Reportagem: Grupos de adeptos do Marselha são trunfo económico que deve ser regulado?

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Reportagem: Grupos de adeptos do Marselha são trunfo económico que deve ser regulado?
Os virages são parte integrante do património do OM
Os virages são parte integrante do património do OM
Profimedia
A semana que passou recordou-nos até que ponto as associações de adeptos do Olympique de Marselha podem virar tudo de pernas para o ar numa única reunião com a direção do clube. Enquanto clientes e fornecedores, as bancadas do Vélodrome são simultaneamente uma fonte de apoio e de repulsa.

O Marselha nunca é um mar de rosas e nem mesmo a perspetiva da chegada do Papa Francisco às margens do Mediterrâneo foi capaz de amenizar o golpe. Na segunda-feira, a reunião entre as associações de adeptos e a direção do clube, há muito prevista, acabou em caos. Insultos e ameaças foram ouvidos de ambos os lados, mas é evidente que haverá um antes e um depois.

E não é apenas o futuro desportivo que será afetado, com a necessidade de encontrar um novo treinador e talvez uma nova forma de gerir o clube. A marca OM foi muito afetada por esta situação e as consequências vão muito para além do Vélodrome.

Lionel Maltese, professor e diretor de um programa dedicado aos acontecimentos desportivos na Kedge Business School, em Marselha, conhece o microcosmo das bancadas e a sua relação com o valor económico do clube. É preciso recuar até aos anos 80 para compreender o funcionamento deste sistema: "Durante a era (do antigo presidente, Bernard) Tapie, os grupos estruturados de adeptos eram clientes: compravam bilhetes e empacotavam-nos. A adesão era considerada como uma subscrição. O OM não tinha, portanto, conhecimento da clientela final".

A situação mudou quando o estádio foi ampliado para o Euro-2016: "Vincent Labrune acabou com este sistema, pelo que os grupos deixaram de ter controlo sobre a venda de bilhetes. Por outras palavras, os titulares de bilhetes de época compram ao Marselha. Isso muda tudo quando se tem 48.000 portadores de bilhetes de época, 27.000 dos quais estão em grupos". Na era do cold e-mailing e das campanhas publicitárias através das redes sociais, nada é deixado ao acaso pelos departamentos de marketing.

Clientes e fornecedores

No entanto, os adeptos não são apenas clientes, e é precisamente essa a sua força. "São também um fornecedor do ponto de vista económico e, como tal, têm poder de negociação", explica Lionel Maltese. "Hoje em dia, os grandes grupos de adeptos são fornecedores de conteúdos experienciais, ou seja, tarjas, cânticos, viagens e a cobertura mediática que lhes está associada. O clube nunca se virou contra eles".

Pelo contrário: têm sido mimados desde que Bernard Tapie foi o primeiro a compreender o poder dos grupos de adeptos para gerar novas receitas. "O aspeto positivo é que são eles que fazem a experiência no estádio. Até foram ajudados por Tapie, porque tiveram financiamento para viagens e instalações na cidade para vender merchandising, ou seja, para fazer marketing de guerrilha. Os diretores destes grupos estão também envolvidos na política local, na economia e até no próprio clube. Rachid Zeroual (líder da claque South Winners) já foi funcionário do Marselha".

Como acontece habitualmente, surgiu uma crise nas relações, mas desta vez de forma mais inesperada. E as proporções sem precedentes que atingiram são, provavelmente, suscetíveis de mudar a perceição do público, dos patrocinadores e das emissoras.

"Os adeptos do OM são fornecedores que têm uma relação especial com o clube", explica o consultor em gestão desportiva. "Eles têm uma relação privilegiada. Por exemplo, entram mais cedo no estádio para instalar as tarjas, têm acordos para vender o seu próprio merchandising, são ouvidos pelo clube e têm informações antes de qualquer outra pessoa. Mas, enquanto clientes e fornecedores, não têm uma governação respeitada. Podem contestar, podem fazer greve, mas não podem ameaçar. Este é um debate jurídico: não se pode fazer uma ameaça de morta a alguém".

O que aconteceu aos políticos de Marselha e à Liga?

A situação está bem longe de ser simples. Há muitas questões interligadas e as consequências podem ter impacto a longo prazo. Para Lionel Maltese, as ações partidárias dos grupos enfraqueceram o OM aos olhos dos investidores atuais e potenciais:

"Houve um comunicado de imprensa dos principais líderes da economia de Marselha que não concordam com o que aconeceu, os patrocinadores foram afetados, os adeptos, os jogadores e as suas famílias também. Alguns adeptos não concordam com as posições individualistas dos presidentes dos grupos, o treinador demitiu-se e um presidente está em sofrimento psicológico".

Os jogadores foram repreendidos pelos adeptos após o empate 0-0 com o Toulouse
AFP

A desvalorização da marca OM é um problema importante para todo o futebol francês, mais ainda quando os direitos televisivos serão renegociados em outubro. No entanto, o silêncio ensurdecedor dos vereadores de Marselha, que se apoiam regularmente na influência das bancadas (os South Winners apoiaram a extrema-direita de Martine Vassal nas últimas eleições locais, deram apoio à senadora independente Samia Ghali, antes de acolherem o presidente da câmara Benoît Payan, de esquerda, na bancada sul, na celebração do 30.º aniversário do triunfo do clube na Liga dos Campeões, em maio passado), e o do presidente da Liga francesa, Vincent Labrune, é perturbador.

"A Liga francesa (LFP) tem de intervir porque isto afeta a marca Ligue 1, os seus patrocinadores e todos os adeptos. Tenho o raciocínio da NBA. Se acontecerem coisas destas com proprietários, dirigentes, jogadores ou adeptos, estes são excluídos. Hoje, a LFP não diz nada, o presidente da Câmara não diz nada. Se houve ameaças diante de testemunhas, tem de haver um processo judicial, porque isto é mau para o clube", prosseguiu.

O ecossistema local teve um impacto imediato com a saída prematura de Marcelino García Toral, e encontrar um treinador de peso depois de tudo o que aconteceu vai ser muito complicado, uma vez que, para além do asturiano, os seus antecessores Igor Tudor e Jorge Sampaoli não consideraram adequado continuar por mais uma época. O desporto e os negócios estão ligados.

Pablo Longoria acabou por ficar no OM, mas Marcelino saiu
AFP

Grupos reorganizados

Para além da necessidade de estabelecer uma relação contratual em vez de manter um entendimento tácito, a questão é saber como é que o clube deve lidar com aqueles que conduziram a esta situação intolerável. "Na minha opinião, a única saída é a destituição dessas pessoas", defendeu o académico.

"De um ponto de vista económico, os grupos de adeptos não devem ter um efeito negativo na marca Olympique de Marseille e, por conseguinte, no bom funcionamento do clube. As empresas não vêm porque não querem ter de lidar com este tipo de problemas. É uma perda não só para o clube, mas também para a região de Marselha, porque só se ouve falar de coisas negativas. Não se trata de um fenómeno isolado".

Agora, o OM tem arranjar forma de sair desta crise e encontrar uma solução o mais rapidamente possível para evitar novas explosões e recuperar a sua reputação. A relação entre as associações de adeptos e a direção do clube deve ser pacificada de forma permanente. Mas ainda é preciso encontrar a ideia certa e, ainda mais difícil, pô-la em prática. Lionel Maltese conclui:

"O OM deve criar uma equipa especializada nas relações com os adeptos, com pessoas formadas. Porque não um antigo jogador com uma nova carreira? Ir para a lonha da frente não é uma boa ideia. A equipa deve manter-se neutra e independente, sem questões políticas. Os intervenientes têm de compreender que os adeptos são uma força rara, valiosa e inimitável, mas que tem de ser organizada".