A sua experiência internacional também chegou ao Newell's, onde desembarcou com estatuto de campeão do mundo para passar os seus conhecimentos para uma geração que dava os primeiros passos e que teria boa projeção internacional, com nomes como Samuel e Heinze.
Nesta entrevista exclusiva ao Flashscore, Ricardo Rocha fala sobre diversos assuntos de forma concisa e pontual, mas sem deixar de mostrar a sua personalidade. Recentemente, esteve no GoCup, um dos torneios de futebol de formação mais importantes do Brasil, no qual surgiu como embaixador e passou a sua vivência para jovens que ainda estão a começar no mundo da bola.
Com perfil para ser diretor ou gestor de futebol, função que já exerceu em clubes como São Paulo e Cruzeiro, Ricardo Rocha continua a ser uma lenda viva do futebol brasileiro, com uma trajetória de poucos, incluindo o título do Mundial de 1994, mesmo tendo tido o azar de não participar na maioria dos jogos por se ter lesionado na estreia contra a Rússia.
- Quais as maiores diferenças do futebol de hoje para o da sua época? Os defesas de hoje precisam de ter as mesmas características dos da sua época de jogador?
- A maior diferença está na preparação física, muita coisa mudou no futebol daquela época para agora. Hoje, o jogador corre mais e o campo é menor. As características fundamentais para um bom defesa continuam a ser a velocidade para antecipar as jogadas e levar vantagem nos desarmes, além de um bom posicionamento. Saber sair a jogar é importante, assim como ter um raciocínio rápido. Antes não se marcava tanto com a pressão como acontece agora.
- Gostaria de ter ficado mais tempo no Sporting?
- Sim, teria gostado muito. Mas o Sporting não tinha dinheiro, eu estava há sete meses sem receber. De lá, fui para o São Paulo, foi uma mudança muito boa pra mim naquele período. O São Paulo ensinou-me muito e foi uma pena ter deixado o Sporting, que atravessava uma grave crise financeira. Não tinha como ficar.
- Quais as lembranças que tem do Real Madrid? Lamenta, até hoje, ter feito três autogolos pelo clube?
- As lembranças que carrego até hoje são maravilhosas, carrego um grande carinho do clube e dos adeptos. Quando vou a Espanha, sou super bem recebido por todos. Fazer autogolos é uma coisa do jogo, ainda mais para um defesa. Às vezes, tentamos fazer um corte e ele sai mal, são coisas que fazem parte.
- Gosta do VAR?
- Gosto sim, mas acho que no Brasil ainda pode ser melhorado, demora muito. Na Europa, é mais rápido, aqui a demora é grande para se ter uma solução, precisa de ser mais ágil. Mas, de uma forma geral, eu aprovo.
- O VAR fez muita falta na sua época de jogador?
- Certamente. Alguns golos incríveis seriam anulados se tivesse o VAR naquela época. Seria ótimo se ele estivesse presente quando eu era jogador. Mas de pouco adianta pensar nisso agora. O VAR tirou um pouco do encanto por precisar da confirmação da cabine para comemorar um golo. Hoje, é preciso esperar para saber se estava ou não fora de jogo, tem toda a demora também. Mas é algo que traz mais justiça na maioria das vezes. Seria bom para quando eu era jogador, mas não adianta lamentar. Cada época tem as suas especificidades.
- Qual foi o treinador mais importante na sua carreira?
- Tive grandes técnicos. Mas um, especificamente, foi especial: Carlos Alberto Silva. Ele foi muito importante na minha vida, viu-me jogar no Santa Cruz e indicou-me para o Guarani. Levou-me para a seleção, foi um pai pra mim, uma pessoa fundamental na minha trajetória e na minha formação como atleta.
- Qual o maior jogador que já atuou na mesma equipa ou contra você?
- Não vou dizer o maior, prefiro citar três: Bebeto, Romário e Careca. Eram jogadores espetaculares. Habilidosos, técnicos, rápidos, que sabiam usar desta velocidade para fazer muitos golos. Joguei contra alguns grandes jogadores como Van Basten, Zamorano, Maradona e Gullit, mas estes três eram diferenciados pela técnica apurada.
- Acredita na história de "água batizada" no jogo entre Argentina e Brasil, no Mundial de 1990?
- Não só acredito como sou prova viva de que ela realmente aconteceu. Eu estava no jogo e lembro-me do Branco falar comigo e dizer que não se sentia bem quando estava a regressar da primeira parte. Disse-lhe que poderia ser o calor, mas não era isso. O que aconteceu na sequência foi história.
- Quais conselhos que dava para nomes como Heinze e Samuel, que jogaram consigo no Newell's e se tornaram grandes referências da posição?
- Quando fui para o Newell's, o presidente falou-me da importância que eu teria para atuar junto à juventude, como estes nomes que você citou. Era uma geração de muita qualidade e tentei ajudar da melhor maneira. Até hoje, seguimos com um carinho e uma amizade grandes, isso é o que se leva do futebol. Quando fui para lá, já era campeão do mundo, tentei ajudar da melhor forma.
- Onde é que o Dener, que jogou consigo no Vasco, poderia ter chegado?
- Onde ele quisesse. Ele tinha apenas 23 anos quando teve o acidente, jogámos juntos no Vasco e seu nível era muito alto. Difícil dizer onde poderia ter chegado, mas ele tinha uma malandragem e um nível técnico diferenciados. Era um jogadoraço. (nota: Dener foi uma das grandes promessas do futebol brasileiro. Em 1994, sofreu um acidente automobilístico no Rio de Janeiro e não resistiu, falecendo aos 23 anos).
- Acredita que a liga do futebol brasileiro vai sair do papel? Quais os maiores entraves?
- Tem tudo para sair do papel, mas já começa com problemas. Recentemente, a presidente do Palmeiras deu declarações com as quais concordo muito, a dizer que não era possível pensar nas questões individuais dos clubes e sim na liga e no futebol brasileiro de uma forma geral. Só assim, todos serão beneficiados, tendo uma boa renda e formação de boas equipas dentro de um grande campeonato. Vamos esperar para ver o que vai acontecer.
- Foi tranquila a decisão de se retirar?
- Foi sim, bem tranquila e rápida. Eu esperei pelo momento certo, tinha quase 37 anos, foram 20 anos como jogador e tinha certeza do que queria naquela época. Quando decidir parar, era algo definitivo. Alguns param e voltam, mas não foi o meu caso. Foi uma decisão consciente e bem tranquila.
- Gosta da ideia de um estrangeiro como técnico da seleção?
- Digo sempre que, se tiver qualidade para comandar uma equipa, não sou contra. Mas ainda acho que temos bons treinadores brasileiros com condições de assumir o comando da seleção. Eu optaria por um brasileiro atualmente.
- Algum cargo que gostaria de exercer no mundo do futebol? Acha que tem perfil para desempenhar bem qual função?
- Acho que tenho perfil para diretor ou gestor de futebol. Gosto muito de trabalhar com o ser humano e com a organização de um clube. São cargos que me interessam dentro de um clube de futebol.
- O que dizer da chance de ser embaixador de um torneio como o GoCup?
- Fiquei muito feliz e empolgado quando recebi o convite. Pude ver de perto como o torneio é bem organizado. Fiquei impressionado com a pontualidade das partidas, até brinquei com o pessoal dizendo que estavam sendo mais pontuais que a FIFA e os suíços. É um trabalho muito sério que eles realizam, é um orgulho fazer parte do projeto como embaixador.
- Que mensagem passou para os meninos do torneio?
- Falei com eles e disse-lhes para continuarem a sonhar e a trabalhar, mas que não deixem de estudar. São jovens de 6, 8, 10 ou 12 anos. Nesta idade de 10 ou 12, eles começam a ter uma noção melhor, mas ainda são muito novos. Reforcei a questão do estudo porque o futebol pode não se concretizar para eles como desejam. Mas eles podem tornar-se profissionais do futebol como advogados, médicos, fisioterapeutas e seguirem dentro do mundo da bola.