50 anos do 25 de Abril: Claques surgem da “revolução estética” em liberdade

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50 anos do 25 de Abril: Claques surgem da “revolução estética” em liberdade
As claques de futebol em Portugal surgem após a revolução de 25 de Abril de 1974
As claques de futebol em Portugal surgem após a revolução de 25 de Abril de 1974LUSA
As claques de futebol em Portugal surgem, após a revolução de 25 de Abril de 1974, no âmbito de uma “nova estética em torno do apoio aos clubes”, defende o investigador em culturas adeptas Daniel Freire Santos.

“Vemos, por exemplo, o surgimento de uma nova estética em torno do apoio aos clubes que até hoje marca as bancadas portuguesas. Falo das claques. Logo nos anos 70, temos o despontar destes grupos organizados de apoio que vão demarcar-se, na sua organização e no estilo visual e performático, daquilo que era mais comum observar nas bancadas durante o Estado Novo”, explica o investigador, em entrevista à Lusa.

Doutorando em História na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, na Universidade Nova de Lisboa, Freire Santos é investigador no Instituto de História Contemporânea e atualmente trabalha no projeto “Vou à bola! Culturas Adeptas, Economia Política e Estado na História do Futebol em Portugal (1910-2020)”.

O 25 de Abril de 1974, sustenta, “permitiu a consumação de vários tipos de mobilidade”, mas também liberdade de expressão, associação e reunião, permitindo aos adeptos relacionarem-se em liberdade.

“Este direito de associação e de reunião está ainda muito presente num decreto-lei de 1979, por exemplo, no qual se argumentava que o policiamento em eventos desportivos, antes obrigatório, já não corresponderia aos desígnios da liberdade em democracia, ditando o fim dessa mesma obrigatoriedade”, lembra.

Ainda assim, essa liberdade dura pouco tempo e, nos anos 1980, os sucessivos Governos vão procurando “desenvolver uma legislação muito mais minuciosa” para o interior dos recintos desportivos, acompanhando diretivas europeias.

De alguma forma, o Estado democrático seguiu alguns dos passos “já dados pela ditadura a partir dos anos 60, numa época de maior pressão internacional”.

A tensão entre adeptos e Estado “complexificou-se, no mínimo”.

“O apetrechamento legislativo que procurou aprofundar o controlo sobre o adepto de futebol continuou a existir e foi mesmo intensificado, entre os finais de 90 em diante e até hoje. Há um olhar renovado do Estado, nos últimos 25 anos, perante a questão da segurança e organização dos eventos desportivos”, comenta.

Esse novo olhar, acrescenta, “afeta a forma como os adeptos são percecionados pelo poder político e como se movem para responder a esse poder”.

Esta intervenção estatal “sobre os corpos da multidão adepta”, como defende Daniel Freire Santos, é objeto de várias extensões, em 1998, 2004 e 2009, mas também cinco alterações legislativas, a última em 2023, reforçando uma “linha securitária”.

Para o investigador, este caminho produz mecanismos que servem mais do que a manutenção da ordem pública ou uma resposta concreta a organizações internacionais, do Euro 2004 às finais da Liga dos Campeões.

“Essas transformações dizem ainda respeito à forma como a indústria do futebol, em correlação com as autoridades centrais, tiveram de se ajustar aos elementos mercantis cada vez mais evidentes com o peso do futebol enquanto espetáculo mediático e comerciável”, refere.

São exemplos desta política, sustenta, o controlo por videovigilância alargado a uma área cada vez maior ou a proibição de entrada nos estádios de tarjas ou mesmo a entoação de cânticos que possam conter ideologia política.

Outro dos tópicos mencionados foi o polémico “cartão do adepto”, em período de pandemia de covid-19, e as respostas veementes por parte de claques e outras associações de adeptos.

“Parece interessar não só controlar o excesso ou disciplinar aqueles que se desviam da norma, mas também de impossibilitar o imprevisível de acontecer. (...) Creio que atacar esta imprevisibilidade, que está em muito daquilo que podemos chamar da cultura adepta, poderá produzir efeitos nefastos e até chocar com alguns dos propósitos do 25 de Abril”, afirma.

O Estado Novo, explica o investigador, aplicava no desporto a mesma senda de “disciplinar espaços sociais com dinâmicas mais autónomas”, como os clubes, mudando assim a forma como um adepto se podia comportar.

A inauguração do Estádio Nacional, em Oeiras, em 1944, permitiu ao regime “efabular sobre a multidão ordeira, subordinada à autoridade do Estado e hierarquicamente bem ordenada”, seguindo-se uma máquina legalista de decretos e circulares, direções-gerais e outras ordens, para “manter a disciplina e a ordem do público”, segurando o respeito pela autoridade máxima.

“Certamente que ser adepto de futebol comportava em si um misto entre autocontrolo imposto e liberdade admitida. (...) O meu avô paterno descrevia-me reuniões clandestinas, entre pessoal da oficina e outros do sindicato, feitas nas bancadas de estádios”, acrescenta.

Hoje, sabe-se de adeptos organizados para manifestar-se contra o Governo, como em Braga em 1953, quando um ministro cancelou a visita quando soube de uma espera, casos que comprovam a dificuldade da ditadura em impor-se sobre os adeptos de futebol.