“Cresci sempre na família com o Norton de Matos como referência, e, por isso, obviamente, ouvi falar no comício no Estádio do Salgueiros. Quando fui treinar o Salgueiros, foi uma grande sensação. A figura do meu tio-bisavô era muito recordada, pelos mais antigos. Senti um grande orgulho”, conta o antigo jogador e treinador Luís Norton de Matos, em entrevista à Lusa.
Esse comício, 9 de janeiro de 1949, junta “milhares de pessoas, foi dos maiores que teve”, lembra o sobrinho-neto, e torna-se num marco de resistência contra o regime de Salazar.
“Ele sabia que, no Norte, o estádio seria o único sítio onde poderia fazer aquele evento, aquela manifestação de apoio”, conta Norton de Matos.
Segundo apontam os relatos da época, foi Vidal Pinheiro, nome histórico quer da resistência antifascista quer do ‘Salgueiral’, um dos responsável pela organização do comício no estádio, que mais tarde levaria o seu nome, como presidente honorário do emblema que sempre foi impedido pelo regime de dirigir em vida.
Fotografias de Manuel Mendes do comício, disponibilizadas pela Fundação Mário Soares, mostram uma faixa que afirma, desafiadora: “com eleições livres, votai em Norton de Matos”.
Uma das imagens do dia, tirada no Campo do Salgueiros, é particularmente esclarecedora – o general dirige-se ao povo, num palanque, e praticamente todo o espaço fotográfico é ocupado por ‘cabeças’ e ‘chapéus’, indicativo dos muitos que ali se deslocaram.
Dias depois, o Campo Hípico, à Fonte da Moura, receberia outro evento da campanha, mas o Campo do Salgueiros tornou-se emblemático da passagem de Norton de Matos pelo Porto.
O general José Norton de Matos, de resto, viria a morrer em 1955, poucos dias depois de tirar uma fotografia com o sobrinho-neto por ocasião do seu primeiro aniversário, lembra Luís.
Não conheceu o familiar mas conheceu-lhe a história de vida e as ideias, lembrando a passagem por Huambo (então Nova Lisboa), tendo uma estátua sua nessa cidade angolana, mas também várias ideias “democratas” e o passado maçónico.
“Ele defendia a autodeterminação daqueles povos, a distribuição de terras por quem as cultivasse, para que Angola prosperasse. Tinha ideias muito boas para a altura, mas chocavam com o regime. (...) Na campanha, teve muito apoio popular, da oposição, mas entre a fraude eleitoral e um certo aproveitamento, acabou por desistir”, lembra.
Anos mais tarde, Mário Soares viria a confrontar Luís Norton de Matos com a memória do seu avô.
“Disse-me que sempre que ouvia o meu nome num relato, pensava no meu tio-bisavô”, conta.
Até o bairro em que morou em Coimbra, quando jogava na Académica, passou a chamar-se Norton de Matos, como inúmeras ruas por Portugal fora, e no Salgueiros, lá está, deixou impressão, mesmo não tendo conseguido treinar a equipa no Estádio Vidal Pinheiro, numa fase em que o clube estava já ‘sem casa’, durando a condição até hoje.
“Quando fui apresentado, houve pessoas que se agarraram a mim, mais velhas, que tinham estado presentes nesse comício. Estavam de lágrimas nos olhos. Senti imenso orgulho, fui muito acarinhado”, revela.
Figura de clubes como a Académica (em que passou o 25 de Abril de 1974), o Portimonense, o Atlético, o Belenenses e o Estrela da Amadora, além do Standard de Liège (Bélgica), o antigo avançado tornou-se treinador e assinou, em 2002/03, pelo Salgueiros, que orientou também na época seguinte.
José Norton de Matos, por seu lado, ficou conhecido pela força popular que o acompanhou na campanha de 1949, em que o regime lhe negou a liberdade de propaganda e não acedeu a pedidos quanto ao combate a fraude eleitoral e o voto em liberdade.
Apesar de defender a liberdade dos povos nas chamadas colónias, assinou em 1953 um livro chamado “África Nossa”, defendendo a presença de “famílias brancas portuguesas” naqueles territórios.