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Opinião: Acordo de Messi com Inter Miami é ousado e MLS agradece por novo patamar alcançado

Messi e Adidas mantêm a parceria, agora nos EUA
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O acordo de Lionel Messi com o Inter Miami, do astro inglês David Beckham, surpreende muitos pelo facto do craque argentino rumar a uma Liga que não está entre as melhores do mundo, mas também pela forma como a negociação se deu. Messi abriu mão dos petrodólares da Arábia Saudita, oferecidos pelo Al-Ittihad e preferiu garantir o seu futuro, sabendo que a espera por uma definição do Barcelona podia ser longa demais.

A presença de Messi na Major League Soccer (MLS) promete alavancar o torneio local, com o jogador a lucrar com o salário prometido e com uma negociação que envolveu outros patrocinadores, realidade que ainda é incipiente no mundo do futebol.

Pouco interferiu para o jogador fechar acordo com um clube que perdeu 13 dos últimos 16 jogos, ocupando a parte de baixo da tabela. Os bilhetes para os jogos do novo clube do argentino, em casa e fora de casa, já viram o preço disparar. Além do argentino, o clube da Flórida também confirmou a contratação de Busquets, que estava no Barcelona, e do técnico argentino Tata Martino.

O acordo de Messi com o Inter Miami lembra, em parte, a forma como se deu o acerto entre David Beckham, hoje acionista do clube, que foi criado com a sua ajuda em 2018, com o Los Angeles Galaxy, que também disputa a MLS.

Em 2007, Beckham fechou com o clube californiano num negócio que foi considerado um fenómeno de popularidade, um evento mediático de grande expansão da Liga, que agora vê o filme repetir-se novamente, com benefícios para um novo personagem.

Know how

Uma das promessas do acordo com Beckham era de a MLS ceder uma opção de compra de uma futura franquia após a sua reforma, por um valor congelado, o que acabou acontecendo com a aquisição do Inter Miami. O segundo ponto foi a franquia ceder uma percentagem (não divulgada) de toda a receita do clube ao jogador.

O que era para ser um faturamento do jogador de US$ 32,5 milhões chegou perto dos US$ 500 milhões nos cinco anos que o camisola 23 atuou em Los Angeles. 

Messi está perto de desfilar o seu talento na MLS
Messi está perto de desfilar o seu talento na MLSAFP

Talvez Beckham, que chegou a ser o miúdo-propaganda da Armani, tenha usado do próprio know how para convencer e atrair Messi. “Seria difícil imaginar um nome maior que o Messi para chegar à MLS. Até por ser um outro modelo de negócio, toda a Liga está satisfeita com esta contratação. Todos sabem como isso vai atrair holofotes para a MLS. A Liga mudou muito a forma de se posicionar no mercado nos últimos cinco anos".

"Até há uma década era considerada uma Liga de reformados e tinha um baixo nível técnico. Hoje, a Liga é importadora de jovens talentos e exportadora de bons jogadores”, comenta Rafael Oliveira, comentador e analista que participa do Futcast, podcast do Flashscore.

Negócio fechado

Parte da receita de novos assinantes do MLS Season Pass, da Apple TV+, vai ser destinada a Lionel Messi. A Apple vai lançar, ainda, uma série documental em quatro partes, que tem Messi como principal tema, com o hermano também a poder lucrar com esta divulgação. Os aumentos nos lucros que a Adidas tiver com Messi na MLS também terão uma participação indo diretamente para o bolso do jogador, que mantém parceria com a empresa desde 2006.

Amir Somoggi, sócio diretor da Sports Value, lembra que, neste caso específico, os interesses vão além do próprio acordo comercial. “Temos a Apple a precisar de aumentar a base de assinantes do MLS Pass, além da Adidas, que é patrocinadora da Liga e do atleta. Isso, por si só, possibilitou uma sinergia”, conta.

Somoggi reforça que o caminho normal, neste tipo de transação, tem um outro sentido. “O que costuma acontecer é o clube pagar caro por um atleta e aumentar os patrocínios, vendas de produtos, direitos internacionais com realização de amigáveis, além das receitas de bilheteira pela presença deste jogador".

"Foi uma estratégia extremamente ousada do Inter Miami, que vai de encontro com a necessidade da Liga de atrair maior visibilidade. O Inter Miami, entre todos os clubes de ligas desportivas americanas, tem um dos maiores números de seguidores”, explica. 

A costura de tal tipo de acordo precisa de ser bem feita para todos os participantes se sentirem valorizados e serem recompensados pelos esforços e participações.

"É uma relação que tem que beneficiar todos os players (clubes, atletas, patrocinadores, adeptos). Todos têm que sentir valor na operação, seja ela monetária ou não. Se um dos players não vê valor, a operação fica torta e não lucra. A relação patrocinador (aquele que dá) e patrocinado (aquele que recebe) está a mudar. Todos precisam de trabalhar juntos e lucrar mais. Desta forma, o ganho é coletivo e maior", diz Eduardo Corch, Professor de Gestão de Esportes do Insper.

Presença de Messi tem tudo para ser diferencial para a MLS
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Grandes estrelas exigem acordos diferenciados

Nomes de expressão, como Messi, exigem um acordo diferenciado, com mais do que salários e direitos de imagem a entrarem na jogada. Tal tipo de movimento, no entanto, tem crescido quando se tem referências envolvidas, sabendo do poder destas figuras para transformar uma marca, seja ela de clube ou de uma Liga.

“Apesar de ser um acordo inovador, especialmente pelo facto de Messi passar a receber uma percentagem das vendas de pacotes de MLS via Apple TV, o modelo de participação em lucros tem crescido no desporto e no entretenimento. Atletas e artistas têm recebido remuneração variável como parte dos acordos para se tornarem embaixadores de marcas".

“Esse movimento já acontece desde acordos como o de Michael Jordan com a Nike, como retratado no filme Air, mas também tem sido oferecido por empresas do universo de tecnologia, como exchanges de criptomoedas ou startups, que oferecem ações da empresa em contrapartida para ter essas personalidades comprometidas com o resultado delas”, afirma Felipe Soalheiro, Diretor Executivo da SportBiz Consulting, consultoria especializada em ativação de marcas no desporto.

Atleta x clube do coração

No Brasil, casos similares de clubes a procurarem crescimento da sua marca por meio de atletas de grande representatividade já aconteceram, como foi com Ronaldo no Corinthians, Seedorf no Botafogo e Daniel Alves no São Paulo.

Nos Estados Unidos, por sua vez, o apelo costuma ser maior quando o nome de um grande atleta está envolvido, como explica Álvaro Cotta Teixeira da Costa, diretor de marketing da Liga Nacional de Basquete (LNB).

Os números de Messi na última edição do Campeonato Francês
Os números de Messi na última edição do Campeonato FrancêsFlashscore

“O futebol explora bastante esse cenário porque há uma maturidade da exploração de receitas. O que acontece, em muitos casos, é a maior valorização da marca do próprio clube, ou seja, a paixão e a lealdade do fã pelo clube está acima da admiração por um atleta específico". 

“No mercado americano, o atleta é um grande pilar da cultura do país e um ativo de forte apelo para os consumidores e fãs do desporto. Há casos de maior fidelidade dos fãs ao atleta do que a uma equipa específica. A própria cobertura da imprensa concentra muitos esforços em contar as histórias de sucesso e de contribuição das estrelas do desporto com a sociedade. O sucesso profissional é um pilar do estilo de vida americana. No caso do Inter Miami, o Messi traz a perspetiva de promover o clube em toda a comunidade americana e também no mercado internacional".