Parte I - Luka Doncic, o miúdo da "Pequena Suíça dos Balcãs" com um dom

Do estatuto de "rapaz que nasceu para jogar basquetebol" ao de MVP da Europa e de Espanha, foi apenas um curto passo para este "miúdo especial", que recebeu excecionalmente uma bolsa do Real Madrid aos 12 anos.

Treinador do clube espanhol de 2011 a 2022, Pablo Laso foi responsável por lançar o esloveno no grande palco, polindo-o depois antes de estar pronto para partir para os Estados Unidos: "Luka (Dončić), no fundo, só queria jogar basquetebol. Tive de o fazer compreender que este desporto era uma 'espécie de obrigação' para ele, como qualquer trabalho", contou.

O treinador basco, atualmente ao leme do Bayern de Munique, foi um dos fatores determinantes no desabrochar - perfeito - de Luka Dončić como profissional. O cenário e o ambiente que experienciou na Ciudad Real Madrid e o treino que recebeu permitiram-lhe tornar-se no jogador que foi nessa época histórica de 2017-2018. O final da história no Velho Continente é conhecido: uma sala de troféus repleta de títulos coletivos e individuais.

Um rapaz "normal"

Camimo de Sintra, Valdebebas, Madrid. No "pabellón" ("pavilhão" em espanhol) da Ciudad Real Madrid, é aqui que todas as manhãs os jogadores, treinadores e equipa técnica do Real Madrid Baloncesto trabalham e se preparam para os jogos. Foi aqui que Luka Dončić aperfeiçoou o treino com os homens grandes de 2015 a 2018, ou seja, durante três épocas, entre os 15 e 18 anos.

Para este jovem e talentoso jogador de basquetebol, se havia uma faceta da sua personalidade que impressionava os colegas e as pessoas que o rodeavam, era o seu comportamento de adolescente normal. O tipo de miúdo que chegava ao treino de manhã depois de ter jogado Call of Duty na noite anterior. O tipo de jogador que, quando os estagiários do departamento de comunicação do clube se apresentaram a ele em 2016-2017, respondeu: "Olá, sou o Luka".

A sério, Luka? Sim, a sério. Assim como buzinar a esses mesmos estagiários à saída do WiZink Center depois de um jogo, como se nada tivesse acontecido. "O Luka sempre foi um rapaz normal que se adapta facilmente a um grupo. Quando eu o treinava, para ele o basquetebol era um jogo, não uma profissão. E, na minha opinião, esse foi um fator fundamental para o seu sucesso. No final de contas, ele jogava sem pressão", explicou Pablo Laso.

Tão sem pressão que, mesmo depois de um jogo perdido, era um dos poucos na equipa que cumprimentava os estagiários antes de entrar no balneário. Além disso, depois das sessões de treino, passava-lhe pela cabeça dizer a esses rapazes para jogarem um contra um com ele. Em suma, o esloveno era apenas mais um adolescente...

"Era preciso fazê-lo compreender - era quase uma obrigação - que havia um objetivo e uma expetativa em torno dele. Porque, no fim de contas, ele só queria jogar basquetebol. E é isso que me emociona hoje quando vejo o que ele está a fazer na NBA. Cada jogo tem o seu objetivo e em cada jogo ele tem que se superar".

A chave do sucesso para Luka Dončić é essa famosa normalidade. Graças a isso, conseguiu tornar-se no 21.º jogador a estrear-se na Euroliga antes dos 17 anos. Também foi eleito para a melhor equipa sub-23 da La Liga na época 2015-2016. A 4 de dezembro de 2016, tornou-se o jogador mais jovem a conseguir um duplo-duplo nesse campeonato.

Poucos dias depois, a 22 de dezembro de 2016, foi nomeado co-MVP da 13.ª jornada da Euroliga, tornando-se o jogador mais jovem a conquistar o título de MVP numa jornada. Desempenharia um papel vital para a sua equipa nos playoffs da competição europeia contra o Darüşşafaka, carregando-a até à final four. Em maio, Dončić foi eleito a maior promessa do torneio, antes de ser amplamente eleito o melhor jogador jovem da liga espanhola.

Adaptação ao estatuto de MVP no Real Madrid

"Era um rapaz com um enorme talento, e descobrimo-lo muito cedo no Real Madrid", diz Pablo Laso. Nas duas primeiras épocas, as prestações foram surpreendentes para a criança da "pequena Suíça dos Balcãs". Na época 2017-2018, que antecedeu a partida para a NBA, foram simplesmente espantosas.

O esloveno parece ter levado a sério os conselhos de Pablo Laso. De facto, Dončić passou horas e horas com ele após os treinos, trabalhando o tiro de longa distância - uma das armas mais formidáveis atualmente. A relação entre ambos foi a de um mentor e um pupilo. O espanhol orientava o seu jogador, enquanto este, com admiração por Laso, ouvia atentamente, sabendo que só podia aprender.

A primeira metade da época foi estrondosa e, embora muitos esperassem que Dončić assumisse a liderança da equipa, poucos imaginavam que o conseguisse com aquelas estatísticas. Em outubro, com 18 anos, 10 meses e 2 dias, tornou-se o mais jovem MVP do mês na história da Euroliga, repetindo depois o desempenho em dezembro. Os espanhóis qualificaram-se então para os playoffs ao terminarem em 5.º e Luka Dončić ainda não tinha atingido o pico de forma...

"A sua maior qualidade quando o treinei era o facto de se adaptar muito rapidamente ao que lhe pediam e a qualquer posição. Podia jogar como base, poste 2, 3, 4... Era um verdadeiro camaleão, compreendia as coisas muito rapidamente".

E, de facto, o esloveno adaptava-se de acordo com os companheiros de equipa que o acompanhavam no campo. Se Llull estava presente, posicionava-se a 2 ou 3 metros de profundidade e deixava a bola para o base espanhol. Mas, quando todos os líderes do balneário estavam no banco, era ele quem assumia o papel de pegar a bola e organizar o ataque.

"Isso é algo que podemos ver novamente na NBA", indicou o treinador de 56 anos. "Ele é um jogador que se adaptou muito facilmente às exigências do jogo. E hoje tem muitas responsabilidades no jogo, onde precisa fazer muitas coisas em situações de 1 contra 1, 2 contra 2... E encontra sempre uma solução. Acho que a palavra que o define perfeitamente é 'adaptação'".

Com apenas 19 anos, Lukita tornou-se o melhor jogador da Europa. Levou o Real Madrid à 10.ª conquista da Euroliga, em Belgrado, numa época em que foi eleito MVP da época regular da Euroliga, MVP da final four e com um lugar no melhor cinco inicial da competição. Ganhou também a Liga ACB e o título de MVP da competição. No total, ganhou três prémios individuais, outro feito histórico.

"Hoje, na NBA, está a dar continuidade ao que começou em Espanha. O que mais recordo das suas atuações em Espanha até agora é o seu espírito de luta, o seu potencial físico, que soube explorar e, sobretudo, adaptar-se... Perceber como deve jogar ali, explorando todas as suas qualidades e potencialidades. É por isso que não tenho dúvidas de que ele vai continuar a crescer e a explorar todas as suas qualidades", concluiu o treinador basco.

Depois de 216 jogos com o Real Madrid e de ter deixado uma marca indelével no seu clube de eleição, El Niño Maravilla - O Menino Maravilha -, como ficou conhecido após a época histórica, partiu para os Estados Unidos e para a NBA para conquistar uma nova terra.