Entrevista Flashscore a Bracali: "A parte mais bonita da carreira é quando chego ao Boavista"

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Entrevista Flashscore a Bracali: "A parte mais bonita da carreira é quando chego ao Boavista"

Bracali em exclusivo ao Flashscore
Bracali em exclusivo ao FlashscoreFlashscore
Esteve a um mês de bater Quim como guarda-redes com maior longevidade competitiva em Portugal, mas acabou por ouvir o seu corpo e trocou o relvado por um gabinete no Estádio do Bessa. Rafael Bracali, entrevistado pelo jornalista Flashscore Manuel Chaves, fala do Boavista como um amor à primeira vista. Agora como Diretor Desportivo, garante ter mãos para para o cargo, que agarrou com a mesma força como se fosse uma bola...

Aos 42 anos, ainda há tempo para novas aventuras na carreira, especialmente se os últimos 20 e poucos tiverem sido passados dentro das quatro linhas com uma bola nos pés ou até nas mãos.

Bracali foi um caso de sucesso no que toca à longevidade de um futebolista e encontrou no Bessa o espaço certo para terminar a carreira a um nível alto, viver um momento inesquecível e ficar no Boavista, agora noutras funções. Em entrevista ao Flashscore, o agora Diretor Desportivo dos axadrezados recorda a carreira e fala da nova etapa.

Bracali foi titular nos últimos anos no Bessa
Bracali foi titular nos últimos anos no BessaFlashscore

- Fez uma carreira enorme. 22 anos como sénior, acabou aos 42, perto de igualar o recorde de outro guarda-redes do nosso futebol, o Quim. Daí para cá virou para o lado do dirigismo. Passados seis meses, a cabeça e o íntimo ainda são de jogador, já são totalmente dirigente ou é um misto dos dois?

- Tive muito próximo do recorde máximo da Liga. Faltava um mês para bater o recorde do Quim, que também teve uma excelente e brilhante carreira, mas naquele momento achava que o recorde não podia ser mais importante do que aquilo que o meu corpo avisava e a minha cabeça sentia. Tomei a decisão de mudar. Saí de dentro do relvado para ir para dentro do escritório, literalmente. Completamente resolvido porque andei a preparar-me nos últimos anos para uma possível transição. Havia sempre essa conversa com o presidente e com as pessoas dentro do clube que achavam que eu tinha o perfil, mas também viam capacidade para desenvolver outras funções. A que eu achava que mais encaixava e que queria era a de Diretor Desportivo.

- Às vezes, mais importante do que tudo, é preciso saber parar, não é?

- Acho que sim. Muitas pessoas perguntavam: "Depois de uma época como esta, vais parar? Vais sentir falta". Eu disse: "Não, não vou sentir falta". Não sinto falta porque durante a minha carreira dei 100% ou até mais do que 100%. Há jogadores que chegam ao fim da carreira e acabam por regressar ou não aceitam o final da carreira é porque deixaram alguma coisa para trás, não se dedicaram como tinham de dedicar e queriam recuperar. O futebol passa muito rápido, há cada vez mais aposta nos jovens e quanto mais velho, menos oportunidade vais tendo.

- 22 anos como profissional, boa parte deles em Portugal. Nacional, FC Porto, Olhanense, acabou no Boavista. Pelo meio tem o Panetolikos e no Brasil tem o Paulista. Quais foram os anos que mais o marcaram nesta sua aventura de futebolista?

- O Paulista acaba por ser a minha formação toda. A minha carreira foi tão longa porque no Paulista, na minha formação, não tive só treinadores, também tinha professores. Antigamente não existia curso de treinador e se quisesse ser treinador tinha de ir para a universidade para aprender coisas que o futebol não lhe dava. Tive sorte e fiz formação num clube em que os nossos treinadores eram professores. Não estavam preocupados só em formar o jogador para chegar à equipa principal, mas sim o homem. Sabiam que, de 20 a 25 atletas que tinham na equipa de sub-19, nem todos conseguiriam atingir a equipa principal, mas queriam formar o homem. Muitos de nós conseguimos estar na Universidade enquanto estávamos na formação e isso deu-me bases para chegar a Portugal. Passei anos fantásticos no Paulista. Éramos uma equipa de Segunda Liga, fomos campeões da Copa do Brasil em 2005, onde eliminámos equipas de Primeira Liga e tivemos a final com o Fluminense.

Bracali na baliza do Boavista
Bracali na baliza do BoavistaLusa

- Fui comprado pelo Nacional, tive dois anos fantásticos. Ficámos em quarto lugar em 2008/09, fomos ao play-off da Liga Europa e apanhámos o Zenit. Nós estávamos em Quiaios e um jornalista diz: "Vocês não tiveram sorte nenhuma no sorteio". Eu disse: "Calma que no futebol acontecem surpresas. Não nos descartem ainda". E aconteceu. Eliminámos o Zenit e, pela primeira vez na história, o Nacional entrou na fase de grupos da Liga Europa. Tive uma passagem rápida pelo FC Porto, fui emprestado ao Olhanense, onde aprendi muito como humano porque apanhei um clube com alguma desorganização, salários em atraso e eu era dos únicos que não tinha porque vinha de outro clube e tinha tudo pago. Encontrei grandes homens, vesti a camisola para ajudar aqueles rapazes. As dificuldades eram imensas. Tínhamos tudo preparado para descer de divisão, mas acabámos por não descer. Foi um sofrimento danado, mas cresci muito como pessoa. Aprendi muito a pensar no próximo. Evolui muito nesse sentido. Rescindi com o FC Porto, vou ao Panetolikos da Grécia, faço dois anos lá espetaculares. Uma atmosfera incrível. Viviam muito o futebol, era quase o único entretimento daquela cidade. Não continuei lá porque a minha filha ia para o primeiro ano da escola e optei por regressar a Portugal. Apareceu uma oportunidade para vir para o Arouca e logo no primeiro ano ficámos em quinto lugar. Novamente a Liga Europa, chegámos ao play-off com o Olympiacos e acabámos por perder no prolongamento. A parte mais bonita da minha carreira é quando chego ao Boavista. Cheguei com 37 anos, foi aberta uma porta, que é muito difícil que aconteça com um jogador de 37 anos, apesar de ter dado provas recentes de que era capaz de estar num grande clube como o Boavista. A mística da camisola xadrez, do Estádio do Bessa, mexeu comigo logo na chegada. É por isso que a minha ligação ao clube acabou por ser tão forte. A minha continuidade como Diretor Desportivo acaba por acontecer e consegui retribuir dentro de campo.

- Penúltima jornada da época passada e o estádio todo de pé a homenagear o Bracali. Como é que sentiu aquele momento?

- Gostaria que todos os jogadores tivessem oportunidade de sentir o que eu senti. Sempre que falo sobre isso, emociono-me. 42 anos, era capitão, a minha família estava no estádio, era um jogo grande, contra um rival e naquela semana tinha de me preparar emocionalmente para o jogo e não para a minha despedida. Aproveitei para chorar durante a semana porque no jogo tinha de estar forte. Era capitão, numa posição em que qualquer desatenção é golo do adversário, mas desde o primeiro minuto do jogo até ao último os adeptos a cantarem o meu nome, vários cartazes, palavras de agradecimento, mesmo depois, quando os adeptos entraram para tirar foto e agradecer... Gostava que todos os jogadores sentissem a emoção que eu senti. Esse dia, se calhar, é o melhor da minha carreira. Foi reconhecido todo o sacrifício que tive quando a minha mãe me via apanhar o autocarro, com a minha bolsa na mão, para fazer o meu primeiro treino nos sub-16 e ela a chorar: "Meu filho, estás a ir embora como o teu pai, que também foi jogador". Todo aquele sacrifício valeu a pena. Dormir cedo para acordar cedo, ir para a escola, treinar, ir para a Universidade à noite. Eu dizia que não ia aguentar, mas valeu a pena. Aquilo foi o reconhecimento de um trabalho de 20 e poucos anos em que a minha esposa e as minhas filhas puderam sentir, os meus pais acompanharam no Brasil. Sou eternamente grato a esse momento. Pudera que todos os jogadores pudessem sentir esse momento que eu tive. É inexplicável e indescritível.

Rafael Bracali recorda último jogo da carreira
Rafael Bracali recorda último jogo da carreiraFlashscore

- Voltar ao Brasil está no horizonte para já ou a prioridade passa por as filhas crescerem em Portugal e o próprio Bracali crescer como dirigente?

- Não, o Brasil é só para as férias e observar jogadores. A minha vida já passa por Portugal. Estabilizámos em Portugal, a minha esposa é personal trainer e tem o estúdio dela. As minhas filhas estão no colégio, jogam voleibol e adoram aquilo. A nossa vida é aqui. A nossa família gostaria que nós regressássemos, mas entendem que o melhor para nós e para elas é estar cá. Ter uma boa educação, qualidade de vida, segurança. Já planeei para continuar no dirigismo e o Boavista deu-me esta oportunidade e tenho a certeza que não vou deixar ninguém insatisfeito. Vão reconhecer que eu tinha capacidade e eu vou provar que sim.

- Um guarda-redes depende muito das suas mãos. Olhando para as suas mãos, o que é que lhe dizem?

- Às vezes brinco e mostro as minhas mãos. Se calhar fui um bom guarda-redes porque não tenho nenhuma lesão, tenho uma mão limpa, nem um dedo. É sinal que tinha alguma habilidade. Estas mãos deram-me muita coisa durante a carreira. É de corpo inteiro, mas o guarda-redes está sempre referenciado pelas mãos, pelas defesas. Há defesas que marcam por terem sido feitas com os pés, mas normalmente falamos das mãos dos guarda-redes. Foram essas mãos que me fizeram voar do Brasil para Portugal, para a Grécia, regressar a Portugal, pelos jogos europeus que fui fazendo, mesmo jogos sul-americanos quando jogámos na Libertadores pelo Paulista - fomos ao River e à LDU (Quito). Foram essas mãos que me fizeram voar por esse mundo fora e me abriram muitas oportunidades. Por isso tive de tratar bem delas durante a carreira, usar bom material desportivo, boas luvas, para me acompanharem durante muitos anos.

As mãos de Bracali
As mãos de BracaliFlashscore