O documentário de cerca de 90 minutos, com imagens muito bonitas e exclusivas da década de 1970, começa com uma cena num estádio Azteca, na Cidade do México, completamente esgotado e frenético, a experienciar o Campeonato do Mundo. Para surpresa do espetador, trata-se de um torneio nacional feminino.
Um torneio que foi varrido por historiadores predominantemente masculinos e sobre o qual várias das participantes, apesar da experiência espantosa do próprio evento, por vezes não ousaram falar durante meio século. Por vezes, foram injuriadas, suspensas e menosprezadas no regresso a casa. Esse sofrimento mantém-se até aos dias de hoje.
A história
A transmissão apresenta uma panorâmica histórica do estatuto do futebol feminino no século passado. Por volta de 1917, o futebol feminino em Inglaterra florescia. Centenas de clubes do país considerado o berço do desporto tinham equipas femininas. Em 1921, esta situação foi abruptamente interrompida.
Uma campanha de difamação levada a cabo por médicos de renome fez com que a opinião dominante fosse a de que o futebol não era saudável para as mulheres (grávidas) e punha em perigo o útero. Atenção: nesse mesmo mundo médico, mais de um século depois, note-se que, devido a uma falta crónica de investigação científica, a metade feminina da população mundial continua a ser alvo de um preconceito masculino extremo, o que, na verdade, põe em perigo as mulheres sob tratamento médico. Pense nos efeitos e efeitos secundários dos medicamentos ou no processo de recuperação após procedimentos médicos.
Jogo de poder
A tática utilizada há mais de um século pelos dirigentes do futebol masculino consistia simplesmente em ameaçar suspender os clubes que ainda ofereciam futebol feminino. Nenhum clube se atreveria a arriscar o sucesso das atividades desportivas em prol da minoria feminina.
Com os movimentos de emancipação dos anos 60, as mulheres de várias partes do mundo voltaram a entrar em ação. No México, jogavam futebol nas ruas, em Inglaterra nos campos exteriores, em Itália na areia em vez de na relva. As mulheres de todo o mundo começaram a agitar-se e assim nasceu um Campeonato do Mundo em 1970, organizado, na altura, em Itália pela sua própria federação mundial independente de futebol feminino, a FIEFF. Cerca de 40.000 espetadores assistiram à vitória da Dinamarca sobre a anfitriã Itália na final disputada em Turim.
Lotação esgotada
Em 1971, o México, anfitrião do Campeonato do Mundo de Futebol Masculino em 1970, foi o ponto de partida para um novo torneio. Seis países foram convidados a viajar para o país da América Central e a jogar em Guadalajara e, além disso, no Estádio Azteca, na Cidade do México. Às quatro melhores seleções do Campeonato do Mundo italiano, incluindo a Dinamarca, a Inglaterra e o México, juntaram-se a Argentina e a França.
O reduto masculino da FIFA, altamente influente e ultraconservador, tentou tudo para tirar o torneio do mapa e da agenda. Assim, a federação mexicana recebeu ordens para suspender todos os clubes que colaborassem com o torneio, disponibilizando o seu estádio. Ora, o caso é que os dois maiores estádios eram propriedade de ricos magnatas da comunicação social. Por isso, não havia nada a fazer a não ser dar tudo por tudo em termos de publicidade. O resultado: estádios esgotados e futebol feminino em direto na televisão mexicana.
Apagado
O resultado foi um torneio de 10 jogos em três semanas e uma final, encharcada pela chuva, entre a campeã Dinamarca e o anfitrião México. As dinamarquesas foram impedidas de dormir à noite pelos gritos e cânticos mexicanos. Por seu lado, as mexicanas, todas elas amadoras, defenderam com grande determinação a possibilidade de partilharem as receitas do torneio durante uma semana. Em vão.
A final foi bastante disputada e foi decidida por um hat-trick de Susanne Augustesen. Ela levou os 110.000 espetadores ao silêncio e lágrimas, mas alguns minutos depois do apito houve aplausos e celebração do futebol feminino. O incrível potencial foi demonstrado, tal como em Itália no ano anterior, mas depois de regressarem a casa foi como se esta maravilhosa experiência tivesse de ser apagada com uma borracha.
Revoltadas
Na Dinamarca, ainda houve uma receção festiva e atenção na televisão nacional, mas depois voltou o figurino habitual. Em Inglaterra, a equipa foi dissolvida e as jogadoras suspensas. Os jornais troçaram delas e seguiu-se uma campanha de difamação. O futebol feminino ainda estava adormecido em Itália, que organizou uma série de torneios em quatro países na década de 1980, incluindo um no Japão.
Só em 1988 é que a FIFA organizou um Campeonato do Mundo não oficial na China e, três anos mais tarde, em 1991, o primeiro Campeonato do Mundo oficial, também na China. Mais tarde, apenas em 1996, o desporto foi finalmente incluído no programa dos Jogos Olímpicos. Hoje em dia, o Comité Olímpico Internacional (COI) orgulha-se da igualdade entre homens e mulheres, mas demorou ainda mais a integração do que vários outros organismos.
Num país como os Estados Unidos, o futebol feminino tornou-se, no final do século XX, um desporto coletivo ideal e muito praticado pelas mulheres, completamente à margem das interferências conservadoras. Talvez naquele país, em parte devido ao domínio de quatro outras indústrias de milhares de milhões de dólares dominadas por homens, como a NFL, a NBA, a MLS e a NHL.
O facto é que todas as equipas de sucesso das últimas décadas continuam em dívida para com as pioneiras de 1971. Era necessária uma grande dose de audácia para levantar a cabeça num bastião de homens pequeninos. Infelizmente, a história não pode ser reescrita, mas este campeonato mundial merece um lugar particular na memória coletiva do desporto mundial.
O documentário não tem data de estreia em Portugal, nem se encontra em nenhuma plataforma streaming.