qarabag começa a não ser um total desconhecido do futebol português. O embate com o SC Braga, no play-off da Liga Europa, é o segundo duelo com representantes lusos, sendo que em 2018 perderam os dois encontros com o Sporting (0-2 e 1-6) na fase de grupos da mesma competição.
Atual dominador do campeonato azeri (desde 2013 só falhou o título numa época, em 2020/21), o Qarabag é talvez o maior representante do país num sucesso alcançado depois de ter sido obrigado a fugir de uma zona em guerra. O nome e o símbolo (dois cavalos de Karabahk) são pistas para uma história de sucesso num dos conflitos mais antigos do continente europeu.
Qarabag deriva de Karabakh, uma região que é disputada por Azerbaijão e Arménia desde 1988, altura em que se desenvolveu a primeira guerra de Navorno-Karabakh e cujo último desenvolvimento aconteceu em 2023 (com um cessar-fogo negociado pela Rússia depois de os azeris terem lançado uma ofensiva militar).
Inicialmente parte da União Soviética, a região nos últimos 100 anos passou por várias mãos e etnicamente apresenta uma grande diversidade. Após a revolução soviética passou para a República Federativa Democrática Transcaucasiana, sendo que depois se dividiu em estados da Arménia, Azerbaijão e Geórgia. Foi invadida pelo Império Otomano, esteve em mãos britânicas após a Primeira Guerra Mundial e, desde 1920, aceitou passar para a jurisdição azeri e consequentemente soviética (o que deu início a um movimento separatista arménio que fez eclodir a guerra em 1988).
É precisamente um ano antes do início da primeira guerra do Nagorno-Karabakh que nasce, em Aghdam, o Qarabag. O clube assumiu a estrutura do Mehsul, fundado em 1951 enquanto o país era uma república soviética e que venceu quatro campeonatos) e foi rebatizado em 1988 com o atual nome depois de também ter sido conhecido como Shafaq (1977 a 1982) e Sociedade Cooperativa (1982 a 1987).
Em 1993, dá-se a saída de Agdam. Com a cidade tomada pelas forças separatistas arménias, o Qarabag mudou-se para Baku, a capital do país, e viu o treinador Allhaverdi Baghirov morrer no conflito. Só regressariam à região em 2023, quando disputaram um jogo da Taça, contra o MOIK Baku em Khankendi.
Pese embora as dificuldades, conquistou a dobradinha nesse ano. Entre 1998 e 2001 o clube sofreu uma forte crise financeira, isto apesar de estar a ser bem sucedido na Europa, tornando-se na primeira equipa do país a vencer um jogo continental fora de casa, graças ao bis de Mushfig Huseynov diante do Maccabi Haifa, na Intertoto.
2001 marca a viragem. A entrada em cena da Azersun Holding como principal patrocinadora da equipa permitiu à equipa resolver a situação financeira. O sucesso desportivo chegou sete anos depois com a chegada de Gurban Gurbanov como treinador, uma lenda no país. O clube virou a política de contratações para a aposta no talento local (nove atletas foram utilizados na qualificação para o Euro-2024), passou a praticar um futebol atrativo (que valeu o epíteto de Barcelona do Cáucaso) e iniciou um domínio sem precedentes no futebol azeri, que se estendeu à Europa.
Pese embora terem sido o segundo clube azeri a participar na fase de grupos da Liga Europa (depois do Neftçi), são o primeiro a vencer um jogo nesta ronda (1-0 ao Dnipro). Conseguiram também o impensável em 2017 quando se qualificaram para a Liga dos Campeões, ficando no último lugar de um grupo com Chelsea, Atlético Madrid e Roma, amealhando dois pontos.
Esta quinta-feira vão procurar confirmar a surpresa em Braga e transformar-se na primeira equipa do Azerbaijão a seguir para os oitavos de final da Liga Europa. Um feito de monta para um clube obrigado a reconstruir-se longe de casa.