Análise: Regresso do FC Porto ao 4-3-3 trouxe vitórias, exibições seguras e sorrisos

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Análise: Regresso do FC Porto ao 4-3-3 trouxe vitórias, exibições seguras e sorrisos

Nico, Evanilson e Pepê mudaram de papéis
Nico, Evanilson e Pepê mudaram de papéisAFP
O FC Porto voltou às vitórias e às boas exibições nos últimos dois compromissos oficiais. Apesar de se tratarem de duas competições diferentes (Taça de Portugal e Liga) e dois adversários com objetivos díspares (Estoril e SC Braga), há um elemento em comum que ajuda a explicar o bom momento dos dragões: o regresso do 4-3-3.

Não podemos esquecer também outro elemento que esteve em destaque nessas duas partidas: na Amoreira, Evanilson celebrou o segundo hat-trick da temporada e, no Dragão, o golo apontado de grande penalidade foi um prémio para uma exibição em que se entregou totalmente à equipa, ofensiva e defensivamente.  

Mas como o futebol é um jogo coletivo que ajuda a sobressair essas individualidades, há que desconcertar como é que a equipa de Sérgio Conceição ultrapassou quatro exibições cinzentas - derrota em Alvalade (2-0), vitórias sobre Leixões (2-1), do segundo escalão, e o lanterna-vermelha Chaves (1-0) e empate no Bessa (1-1) - para golear uma formação em crescendo (Estoril, 0-4) e anular - e afastar - um candidato ao título (SC Braga, 2-0).

Causas

Não é preciso ir muito longe para perceber a crise existencial que o FC Porto atravessou nesta primeira volta, basta apontar dois nomes: Otávio e Uribe. A dependência era tal que, na antevisão ao jogo com o Estoril, questionado sobre isso, Conceição respondeu que "se há alguma crise de identidade, sou eu que a tenho" e admitiu que se tratavam de "jogadores importantes na zona intermédia do campo que é importante para estabilidade e equilíbrio da equipa". Mas vamos por partes e com auxílio de metáforas:

Sob o comando de Sérgio Conceição, a equipa assemelha-se a uma orquestra de heavy metal, um caos organizado caracterizado pelos indíces de agressividade nos duelos, ganhar a segunda bola e a reação à perda da mesma. Sem a alta rotação de Otávio e a omnipresença posicional do colombiano, os dragões têm sofrido com a falta de equilíbrio na transição defensiva e a falta de intensidade e imprevisibilidade no último terço - muitas vezes provocada pelas recuperações de bola em zona alta ou segundas bolas. 

Importa também sublinhar as dificuldades sentidas no setor defensivo: a grave lesão sofrida por Marcano deixou um espaço em aberto e os problemas físicos de Pepe fizeram soar os alarmes de um eixo em aberto. David Carmo não convenceu e já terá guia de marcha, Fábio Cardoso cumpre e até Zé Pedro, da equipa B, foi a jogo. Estes dois últimos escondem, mas não apagam, as fragilidade de uma defesa com muita dificuldade para contrariar ataques em profundidade - basta recordar a exibição de Gyokeres em Alvalade.

Com tantos problemas, Sérgio Conceição procurou várias soluções diferentes no arranque da temporada, sem nunca encontrar uma resposta certa: seja pelas ausências que comprometeram algumas ideias, ou pela falta de preparação dos reforços que chegaram. Nesse sentido, recorde-se que esta seria a época de explosão de Verón, que entretanto já regressou ao Brasil, o recém-contratado Fran Navarro foi, aparentemente, falha de casting e seguiu para o Olympiacos, Iván Jaime não fez a pré-época e está num vai-e-vem de lesões, Nico González em fase de adaptação e Francisco Conceição raramente é titular - talvez devido aos moldes do negócio feito com o Ajax.

Daí que, sem alternativas, o técnico tenha voltado aos velhos hábitos: um 4-4-2 com Varela a fazer de Uribe ao lado de Eustáquio, Pepê a fazer de Otávio sobre a direita - na intensidade e acoplamento ao meio-campo - e o ataque entregue a Taremi e a Evanilson, com o iraniano a recuar no terreno para ser o maestro.

Mas Pepê não é Otávio, tem outras características, desequilibra no um contra um e a jogar entre linhas, mas não é tão intenso com e sem bola, além de estar a atravessar uma má fase no capítulo da finalização. Nem Alan Varela é Uribe, apesar de ter chegado com o carimbo de titular, não tem a leitura de jogo para saber como se posicionar, por isso refugia-se atuando como um trinco e sem procurar grandes avanços no terreno.

O exemplo

A título de exemplo, comparemos abaixo as diferenças entre o posicionamento e a troca de passes nos jogos com o Boavista e o SC Braga, já sem Taremi na ficha de jogo, devido aos compromissos internacionais. 

O dérbi com os axadrezados foi o último - até agora - da era 4-4-2 ou 4-2-4. Como se pode ver no gráfico abaixo, fica patente a tal ideia do caos organizado, com o papel de Taremi - a ser feito por Evanilson (número 30) e o do avançado brasileiro por Toni Martínez (29). O recuo do brasileiro deixou Toni Martínez desapoiado na frente e sem tanta participação no envolvimento da equipa, até porque se trata de um jogador forte no ataque à profundidade. 

Rede de passes no jogo com o Boavista
Rede de passes no jogo com o BoavistaOpta by Stats Perform

Mas para lá da questão do ponta de lança, o que mais salta à vista é a procura por um novo Otávio. Com Pepê, Evanilson e Eustáquio aparecem praticamente na mesma posição, o que cria uma aglomeração no miolo, e sem profundidade nos dois flancos fica fácil para uma equipa em bloco baixo defender, apesar de um autêntico massacre no que toca à posse de bola (68%) e oportunidades de golo (2.23 xG ou golos esperados), com 24 remates. À falta de um polvo como Uribe, Alan Varela fixou-se círculo central como distribuidor de jogo.

Pepê desdobrou-se em campo: começou à esquerda, foi sombra de Evanilson com as entradas de Galeno e Francisco Conceição e completou o miolo com Nico numa altura em que Conceição meteu a carne toda no assador. Mas o mal já estava feito, os dragões já tinham sofrido e a consistência que ofereceu na fase de construção deixou de ser necessária perante um bloco mais baixo.

Influência de Pepê no jogo com o Boavista
Influência de Pepê no jogo com o BoavistaOpta by Stats Perform

4-3-3: Estrutura e robustez

Se rima, é porque é verdade. Tal como é verdade que o jogo com o Estoril não foi a primeira vez esta época que Sérgio Conceição voltou ao 4-3-3. Foi, no entanto, a primeira vez que isso aconteceu com Nico González mais entrosado com a equipa, Pepê a complementar o meio-campo e Evanilson a encabeçar o ataque. Mantendo a mesma filosofia da alta intensidade e pressão sem bola, o resultado foi um expressivo 0-4.

É certo que os canarinhos tiveram uma boa hipótese de abrir o marcador - o jeito que dá ter Diogo Costa na baliza, parte 1 -, mas os números são claros: 61% de posse de bola, 14 remates, sete dos quais à baliza. Ofensivamente, os azuis e brancos aliaram o ataque à profundidade oferecido por Evanilson (foi assim que surgiu o primeiro golo), Galeno e Francisco Conceição, ao futebol rendilhado (terceiro golo). Pelo meio, uma grande penalidade forçada pela alta pressão e, a fechar, o contra-golpe cínico finalizado por Galeno.

No entanto, convém recordar que, apesar das individualidades e da boa forma desde que Vasco Seabra chegou ao comando, o objetivo do Estoril é a manutenção. A experiência funcionou, no final Conceição admitiu que a equipa "fez melhor as coisas, não só no processo ofensivo, como defensivo", mas para resultados mais confiáveis seria necessário um teste de fogo... com o candidato ao título SC Braga a visitar o Dragão no jogo seguinte.

Feliz e confiante, o treinador apostou no mesmo onze num duelo mais equilibrado e em que o adversário gosta tanto - ou mais - de ter a posse de bola. Do ponto de vista defensivo, foi importante juntar Nico a Varela para criar um duplo tampão no meio-campo e impedir o jogo entre linhas da equipa de Artur Jorge. Ofensivamente, destaque para a nuance do espanhol aparecer ligeiramente mais adiantado do que Pepê (ver gráfico abaixo).

Rede de passes no jogo com o SC Braga
Rede de passes no jogo com o SC BragaOpta by Stats Perform

As diferenças entre a rede de passes do dérbi com o Boavista e a receção aos bracarenses são notórias, a começar pela organização posicional. Mesmo com menos posse de bola (48%), houve várias triangulações pela esquerda e com o apoio de Evanilson - muito ligado a Nico e Varela. 

Outra das grandes mudanças foi o envolvimento de Pepê no meio-campo ofensivo, bem menos interventivo do que no jogo com o Boavista. Isto explica-se por dois motivos: com mais um elemento no miolo, a construção no último terço não dependeu tanto do brasileiro - como se pode ver no gráfico abaixo - e Evanilson baixou para ligar jogo entre linhas, ao mesmo tempo que oferecia profundidade.

A influência de Pepê no jogo com o SC Braga
A influência de Pepê no jogo com o SC BragaOpta by Stats Perform

Tal como o indicado pelo gráficos abaixo, Nico aventurou-se um pouco mais no ataque descaído sobre a esquerda. Embora tenha somado mais toques na fase ofensiva, o espanhol jogou menos (saiu aos 78 minutos devido a cartão amarelo, Pepê aos 86). 

Influência de Nico no jogo com o SC Braga
Influência de Nico no jogo com o SC BragaOpta by Stats Perform

O golo cedo (Fábio Cardoso, aos 12 minutos) ajudou a estabilizar a equipa que se mostrou robusta e sólida, principalmente no meio campo. À exceção de uma grande oportunidade para Ricardo Horta - o jeito que dá ter Diogo Costa na baliza, parte 2 -, o poder de fogo bracarense foi contido, apesar da ausência de Banza, o melhor marcador do campeonato. No arranque do segundo tempo, a pressão alta voltou a resultar em grande penalidade, ganha e convertida por Evanilson. 

Tal como dito no início do texto, o pontapé dos 11 metros foi o prémio merecido de uma exibição estóica do avançado brasileiro: fez cinco recuperações de bola (o mesmo número que Nico, Varela e Pepê juntos), 20 passes certeiros, a maioria dos quais atrás do meio campo, e tocou na bola no meio campo ofensivo por 25 vezes.  

O mapa de calor de Evanilson contra o SC Braga
O mapa de calor de Evanilson contra o SC BragaAFP/Opta by Stats Perform

No final do jogo, Conceição reforçou o contributo do avançado: "O Evanilson, com e sem bola, é um jogador que nos dá muito. Liga o jogo como ninguém, tem uma capacidade e qualidade técnica acima da média. Com dois alas a jogar por fora como o Galeno e o Francisco, precisamos de outras nuances na equipa, com e sem bola. O Evanilson interpreta isso muito bem - tal como o Pepê. Com esses jogadores, mais o Nico e o Varela, por dentro a dar referências ofensivas e dois alas para desequilibrar, a equipa tem ganho com isso".

Futuro e alternativas

Com duas das melhores exibições da temporada, os dragões parecem ter encontrado a chave para o sucesso, não só para suprimir as ausências de Taremi e Zaidu (nas seleções), mas até ao final da temporada. O cartão amarelo visto por Nico González abre um espaço no onze para o jogo com o surpreendente Moreirense, sexto classificado, no sábado, às 20:30, que deverá ser ocupado por Eustáquio, partindo do princípio que a estrutura e opções se mantêm. 

Pode haver também as tais nuances que Conceição refere: o 4-3-3 pode facilmente ser convertido em 4-2-3-1 e, nesse caso, há outras soluções no plantel em quem apostar. Pepê pode mudar-se para a direita, abrindo espaço nas costas do ponta de lança para André Franco, Iván Jaime ou até Namaso. De igual forma, o brasileiro pode manter-se no centro e Jaime a cair no flanco. Isto partindo do princípio que Francisco Conceição - o melhor dos reforços desta temporada - tem a tal limitação de minutos e que o meio campo se mantém a três. 

No miolo, Grujic, Franco, Baró e até Vasco Sousa, da equipa B, podem juntar-se a Varela. E já que falamos de Vasco Sousa, o jovem internacional português é, provavelmente, o que mais se assemelha às características de Otávio no plantel portista... mas não tem sido opção.

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Acompanhe o relato ao vivo através da app ou siteFlashscore

A grande questão é o que fazer quando Taremi regressar... onde encaixa o iraniano? Não oferece o mesmo ataque à profundidade, nem aparece e desaparece atrás do meio campo para fazer trocas rápidas com os médios. Desce muitas vezes para pegar no jogo, mas atua mais como um pensador do que propriamente um dínamo. Ao mesmo tempo, nesta época de final de contrato, tem estado um pouco mais apagado, apesar de ser exímio a marcar golos e a servir os companheiros. Conjugá-lo com Evanilson leva, obrigatoriamente, a uma mudança na estrutura e à perda da robustez e controlo no miolo.

O último jogo do avançado, contra o Desp. Chaves (1-0), é mais uma prova dos problemas abordados no princípio da análise.caos organizado, a troca de bola coesa, mas pouco objetiva e jogadores a ocupar praticamente as mesmas posições. No gráfico abaixo Pepê (número 11) - a jogar sobre a esquerda - atuou quase em cima de Taremi (9), Toni Martínez (29) esteve mais avançado no terreno e André Franco (20), que atuava pela direita, aparece na mesma posição do que Varela (22).

Rede de passes no jogo com o Desp. Chaves
Rede de passes no jogo com o Desp. ChavesOpta by Stats Perform

Embora fique a sensação de que, com Taremi, Evanilson não tenha tanto espaço para se movimentar e se envolva tanto no jogo coletivo, Conceição negou, depois do hat-trick no jogo com o Estoril, que o brasileiro só rende sem o iraniano: 

"Isso são selos que se tentam colocar. Numa equipa de futebol com 11 jogadores, o importante é a dinâmica. Não tem a ver com o casamento. Obviamente que o jogo é feito de relações e é importante para os jogadores que jogam próximos uns dos outros terem esse conhecimento entre eles. O mais importante de frisar é o processo coletivo e o que provocámos e limitamos no adversário", argumentou.

Sem querer colocar em causa a qualidade do iraniano - que é muita e por isso seja alvo dos tubarões europeus quando acabar o contrato -, fica a sensação de que se o "importante é a dinâmica", essa melhorou e trouxe consigo resultados positivos e exibições seguras. 

O 4-3-3 apareceu em dois jogos e resultou em 6 golos marcados, 0 sofridos e um Evanilson a cuspir fogo. Talvez seja este o ponto de viragem da época, sem haver grande necessidade de recorrer ao mercado.

A opinião de André Guerra
A opinião de André GuerraFlashscore