Reportagem Flashscore: "Kvaradona", o georgiano que veio para conquistar Nápoles

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Reportagem Flashscore: "Kvaradona", o georgiano que veio para conquistar Nápoles

Reportagem Flashscore: "Kvaradona", o georgiano que veio para conquistar Nápoles
Reportagem Flashscore: "Kvaradona", o georgiano que veio para conquistar NápolesProfimedia
Khvicha Kvaratskhelia é considerado o próximo Diego Maradona e recebeu o apelido dos adeptos do Nápoles para reforçar essas expectativas. Mas, quando se é comparado ao melhor jogador da história do clube e um dos maiores jogadores da história do futebol, a pressão é garantidamente enorme, não apenas sob o Monte Vesúvio, mas também na sua Geórgia natal, onde um país inteiro sonha com a qualificação para a fase final de um grande torneio.

Numa das paredes que envolvem o estádio do Dínamo Tbilisi, na rua Tsereteli, a imagem de um jovem a beijar o emblema nacional chama a atenção daqueles que passam. Trata-se de um dos jogadores que cresceram na academia local, mas que agora veste a camisola do Nápoles. Abaixo, no mesmo mural, também pode ser vista a assinatura da autora: Elina 2022.

"Quando eu estava a pintar, muitas pessoas pararam e olharam para mim. Tiravam fotografias e iam agradecendo. As crianças passavam na rua, olhavam com ânimo para o que estava a fazer e iam dizendo aos pais: "Olha! Olha! Ela está a pintar o Kvara!”

Elina Miminoshvili diz que Kvara é uma inspiração para todos os georgianos
Elina Miminoshvili diz que Kvara é uma inspiração para todos os georgianosElina Miminoshvili

Elina Miminoshvili é uma artista de rua que vive na capital da Geórgia e Kvara é Khvicha Kvaratskhelia, o jogador de futebol que vem surpreendendo toda a Europa, a par da espetacular campanha do Nápoles na presente temporada.

"O Kvara é uma inspiração para todos nós. A forma como ele conseguiu progredir no desporto motiva-nos a todos, independentemente da área em que trabalhemos ”, diz Elina ao Flashscore.

Encorajada pelo sucesso da pintura nas grades do estádio do Dínamo, a artista continuou a imortalizar um dos futebolistas mais populares do momento, ao pintar duas versões do futebolista georgiano no muro de uma casa da cidade.

Uma dessas versões reflete o seu habitual festejo, enquanto na outra o avançado surge de punhos cerrados, com a camisola da equipa italiana e umas caneleiras na mão com o símbolo da Geórgia, numa alusão às vitórias que conquista em terras transalpinas e à importância da conexão mantida com seu país.

Khvicha Kvaratskhelia vem-se tornando no orgulho da Geórgia
Khvicha Kvaratskhelia vem-se tornando no orgulho da GeórgiaElina Miminoshvili

"Este menino é o orgulho de todo o país. Fico feliz quando vejo crianças muito pequenas a falarem dele, porque é um exemplo para as gerações futuras ", diz Elina, que admite que, antes de Kvaratskhelia, o futebol não lhe interessava.

"Sinceramente, eu não me interessava por futebol. E conheço muitas pessoas que não se interessavam também, mas que agora vêem todos os jogos. Não conheço nenhuma família vizinha que não veja aos jogos dele. As pessoas encontram-se na casa de alguém, vão a restaurantes, a bares e cafés para ver o Kvara jogar", sustenta.

"Quando ele joga e eu não tenho tempo para ver, tento saber imediatamente se ele marca um golo. 'Kvara goool' pode ouvir-se de todas as casas, de todos os cafés, de todas as esquinas", revela Elina, enquanto descreve a atmosfera festiva em Tbilisi quando o jogador favorito da cidade marca.

"Quando há jogo, é uma loucura na cidade", diz Giorgi Romanidze, representante de uma empresa de apostas local, em declarações ao Flashscore. "A cidade transforma-se no dia do jogo e já se tornou num hábito as pessoas reunirem-se para verem o Nápoles jogar. O interesse é grande em todo o país e o entusiasmo que Khvicha criou na Geórgia em torno do futebol, do Nápoles e dele é algo nunca antes visto".

"O Nápoles tornou-se num dos clubes mais populares e queridos da Geórgia graças ao Kvara. As pessoas tentam prever quantos golos é que ele vai marcar ou quantas assistências vai fazer", explica, sublinhando que "as informações sobre os seus jogos tornam-se imediatamente virais nas redes sociais".

"Até os detalhes mais insignificantes acabaram por ter interesse para os adeptos. Todos querem estar informados antes e depois do jogo", acrescenta Giorgi Romanidze.

O entusiasmo é tão grande que a casa de apostas que Giorgi representa decidiu fazer um documentário sobre a estreia da temporada de Kvaratskhelia em Nápoles, tendo escolhido para o elenco um dos mais famosos atores georgianos, Giorgi Bakhutashvili.

"O mundo quer saber o que está a acontecer fora do estádio, como é que a equipa se está a preparar, como é que o Kvicha se adaptou à nova cidade e ao novo clube. Querem saber o que significa para ele o impacto que tem em Nápoles e o que é que as pessoas de lá pensam dele. Este filme dará às pessoas a oportunidade de conhecerem mais detalhes sobre os temas mais interessantes" , explica Giorgi Romanidze. 

Um diamante por lapidar

Khvicha Kvarastkhelia nasceu em Tbilisi, em fevereiro de 2001. Aos oito anos já demonstrava boa relação com a bola e não demorou muito para progredir nos vários escalões da academia do Dínamo Tbilisi.

Aos 16 anos estreou-se pela equipa sénior, tendo feito quatro jogos pelo clube antes de assinar pelo FC Rustavi, em março de 2018. 

Fundado em 2015, o clube só precisou de dois anos para chegar à divisão maior do país, mas, depois de uma boa primeira temporada, o contexo inverteu-se no início de 2019, altura em que Kvaratskhelia foi emprestado ao Lokomotiv Moscovo.

Fez apenas sete jogos, e um único como titular, mas, ao deixar o clube, o pai de Khvicha, o antigo internacional azeri Badri Kvaratskhelia, revelou que o treinador do Lokomotiv "teve vontade de chorar" quando percebeu que não conseguia segurar o avançado no clube.

Kvaratskhelia foi eleito Jogador do Mês por quatro vezes na Rússia
Kvaratskhelia foi eleito Jogador do Mês por quatro vezes na RússiaProfimedia

Seguiu-se o Rubin Kazan, para o qual o FC Rustavi o transferiu por 600 mil euros e onde o jovem georgiano começou a desenvolver as qualidades que acabariam por colocá-lo no radar dos grandes emblemas da Europa.

Na sua temporada de estreia na primeira Liga da Rússia, Kvara foi eleito "Jogador do Mês" por quatro vezes, o que levou o diário desportivo francês L'Équipe a incluir o seu nome na lista dos melhores jogadores nascidos no século XXI.

De volta a casa

Pouco depois de Vladimir Putin dar ordem para a invasão russa à Ucrânia, a FIFA determinou que jogadores de futebol e treinadores estrangeiros associados a clubes das ligas russas podiam suspender os seus contratos, algo que Kvaratskhelia fez.

O plano era voltar a Kazan quando o contexto o permitisse, mas o avançado não antecipou a fúria dos adeptos georgianos, que se mostraram dececionados pelo facto de Kvara não ter revelado intenções de deixar definitivamente a Rússia, especialmente tendo em conta o contexto histórico político, já que, em 2018, a Geórgia sofreu também às mãos dos russos, que enviaram tanques para as zonas fronteiriças.

Só quando a família começou a receber ameaças é que Khvicha decidiu rescindir o contrato que o ligava ao Rubin Kazan, prosseguindo o seu percurso no país natal, ao serviço do Dínamo Batumi.

Um passo que, aparentemente, constituiu um retrocesso na carreira do avançado, que, ainda assim, mantinha um bom registo do período passado na Rússia. A isso, juntou oito golos em apenas 11 jogos disputados pelo Dínamo Batumi, captando a atenção dos responsáveis de scouting dos grandes clubes da Europa.

Kvara... quem?

O Nápoles terminou a temporada 2021/2022 no terceiro lugar na Série A e garantiu um lugar na Liga dos Campeões da época seguinte. Um claro progresso, tendo em conta que, um ano antes, a formação italiana tinha terminado a campanha interna no quinto lugar, a apenas um ponto das posições de acesso à mais importante competição europeia de clubes.

Contudo, o sonho dos adeptos em verem o clube dar um passo em frente, e talvez até conquistar o primeiro título em 33 anos, ficou em suspenso com a notícia de que quatro dos jogadores mais importantes da equipa deixariam Nápoles. 

A venda de Kalidou Koulibaly e Fabian Ruiz assegurou 60 milhões de euros para os cofres do clube, mas dois dos jogadores mais queridos do clube, o capitão Lorenzo Insigne e o maior marcador de todos os tempos do emblema, Dries Mertens, acabaram por sair a custo zero no final dos respetivos contratos.

Para os seus lugares, foram trazidos o defesa sul-coreano Kim Min-Jae, por cerca de 19,5 milhões de euros, e os avançados Giovanni Simeone e Giacomo Raspadori, por valores a rondar os 45 milhões. Já o médio Tanguy Ndombélé chegou por empréstimo do Lyon.

A transferência mais barata para o Nápoles foi a do georgiano de 21 anos, Kvicha Kvaratskhelia, pelo qual o técnico Aurelio De Laurentiis pagou 10 milhões de euros.

"Kvara... quem?", perguntaram, provavelmente, os adeptos. A estratégia de ataque ao mercado de transferências parecia confirmar que a equipa procurava uma reconstrução a longo prazo, em vez do tão esperado título.

Um sonho tornado realidade

15 de agosto de 2022. O Nápoles começa a temporada fora, em Verona, e todos os adeptos estão curiosos para ver as novas contratações em ação. 

Perto dos 30 minutos, o Hellas Verona inaugurou o marcador na sequência de um canto e de aparente confusão entre a defesa napolitana. 

No entanto, sete minutos depois, Hirving Lozano, a segunda contratação mais cara da história do Nápoles, cruzou pela direita e Kvaratskhelia cabeceou para restabelecer a igualdade.

Um golo na estreia é o sonho de qualquer jogador e Kvara acabava de o conseguir, juntando-lhe ainda a assistência decisiva para o 3-2. 

No complexo mundo do futebol, porém, um bom jogo não significa muito. Pode ser apenas uma coincidência, mas também pode ser o começo de um conto de fadas. Para Kvara foi a segunda opção.

Os dois golos contra o Monza, em casa, seguidos do tento na vitória fora contra a Lazio, fizeram os adeptos perguntar se o cube teria feito o negócio do ano. A resposta veio no jogo da Liga dos Campeões diante do Liverpool. 

Mesmo sem marcar, Kvaratskhelia foi o jogador que mais chamou a atenção. As investidas pelo flanco esquerdo do ataque fizeram com que Trent Alexander-Arnold parecesse o estreante na principal competição de clubes da Europa e, depois do apito final, com uma improvável vitória por 4-1 diante o finalista da prova no ano anterior, não havia dúvida: o Nápoles tinha desenterrado um diamante.

"O meu maior sonho é ganhar a Liga dos Campeões com o Real Madrid. Sou adepto do Real desde pequeno, costumava ver os jogos com os meus irmãos" , confessou Kvaratskhelia, em entrevista, antes de dar o grande passo para a Série A.

Contudo, depois de chegar a Itália, o avançado reformulou a ideia, dizendo que o seu sonho já se tinha tornado realidade porque já tinha chegado a um clube importante na Europa. E os adeptos começaram a sonhar também.

Do anónimo Kvara ao "Kvaradona"

A Itália é o país de Miguel Ângelo, mas também de Il Pinturicchio, Del Piero. Deu-nos o autor da Divina Comédia, mas também o Codino Divino, Roberto Baggio. Os adeptos idolatram grandes jogadores e divinizam-nos, dando-lhes apelidos para expressar o respeito e carinho que têm por eles. 

Gabriel Batistuta continuou Re Leone (Rei Leão), mesmo depois de se transferir da Fiorentina para a Roma, que tem em Francesco Totti o eterno Capitano.

Um apelido é a forma de os adeptos sinalizarem que o jogador tem algo especial, algo que merece destaque especial.

"Kvaravaggio" diziam os napolitanos ao jovem georgiano que lhes parecia driblar como um grande pintor manuseia o pincel. Mas o maior elogio que pode ser feito a um jogador do Nápoles é a comparação com Maradona.

El pibe de oro está ligado aos dois únicos títulos do Nápoles, obtidos em 1987 e 1990, e a esperança que paira sobre a cidade inteira, de que possa recuperar sua antiga glória, estão agora ligadas a "Kvaradona".

Diego Maradona está associado aos dois únicos títulos conquistados pelo Nápoles
Diego Maradona está associado aos dois únicos títulos conquistados pelo NápolesProfimedia

"Não estou sequer perto de Maradona, mas vou dar tudo para me tornar um grande jogador deste clube", disse Khvicha. E os números, até agora, antevêem-lhe um futuro brilhante. 

As estatísticas até ao final de outubro mostravam que ele criava 5,6 oportunidades de finalização a cada 90 minutos. Em média, uma dessas oportunidades surgia na sequência de um drible, o que o coloca no topo da tabela mundial nessa categoria. 

As mais de oito tentativas de drible por jogo dificultam a marcação dos adversários e permitem que Kvara chegue às principais áreas do relvado com mais facilidade. E o fato de estar confortável a jogar com ambos os pés constitui uma vantagem que muitas vezes lhe permite transformar situações complicadas em oportunidades de golo. 

"Kvara tem essa habilidade extraordinária de jogar com os dois pés. A sua versatilidade torna-o estratosférico ", disse o treinador do Nápoles, Luciano Spaletti, depois da vitória da equipa (3-1 contra o Torino), com mais um golo de Kvaratskhelia. 

A esperança de uma nação

Em 2020, a Geórgia estava a um pequeno passo de se qualificar para sua primeira grande fase final, a do Euro-2020. A recém-criada Liga das Nações ofereceu, mesmo às equipas com classificação mais baixa, a oportunidade de sonharem com o Campeonato Europeu.

Os georgianos venceram o seu grupo da Liga D e, depois de mais uma vitória sobre a Bielorrússia nas meias-finais do play-off, estavam preparados para disputar o seu lugar no Europeu contra a Macedónia do Norte. 

Kvaratskhelia testou positivo para a COVID-19 antes mesmo do jogo e o facto de o encontro ser disputado em casa não traduzia grande vantagem, uma vez que o mesmo seria realizado à porta fechada devido à pandemia. A Geórgia perdeu 1-0 e viu o sonho cair por terra.

"Agora, as esperanças são ainda maiores", diz Giorgi Romanidze. "Primeiro, porque Khvicha é um jogador mais completo e experiente, e joga num grande clube. É importante que os restantes jogadores da seleção estejam a passar por um bom momento e que o ambiente na equipa seja extraordinário."

"A seleção nacional foi a melhor de toda a Liga C da Liga das Nações. Isso significa que jogaremos a meia-final do play-off em casa e, por isso, temos uma grande possibilidade de chegar ao Euro-2024."

Com "uma sequência de 11 jogos sem derrotas" e "em grande forma", a Geórgia tem em Khvicha Kvaratskhelia "o líder desta equipa" e aquele "em quem os georgianos depositam todas as suas esperanças", acrescenta Giorgi Romanidze.

"Faça o que quiser com o seu coração" é a mensagem escrita entre as duas imagens de Khvicha pintadas por Elina Miminoshvili. Isso leva-nos a perguntar qual a mensagem que a artista gostaria de transmitir ao jogador de futebol se tivesse essa oportunidade.

"Não pares! Tu és a nossa fonte de inspiração. Pelo que fazes, consegues motivar muitas pessoas. Então, não pares".