Lingard e Dele Alli, dois casos que mostram que o futebol não é um mar de rosas

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Lingard e Dele Alli, dois casos que mostram que o futebol não é um mar de rosas

Dele Alli em outubro do ano passado, ao serviço do Besiktas
Dele Alli em outubro do ano passado, ao serviço do BesiktasProfimedia
Na semana passada, Dele Alli quebrou o seu silêncio após um longo período afastado do futebol. O médio falou do seu tratamento de reabilitação, mas também dos abusos de que foi vítima quando era mais novo. Há alguns meses, Jesse Lingard também falou sobre o passado depressivo da sua mãe.

Razões de fracasso ou razões de sucesso? É frequente dizer-se que o futebol é um elevador social, que permite aos jovens de bairros desfavorecidos ter uma carreira profissional importante e uma boa situação financeira, se todos os elementos estiverem corretos. Mas o que acontece quando, além de viverem na pobreza, têm de lidar com a depressão dos pais, o alcoolismo ou a violência perpetuada pelo seu círculo mais próximo?

Na passada quinta-feira, Dele Alli abriu o livro sobre o seu passado. Falou do tempo que passou num orfanato e das várias formas de violência a que esteve exposto desde muito novo. Foi um choque para todo o mundo do futebol, que não estava à espera de descobrir uma realidade tão cruel.

Antes dele, Jesse Lingard também falou num podcast, em janeiro, sobre a depressão da sua mãe, quando ele ainda era uma criança. Assim, já tinha desferido um golpe na imagem suave e impecável que os desportistas de topo costumam projetar. Alli seguiu-lhe as pisadas.

Esperanças perdidas

Os dois jogadores ingleses estão entre aqueles em quem muitas esperanças foram depositadas quando começaram a jogar. Um tem 30 anos, o outro 27, e ambos tiveram os seus momentos de brilho na seleção nacional inglesa e nos respectivos clubes. Tanto no Manchester United coo no Tottenham, as expectativas eram altas para Lingard e Alli. Mas o seu pico de consistência nunca chegou. Pelo contrário, o nível dos jogadores só regrediu. Atualmente, o jogador natural de Warrington joga no Notthingham Forest. O de Milton Keynes joga no Besiktas. E as coisas não são exatamente um mundo cor-de-rosa.

Enquanto Lingard está a sair-se muito bem, com estatuto de titular, as coisas pioraram para Dele Alli. O jogador confessou, no programa"The Overlap" que, por vezes, olhava-se ao espelho depois de um treino e perguntava se poderia reformar-se aos 24 anos.

O médio tem estado ausente dos meios de comunicação social e do relvado nos últimos meses e explicou que teve de se retirar para um centro de reabilitação para tratar o seu vício em comprimidos para dormir.

"Por fora, eu parecia feliz. Ia para o treino com um sorriso no rosto, mas por dentro estava a perder a minha própria batalha contra os meus demónios", assumiu Dele Alli.

Na mesma linha, Lingard falou sobre a sua experiência e o declínio mental relacionado com a sua carreira no podcast "The Diary of a CEO".

"Não estar no Euro 2020, depois da época que tive, perguntei-me como era possível que não me convocassem", confessou.

Lingard também abordou o tema da depressão sofrida pela sua mãe, o seu internamento no hospital durante a época 2019/2020 e o facto de ter recorrido ao álcool para esquecer a sua vida, bem como as críticas.

"Costumava beber antes de ir para a cama, bebia um copo à noite", confidenciou.

"Olhando para trás, pergunto-me porque é que fiz isso. Mas precisava de alguma coisa para tentar aliviar a dor. Os adeptos falam e criticam o teu desempenho, mas também não sabem o que passas fora do campo. Durante esse período, tudo era insípido e vazio. Ia para os treinos com uma máscara, tentava fazer piadas, mas sofria de ansiedade. Era como se o peso do mundo estivesse sobre os meus ombros", explicou.

Problemas sociais são tabu

"Quero ajudar os outros, para que saibam que podem confiar em mim. Falar sobre isso não os torna fracos", salientou Dele Alli na sua entrevista.

Mas o seu vício em comprimidos para dormir não foi a única revelação do jogador. As palavras que mais abalaram o mundo do futebol foram as que se referem à sua infância e aos maus tratos de que foi vítima.

"Quando tinha seis anos, fui abusado sexualmente por um amigo da minha mãe, que ia muitas vezes lá a casa. A minha mãe também era alcoólica quando eu tinha essa idade. Fui enviado para África para aprender a ter disciplina e depois regressei. Aos 7 anos, comecei a fumar. Aos 8, estava a vender droga. Aos 11, fui enforcado numa ponte. Aos 12, fui adotado", elencou.

São pormenores assustadores, mas que refletem a dura realidade da sociedade em que cresceu. Problemas que reflectem a experiência do próprio Lingard, de ter de viver com uma mãe ausente.

"Quando eu era miúdo e queria ser jogador de futebol, a minha mãe não conseguia tomar conta de mim. Ela sofria de depressão e ficava na cama o dia todo. Mas só percebi o que se passava aos 16 anos (...) Acho que foi difícil para ela ter um filho", explicou, em janeiro.

Agora em recuperação, a mãe do jogador ainda sofria de uma doença mental, o que inevitavelmente contribuiu para o desenvolvimento do seu filho.

Ao abrirem-se sobre estes assuntos, os dois jogadores ingleses estão a começar a destruir um tabu e um mito. Ser um futebolista de alta competição não o protege de problemas mentais. Também não significa que tudo esteja bem nas suas vidas.

Em outubro passado, um estudo da Associação de Futebolistas Profissionais revelou que pelo menos 10% dos futebolistas ingleses sofriam de ansiedade. 5% deles já tinham tido pensamentos suicidas.