"Nunca viajei em primeira classe, andei sempre à boleia", disse recentemente o toscano careca e sorridente, refletindo sobre a sua vida no futebol, no banco de suplentes durante 30 anos e no campo antes disso.
"Riam-se de mim porque eu calçava chuteiras para ir para o banco. Mas nunca esqueci o quanto sofri para conseguir essas chuteiras, quando não tinha dinheiro para as comprar", disse o fiel do fato de treino, mesmo nas prestigiadas noites da Liga dos Campeões.
Ganhar um Scudetto "reembolsa todos os sacrifícios", disse com a voz calma que o caracteriza durante as conferências de imprensa. Aos 64 anos, Spalletti torna-se no mais velho treinador a ser coroado italiano, quebrando o recorde de senioridade de Maurizio Sarri, vencedor em 2020 ao serviço da Juventus, com 61 anos.
Este título, no qual já certamente não acreditaria, é o mais bonito para "Lucio", 15 anos depois das duas Taças de Itália (2007, 2008) e da Supertaça de Itália (2007) que conquistou com a AS Roma e mais de 10 anos depois dos títulos de campeão russo (2010, 2012) ao serviço do Zenit, a sua única experiência no estrangeiro.
Tensão com Totti e Icardi
Spalletti tinha até agora a imagem do eterno segundo, posição que alcançou por quatro vezes com a AS Roma. Era um técnico inovador e de personalidade forte, que aprendeu a jogar em clubes pequenos antes de se revelar ao levar a Udinese a três Taças UEFA (agora Liga Europa) consecutivas (2002-05).
Mas um treinador talvez incapaz de subir um degrau e gerir estrelas. Na Roma, continuou a ser o homem que empurrou a lenda Francesco Totti para a reforma em 2017, o que lhe valeu um rancor amargo dos tifosi. No Inter, depois, foi com Mauro Icardi que as tensões aumentaram.
A mudança de Spalletti para o Nápoles no verão de 2021 parecia ser uma mudança pré-reforma, após uma complicada separação com os Nerazzurri em 2019. Chateado pela saída apesar de duas qualificações para a Liga dos Campeões, Spalletti não perdoou e recebeu o restante salário por mais dois anos ao abrigo da renovação assinada em 2018.
Recusou várias ofertas e preferiu desfrutar do tempo com a família, sem dúvida a jogar padel, um desporto que adora, e organizando a sua impressionante coleção de camisolas. Mas este amante de bom vinho - que ele próprio produz na propriedade turística que possui na Toscana - ainda não tinha acabado de regalar Itália com futebol.
"Proteção" de Maradona
Em Nápoles, com um plantel de jogadores entusiastas e ideias mais ofensivas do que nunca, fez questão de continuar a revolução cultural no país do catenaccio. "Ele ajudou-me muito a crescer como avançado e como homem", disse Victor Osimhen, autor do golo que deu o título ao Nápoles na quinta-feira.
Pep Guardiola e a Europa adoraram. Mas mais ainda os napolitanos, uma cidade onde a vitória deve andar de mãos dadas com a educação e a generosidade, segundo o próprio Spalletti. Apesar de não ser napolitano - até viveu a sua primeira época no hotel -, o toscano sempre invocou o legado de Maradona para unir os tifosi.
"Eles viram grandes treinadores, grandes campeões, um público que viu Diego Armando Maradona jogar, e neste resultado há provavelmente um pouco da sua proteção. É difícil dizer-lhes que quando estamos em terceiro lugar isso é bom...", sublinhou o treinador na noite de quinta-feira.
Spalletti sabe do que está a falar quando fala em imitar o camisola 10 argentino cujo nome adorna agora o estádio do Nápoles: ele teve a oportunidade de ver de perto o que Maradona podia fazer com uma bola durante uma partida da Taça de Itália, em 1988, quando jogava no Spezia, então na terceira divisão.
O Nápoles obviamente ganhou, mas Spalletti voltou a aprender imenso.