A desilusão que construiu uma carreira: a história do treinador de guarda-redes de Jorge Costa

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A desilusão que construiu uma carreira: a história do treinador de guarda-redes de Jorge Costa
Diogo Martins Almeida acompanha Jorge Costa desde os tempos no Académico de Viseu
Diogo Martins Almeida acompanha Jorge Costa desde os tempos no Académico de ViseuArquivo Pessoal
Diogo Martins Almeida é o treinador de guarda-redes da equipa técnica do icónico Jorge Costa no AVS Futebol SAD, emblema que ocupa a 2.ª posição da tabela classificativa da Liga 2. Aos 34 anos, o jovem técnico deixou os relvados de forma precoce para abraçar a área do treino e poder ter controlo sobre o próprio futuro. Hoje, anda de mãos dadas com o sucesso - sete prémios conquistados pelos seus guarda-redes nos dois últimos anos.

A paixão pelo futebol é, muitas vezes, hereditária. Passa de geração em geração. E quando os pais começam por torcer um pouco o nariz com receio da pequena dose de violência associada a este desporto, os avós são sempre os culpados por dar asas a esse sonho. 

Foi assim, aos sete anos, que Diogo Martins Almeida, hoje um homem feito e treinador de guarda-redes de uma das grandes equipas da Liga 2 portuguesa, entrou para este mundo apaixonante. Pela mão do avô, que o levou a um treino. O pequeno Diogo começou por experimentar o papel de defesa direito, mas não achou muita piada...

"Num dos primeiros treinos estava lá um senhor que me desafiou a ir para a baliza e gostei muito. A minha mãe é que não gostava muito porque chegava a casa sempre cheio de lama", recorda, entre risos, o próprio Diogo Martins Almeida, em conversa com o Flashscore. "Tive a sorte de conhecer esse senhor, o senhor Pereira. Era muito comunicativo e foi uma referência para mim", acrescenta.

Diogo Almeida Martins destaca importância da função de treinador de guarda-redes
Diogo Almeida Martins destaca importância da função de treinador de guarda-redesArquivo Pessoal/Opta by Stats Perform

"Ia ter o contrato da minha vida e perdi o encanto ao futebol"

O Ermesinde foi a primeira casa e o "jeito para a coisa era algum" ao ponto de durante o escalão de iniciados ser convidado a integrar os treinos do plantel sénior. Seguiu para os juniores do Paços de Ferreira, então no campeonato nacional, e visto como 3.º guarda-redes da equipa principal dos castores. Tudo corria de feição até ao dia em que conheceu o lado mais negro do futebol.

"Tive um empresário que apareceu na minha vida, que não foi nada bom para mim... Fez-me desvincular do Paços e apresentou-me um contrato fantástico para um miúdo de 19 anos. O clube era o Nacional da Madeira e posso dizer que eram cinco ordenados mínimos. Estava maravilhado, eu e o meu pai. Já tinha as passagens de avião para viajar a tempo da pré-época, mas depois esse tal empresário deixou de me atender o telefone", confessa Diogo.

"Perdi um bocadinho o encanto ao futebol. Sem clube, ainda cheguei a ir treinar a um clube da segunda divisão espanhola, mas acabei por não ficar. Talvez também não tivesse a qualidade suficiente para isso. Esse episódio foi, talvez, a maior desilusão. Ainda por cima na altura não havia o apoio que existe hoje, por exemplo, de uma equipa sub-23", completa.

A desilusão depressa deu lugar a uma oportunidade. Depois de ser enganado por alguém que lhe prometera um futuro risonho, estava na hora de controlar o seu próprio futuro. Diogo acabaria por enveredar pela via académica e "deixar o incerto pelo certo": "Se estudasse, sabia que a minha paixão iria continuar dentro do que eu mais amo, tendo eu a capacidade de controlo".

Diogo Almeida Martins passou 10 anos no SC Braga
Diogo Almeida Martins passou 10 anos no SC BragaArquivo Pessoal

De Vital a Amorim: os 10 anos no SC Braga

Durante o seu percurso académico, o destino apontou-lhe de novo o caminho para as balizas. Nas paredes da faculdade um papel sobre um curso especializado para treinador de guarda-redes despertou a sua curiosidade e levou-o até Braga e ao SC Braga, onde um primeiro estágio "não remunerado" se tornou numa oportunidade de integrar a estrutura dos arsenalistas, tendo por lá ficado durante 10 anos. Pelo meio tirou alguns cursos em St. George's Park, casa das seleções de Inglaterra, e fez um estágio nos londrinos do Fulham.

Mas foi em Braga que aprendeu (quase) tudo: "Comecei pelos sub-15 e tive uma grande referência, o mister Jorge Vital (n.d.r: atual treinador de guarda-redes da equipa técnica de Rúben Amorim no Sporting), que agarrou em mim e me deu o privilégio de trabalhar ao lado dele durante 10 anos. Ensinou-me muita coisa, mesmo. Ele e o Eduardo, que também foi uma grande referência e a ajuda durante a minha estadia em Braga. Foram 10 anos de uma dedicação tremenda a um clube que vi crescer e eu também cresci muito, desde os sub-15 à equipa principal".

Jorge Vital, aqui com o guarda-redes do Sporting Adán, é uma das referências de Diogo Martins Almeida
Jorge Vital, aqui com o guarda-redes do Sporting Adán, é uma das referências de Diogo Martins AlmeidaSporting CP

"Sendo um treinador da casa, tive a sorte de poder vivenciar com muitos treinadores principais e equipas técnicas, desde o Rúben Amorim ao Artur Jorge. O contacto diário com eles deu-me uma bagagem muito grande e fui construindo a minha própria ideia, aquilo que eu queria quando tivesse um projeto", sublinha.

A separação acaba por acontecer quando recebe o convite do treinador Miguel Cardoso para mudar-se com ele para o projeto do Rio Ave, na Liga Portugal: "Ao fim de 10 anos no SC Braga, senti-me preparado para dar um passo e ir sozinho para ter o meu próprio projeto. Estou muito grato ao SC Braga pelos 10 anos fantásticos. É um clube que vai ficar para sempre ligado à minha história".

Não correu bem em Vila do Conde e surgiu a oportunidade de abraçar um projeto de um grupo alemão em Portugal - entrada dos investidores do Hoffenheim no Académico de Viseu -, que permitiu o contacto direto com nomes como Michael Rechner, atual treinador de guarda-redes do Bayern Munique. Até à chegada de Jorge Costa, mas já lá iremos. Antes mergulhamos um pouco pelas especificidades de uma posição tão singular.

Diogo Almeida é treinador de guarda-redes do AVS
Diogo Almeida é treinador de guarda-redes do AVSArquivo Pessoal

As características fundamentais de um guarda-redes

A posição de guarda-redes é muito específica. Um trabalho muitas vezes solitário, afastado do restante grupo, e em tantas ocasiões ingrato para quem dele decidiu fazer vida. Por norma, num plantel existem três guarda-redes, mas só um pode jogar. Não faltam casos de guarda-redes que passam anos na sombra a dar o seu contributo para que outro colega de posição brilhe. Ingrato? Altruísmo!

O contexto também é importante. O clube e aquilo que o rodeia, a personalidade individual de cada um. Trabalhar com o jovem Domen Gril (Académico) não será o mesmo que trabalhar com o experiente Pedro Trigueira (AVS). Pese tudo isso, há características fundamentais e comuns que todos devem reunir para o bom desempenho da função.

Diogo Almeida Martins, ao centro, com os três guarda-redes do AVS
Diogo Almeida Martins, ao centro, com os três guarda-redes do AVSArquivo Pessoal

"Há atributos que são quase inatos. O guarda-redes tem de ser muito rápido e explosivo. Eu preparei-me para ter o meu modelo e identidade, que, naturalmente, tenho de enquadrar no projeto. O ano passado tinha um miúdo e agora tenho um guarda-redes experiente. Não posso pedir a um guarda-redes de 36 anos o mesmo que a um de 22. É preciso perceber e enquadrar a metodologia de treino, a gestão das cargas, sempre com o máximo de exigência e rigor", explica Diogo Martins Almeida ao Flashscore.

"Num lote de três guarda-redes, em que um deles normalmente é um miúdo da casa, se um está a jogar o outro tem de perceber que está perto de poder jogar. Parte de mim despertar isso neles. Tem de haver exigência e competitividade entre eles, mas com grau de proximidade. Os objetivos do Trigueira são uns, e tenho de o ouvir nesse sentido e perceber como o posso ajudar, e também tenho de perceber quais os objetivos do Simão (Bertelli) para também o poder ajudar", continua.

"Felizmente, tenho tido sempre grupos fantásticos e eu também tento proporcionar-lhes um dia-a-dia saudável. O Trigueira é apoiado de forma incondicional pelos outros dois guarda-redes. Ainda assim, eles sabem que não podem estar conformados. Precisam de sentir que estão a ganhar qualquer coisa", remata.

Pedro Trigueira já conquistou três prémios de guarda-redes do mês
Pedro Trigueira já conquistou três prémios de guarda-redes do mêsLiga Portugal

De Viseu à Vila das Aves: sete prémios e relação com Jorge Costa

"Sozinhos vamos mais rápido. Juntos vamos mais longe". No futebol e na vida. Diogo Martins Almeida é "muito chato" (no bom sentido, claro) com a equipa técnica e procura o apoio de todos para que o seu trabalho seja bem conduzido. O fisiologista ajuda a organizar as cargas, os analistas fornecem as imagens dos treinos/jogos e o treinador principal partilha consigo a ideia do seu modelo de jogo para que o guarda-redes não seja um corpo estranho. 

"Cada vez mais os treinadores principais que querem estar no topo se preocupam com a função de treinador de guarda-redes. Há 10/15 anos, qualquer pessoa servia para estar com os guarda-redes, mas essa ideia está a mudar. Hoje querem um bom treinador de guarda-redes", defende.

A forma recente do AVS
A forma recente do AVSFlashscore

Esta postura e exigência diária também ajudam a explicar o sucesso obtido nos dois últimos projetos. Em Viseu, Domen Grill conquistou três prémios de guarda-redes do mês e acabou eleito melhor guardião da Liga 2 2022/23 e, na Vila das Aves, Pedro Trigueira já levou para casa também três galardões.

"Claro que fico contente com estas distinções. O Trigueira dizia-me que nunca tinha ganho um prémio e, este ano, assim que ganhou o primeiro, o filho adorou. Fico muito feliz por eles. A verdade é que têm sido dois anos fantásticos, com sete prémios no que toca a guarda-redes, e olhamos para isso como uma grande responsabilidade e ambição para o futuro", assegura.

A estabilidade é outro pilar importante e isso também muito se deve à "competência" de um treinador que conta com uma "bagagem incrível" no futebol.

"O mister Jorge Costa é um ser humano fantástico e um líder imponente. Já tive a felicidade de trabalhar com grandes treinadores, entre eles o Jorge, e o que posso dizer dele é que tem uma forma de trabalhar muito boa. Os jogadores olham para ele como referência e isso dá-lhe um estatuto diferenciado. É uma pessoa muito exigente e muito competente, que sabe os momentos para trabalhar e para brincar com o grupo", elogia.

Diogo Almeida Martins satisfeito por integrar equipa técnica de Jorge Costa
Diogo Almeida Martins satisfeito por integrar equipa técnica de Jorge CostaLiga Portugal

"Eu espero ter acrescentado à equipa técnica dele. Estamos a começar um grupo novo e temos ido um pouco contra todas as expectativas. Estamos envolvidos numa Liga 2 muito competitiva e estamos na posição em que estamos em março (n.d.r: 2.º lugar). Gosto muito de trabalhar nesta equipa técnica", conclui.

Os nomes do futuro: João Carvalho, Diogo Fernandes, André Gomes...

Para alguém que vem da formação de guarda-redes, habituado nos tempos de SC Braga a dias de trabalho com 50-60 miúdos guarda-redes, é inevitável falar sobre o futuro da posição.

"Não posso deixar de destacar o Diogo (Costa) no FC Porto. Se olharmos para o percurso do Diogo, ele teve sempre a oportunidade de fazer a sua formação acima da idade. É um jovem que joga Liga dos Campeões como se fosse Liga 2. Muito tranquilo", introduz.

André Gomes é uma das maiores promessas das balizas em Portugal
André Gomes é uma das maiores promessas das balizas em PortugalSL Benfica

"Indo mais para a realidade que conheço, há miúdos que se vão destacar, sem dúvida. Posso falar do João Carvalho, do SC Braga, em destaque nos sub-23. O Diogo Fernandes, do FC Porto, que também já começa a ter minutos na Liga 2. O André Gomes, do Benfica, que já vai trabalhando com a equipa principal. Há uma panóplia de miúdos que me leva a ter a convicção de que o futuro da posição está assegurado", apresenta.

"O Vital fez uma reestruturação no treino do Sporting, o Eduardo está a fazer um trabalho fantástico na formação do SC Braga, o Fernando (Ferreira) no Benfica...", acrescenta.

"É muito difícil chegar cedo a patamares altos"

A qualidade existe em abundância, mas nem sempre é suficiente. E é aqui que voltamos ao jovem Diogo Martins Almeida que perdeu o sonho de ser guarda-redes profissional antes de seguir o caminho de treinador. A experiência permite deixar conselhos para quem está aí à porta.

AVS luta pela subida de divisão
AVS luta pela subida de divisãoFlashscore

"É difícil para um miúdo ter a capacidade para chegar ao topo. Vivemos nesta ilusão. Os miúdos querem ser profissionais, estar nos melhores clubes e ganhar muito dinheiro... Não é fácil... Um jovem guarda-redes que faça a formação num SC Braga, FC Porto, Vitória SC, entre outros, vai muito provavelmente terminar os sub-19 e ter de ir, com todo o respeito, para um clube da Liga 3, passando de um patamar top de formação para algo completamente diferente. A primeira vontade é dizer: 'vou desistir'. É cada vez mais difícil chegar cedo a patamares altos, por isso tem de haver essa capacidade de passar a barreira", aconselha.

Sobre o próprio futuro não há dúvidas: "Sinto-me preparado para abraçar qualquer tipo de projeto, mas estou perfeitamente confortável com esta equipa técnica do Jorge e espero que a caminhada que desejo seja feita em conjunto. Sei que estamos preparados para os próximos desafios".

Rodrigo Coimbra, editor Flashscore Portugal
Rodrigo Coimbra, editor Flashscore PortugalFlashscore