Entrevista Flashscore a Armando Evangelista: "Adversidades tornaram o treinador português referência mundial"

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Entrevista Flashscore a Armando Evangelista: "Adversidades tornaram o treinador português referência mundial"

Armando Evangelista falou em exclusivo ao Flashscore pela primeira vez desde que deixou o Arouca
Armando Evangelista falou em exclusivo ao Flashscore pela primeira vez desde que deixou o AroucaFC Arouca
Três anos, 118 jogos, 50 vitórias, 31 empates e 37 derrotas. Uma subida de divisão, uma manutenção e uma qualificação europeia no Arouca. Os números de Armando Evangelista falam por si, mas dizem muito mais nas entrelinhas. Foi por aí que começou a entrevista do treinador, agora do Goiás (Brasil), ao Flashscore. Na primeira parte falámos sobre Arouca, na segunda sobre Portugal e o Mundo.

Na primeira parte (pode ler aqui), Armando Evangelista discutiu a evolução do Arouca e dos jogadores que orientou enquanto esteve no banco dos Lobos. Na segunda, o técnico fala sobre o futuro, faz uma avaliação à última época da Liga Portugal e explicou o porquê de achar que ainda tem por onde evoluir no futebol português, sem ser nos ditos clubes grandes.

"Em Portugal existem boas ideias, clubes sólidos, com projetos atrativos", garantiu. As várias abordagens de que foi alvo são discutidas e dissecadas com a sua equipa técnica para ter a certeza de que estão a dar o passo certo. E o plural é importante, porque ninguém faz nada sozinho e porque o mérito, quando se ganha e quando se perde, deve ser repartido por todos.

Leia abaixo a segunda parte da entrevista de Armando Evangelista ao Flashscore.

 - Sobre o futuro, o que pretende nesta fase?

- Acima de tudo, queria algo que desse continuidade ao crescimento que tivemos, tanto clube como equipa técnica, nestes últimos anos. Um projeto sustentado em que haja desafios e eu enquanto treinador e a equipa técnica, sejamos desafiados. Porque é assim que crescemos. Não tinha preferência por campeonatos, sinceramente. É olhar para o desafio, o enquadramento e concluir que é o desafio certo para dar o próximo passo. Houve várias abordagens, assumo.

- Tenciona levar toda a equipa técnica que o acompanhou no Arouca?

- Sim, é essa a minha pretensão. Uma parte dela já conhecia e acompanha-me há muitos anos. Depois há o Hélder Godinho que se poderá juntar e a minha intenção é essa. Somos estes cinco – incluindo eu.

- Sente que há possibilidade de progredir na carreira, partindo do princípio que os três grandes, SC Braga e Vitória de Guimarães devem manter os seus treinadores? Não sente que isso possa ser um passo na horizontal em vez de um passo em frente?

- Não… O nosso futebol não se resume a esses cinco clubes. Em Portugal existem boas ideias, clubes sólidos com projetos atrativos. Há esses espaços e na minha opinião ainda são alguns. Obviamente ainda há muitas diferenças em termos de valores, quer orçamentais, qualitativos e quantitativos a favor desses clubes que enumeraste, mas tenho a certeza que há projetos atrativos e sólidos no futebol português.

Armando Evangelista vai agora orientar o Goiás, do Brasil
Armando Evangelista vai agora orientar o Goiás, do BrasilInstagram

- Mas ainda sobre o mercado nacional, não se sente um pouco saturado daquilo que é o dia a dia no futebol português? Os casos e casinhos, as polémicas, acaba por ser sempre a mesma coisa todos os anos. Ainda agora a preocupação era com o tempo útil de jogo, mas parece que essas medidas são mais fogo de vista.

- É verdade, mas também temos que olhar para o copo meio cheio. O nosso campeonato não é pior que os outros. Pode não ser muito melhor, mas não é pior. É um campeonato que reúne as condições para crescer, para nos valorizarmos. Se poderia ser melhor? Claro que sim. E nem era preciso muito esforço. É verdade que vivemos rodeados desses casos e casinhos, por vezes dá a sensação que são manobras de diversão. Mas o campeonato é bom, com margem para crescer, sem dúvida. É um campeonato que é atrativo e só dessa forma é que o valor que chega a Portugal é acrescido, quando o jogador sai de Portugal é valorizado, fazem-se grandes negócios aqui. É impossível o campeonato não ser bom quando temos vendas de 60, 80 ou 120 milhões de euros. Não vamos ter a tendência de achar que o meu vizinho é sempre melhor do que eu. Temos que dar valor ao que temos e ao que a evolução nos tem proporcionado. Se o treinador e o jogador português são bons é graças ao meio em que está inserido. É cá que o treinador cresceu, que os jogadores evoluem, se valorizam. Mas reforço que há margem para melhorar, claro.

- Peço-lhe uma análise ao campeonato, como viu as equipas e a tabela geral?

- Sem dúvida que temos que olhar de três formas este ano. Houve três campeonatos, quase quatro. Porque temos os da parte superior que, sem dúvida, e ainda bem que o SC Braga se têm juntado a essa guerra porque é mais um a valorizar e a entrar numa luta diferente, isso também valoriza o campeonato. Depois, houve a luta mais atrativa pela proximidade, os clubes que se posicionaram entre o 10.º e o 5.º lugar, este ano pontuaram muito no meio da tabela, sempre com ambições de chegar ao 5.º e 6.º lugar que dão acesso à Europa. Para mim esse foi o campeonato mais equilibrado. Depois na parte de baixo, houve uma luta em que um ou dois elementos perderam a guerra muito cedo, o que não é normal. Chegarmos a 4 ou 5 jornadas do fim, apesar de que matematicamente foi até quase à última jornada, mas houve muita descrença a alguns jogos do fim, poucos acreditaram que outros clubes poderiam entrar na luta pela manutenção. Aqui acabo por salientar a luta entre o 10.º e o 5.º lugar, foi a parte mais emotiva da tabela. Depois há as diferenças que todos conhecem e falamos na velha questão das diferenças financeiras e estruturais que é impossivel la chegar. É pena que do quinto ao quarto lugar haja 20 pontos a separar. Isso merece uma reflexão de parte das entidades organizadores e que gerem a Liga, não acho que isso seja bom. É um fosso muito grande, perdes a competitividade. Mas é daquelas conversas que dá pano para mangas.

Arouca terminou nos cinco primeiros da Liga
Arouca terminou nos cinco primeiros da LigaFlashscore

- Era isso que lhe ia perguntar… De que forma é que, por parte das entidades organizadores, se contraria ou aproxima esse fosso?

- Uma das possíveis soluções está na centralização dos direitos televisivos. Mas para ser sincero, se acho que isso resolve tudo? Não. Porque não sei como isso vai ser feito e desconfio que vai trazer muitos mais benefícios e equilíbrio por si só, em relação à competitividade desses clubes. Era de implementar, a nível da Liga, outras regras e exigências que permitissem isso. Há que arranjar estratégias para que os clubes de média e pequena dimensão sobrevivam. Tem que haver uma distribuição diferente das receitas que o futebol gera. Pode haver muitas mais soluções. Tenho alguma dúvida de que isto vai ao encontro das expectativas que estamos a criar para 2028 (entrada em vigor da centralização dos direitos televisivos).

- Qual foi a equipa mais difícil de contrariar esta temporada?

- Dizer só uma é difícil. Os quatro da frente, face às discrepâncias que existem, são as que sentimos mais dificuldades, quer pela capacidade coletiva e individual, a envolvência do próprio jogo. Principalmente quando nos deslocávamos fora. É muito difícil equilibrar forças com essas equipas.

- Ainda assim, com o Sporting, ganhou em casa e empatou em Alvalade...

- Sim, apesar das dificuldades. Foram imensas. Foram daqueles jogos em que tudo nos correu bem, a estratégia foi perfeita, os jogadores corresponderam. Alinharam-se todos os fatores. Por isso mesmo é que pela primeira vez o Arouca ganhou ao Sporting e também pela primeira vez fez pontos em Alvalade. Há aqui dois momentos em que foi muito difícil: o primeiro jogo na Luz e os dois jogos, para a Taça de Portugal e para o campeonato, no Dragão. Foram muito difíceis. Poderia enumerar, pelo resultado, o jogo em nossa casa com o SC Braga, mas aí foi mais um mau desempenho da nossa parte.

- Eu ia-lhe fazer essa provocação, o que é que se passa consigo e com o SC Braga porque ultimamente não tem sido fácil.

- (Risos) Não casamos, não (risos). Há momentos que temos de ser audazes também. Quando defrontas estas quatro equipas tens a noção que provavelmente estás mais próximo de perder e acontece, de longe a longe, conseguir pontuar. Eu pelo menos acabo por arriscar mais. O normal é perdermos, toda a gente vai achar isso normal, porque não tentar ganhar e jogar de forma igual à que temos feito com os outros adversários? Umas vezes corre bem, outras corre mal. Com o Sporting correu bem, com o SC Braga correu mal (risos).

- Também com o SC Braga, em casa, sofreram logo na primeira jogada.

- Foi em casa e foi fora, foram os dois jogos da mesma forma. Passa um pouco por aí, a vontade de querer transmitir ao plantel que não temos as mesmas armas, mas com as que temos somos capazes. Às vezes corre mal, mas nada que belisque o que foi feito. Pena é que, em termos de números estatísticos, se olharmos para os golos sofridos (37) – esta audácia não reflete o que fizemos – e contarmos os que sofremos fora com o FC Porto, Benfica e SC Braga, são 14 golos. Tiras isso do total que sofremos e ias dizer que esta equipa defensivamente é um espetáculo. Mas, lá está, é a nossa audácia de querer fazer melhor. Se calhar foram esses jogos que nos prepararam de forma superior para encarar os outros e fazer melhor.

- Há pouco estava a falar do campeonato e o mister não anda aqui há 5 ou 10 anos, mas muitos mais. Como é que tem visto a evolução do futebol português e a qualidade que tem estado a subir a olhos vistos. O SC Braga e as restantes equipas mais abaixo da tabela estão recheadas de internacionais. Como tem visto esse crescimento qualitativo da Liga?

- Tens toda a razão no que estás a dizer. Pena é que não haja mais SC Bragas. Alguns clubes em Portugal, o SC Braga e o Famalicão também está a dar passos largos para se tornar num bom exemplo. A prova disso é que as condições, infraestruturas e qualidade de treino compensam. Hoje, a maneira de formar e de trabalhar prepara melhor e mais atletas para a exigência da competição. Isso está muito bem refletido pela qualidade do jogador português e pelo que temos alcançado mesmo em termos de seleções, não é por acaso. Nem é mérito de uma ou duas pessoas, é pelo que tem sido feito pelo futebol português. Mas claro, o português é exigente e acha sempre que estamos a fazer pouco. Eu também acho, poderíamos estar a fazer em mais clubes e a outra escala. Mas não nos podemos esquecer que temos melhorado e de que forma, pena é não ser numa escala mais alargada, mas estamos a formar melhor e em mais quantidade.

- Recuando até ao ano passado, o mister vaticinou – e com razão – que o Casa Pia seria uma revelação. Está contente por ter previsto ou se calhar mais valia não terem causado tantos problemas?

- Não me deixa contente, nem triste. Quando estamos atentos ao fenómeno, não olhamos só para o clube A, B ou C. E quando vemos uma organização que se via no Casa Pia, quando nos apercebemos que existe um rumo, há critério nas contratações, a comunicação é assertiva… É óbvio que o futebol é imprevisível, mas quando há estes sinais está-se mais perto do sucesso. O Casa Pia já vinha desde a Liga 2 a dar estes sinais e para quem está atento não era difícil de prever.

Armando Evangelista e a longevidade no Arouca
Armando Evangelista e a longevidade no AroucaOpta by Stats Perform

- O mister é dos raros casos em que esteve num só clube por mais de um ano, aliás até esteve três, uma coisa bem rara no futebol português e isso acaba por se refletir no trabalho. Como é que se faz para alterar este paradigma? Sente que também contribuiu para isso?

- Espero que o meu exemplo sirva de barómetro para os outros clubes e que essa estabilidade chegue a mais clubes e treinadores. Sem dúvida que são três anos de sucesso e isso também reflete a continuidade. O treinador vive dos resultados, ponto parágrafo. Mas algumas vezes há precipitação por parte de quem gere que nem espera resultado. Dá a sensação que ao primeiro problema o treinador está despedido.

- E isso aconteceu este ano...

- Exatamente. Às vezes é preciso meter as mãos na consciência e fazer uma análise. Quando numa época tens 3 ou 4 treinadores, não acredito que os treinadores sejam todos fracos e nenhum dê resultado. Ou então quem está a escolher não sabe escolher. É verdade que quando se ganha temos que dividir o mérito, mas também é verdade que – e muitos colegas meus também o dizem – quando se perde a responsabilidade também tem de ser repartida. Se o treinador não ganha sozinho, também não perde sozinho. Espero que este meu exemplo, o do Sérgio (Conceição) e o do Rúben (Amorim) sejam aproveitados e olhados com olhos de ver para mudar o que tem sido esta dança de cadeiras no futebol português.

- Mesmo a nível de jogadores. O Sérgio Conceição também referiu no final da Taça de Portugal que se os clubes portugueses tivessem 3 ou 4 anos com os jogadores que fazem a diferença, teríamos algo a dizer na Europa.

- Sim e ele também está há seis anos no FC Porto…

- E isso reflete-se na equipa, temos um FC Porto que é a imagem do Sérgio Conceição e são indissociáveis.

- Examente.

- Mas essa questão de segurar os jogadores também lhe aconteceu no Arouca e é muito difícil de contrariar. A saída do André Silva (para o Vitória de Guimarães), por exemplo.

- Sim e em janeiro também saiu o Bukia, provavelmente este ano sairá mais alguém. Tudo parte da estabilidade financeira, como é óbvio. Hoje em dia os clubes deixaram de ser associações e dos sócios. São SAD, são negócios, têm investidores, têm que gerar receitas e lucros. Esta é a realidade do nosso futebol. Portanto, ou tens um planeamento – e acho que as equipas B vêm nesse sentido – para os jogadores terem mais tempo a trabalhar dentro da mesma realidade, para terem mais conhecimento. Acho que a ideia passa por aí. Se isso é levado à letra? Nem sempre. Muitos dividendos se têm retirado destas equipas B, agora para prender ou fidelizar os jogadores na nossa Liga, é óbvio que a parte financeira tem um peso tremendo. Em relação a grande parte das ligas europeias e mundiais, estamos muito aquém do que Inglaterra, França, Espanha e Alemanha podem pagar para atrair a nossa mão de obra. Os nossos investidores e dirigentes, tendo a possibilidade (de vender), é uma fonte de receita fantástica porque produzimos um excelente produto, não é fácil a fidelização por 4 ou 5 anos. Mas é também dentro destas adversidades que o treinador português se tornou numa referência mundial, por ter a capacidade de procurar soluções e não se agarrar aos problemas.

- Aproveito para lhe perguntar se a criação do campeonato revelação (sub-23) foi uma aposta ganha nos dois sentidos: na formação do jogador português e se pode servir como um nível intermédio de adaptação.

- Há duas formas de olhar para isso. Sou apologista das equipas B, mas quando tens essa equipa e outra sub-23 já não entendo essa forma de ter as duas coisas. Tiro o chapéu às equipas B porque têm um espaço de competição para o crescimento de atleta, que vai defrontar jogadores da mesma idade e mais velhos e ter vivências diferentes da que estava habituado - em que defrontava atletas sempre da faixa etária. Aí a evolução é mais acelerada. Quando juntamos um campeonato em que a faixa etária é a mesma… não me parece que acelere tanto a evolução.

- Até porque nas equipas B, a jogar na Liga 3 ou na Liga 2, o nível de competitividade é muito grande.

- Exatamente. Agora… A Liga Revelação tem coisas boas. Principalmente para os atletas que amadurecem mais tarde, dá-lhes tempo e espaço para crescer também, porque não iam conseguir jogar num patamar de Liga 2 ou Liga 3. Mas sou mais defensor das equipas B do que dos sub-23. Mas percebo que, em alguns clubes, face à dificuldade de entrar no patamar competitivo mais elevado – e a nível de logística – optem pelos sub-23 para dar espaço e escoamento à formação. Também concordo com isso e enquadra-se mais nesse caso.

- Há umas semanas, em entrevista ao Flashscore, o Silas disse que a classe que estava pior preparada era o dirigismo. Concorda com a afirmação?

- Acho que temos que evoluir todos. Quando começamos a sacudir a água do capote e a dizer que só uns é que têm que evoluir, sejam dirigentes, árbitros ou jogadores, esse não é o caminho. Como dizia antes, o campeonato é competitivo e apelativo e ainda temos muita margem para crescer. Mas não devemos individualizar. Há margem para todos crescermos se assim o quisermos. É óbvio que a classe dos dirigentes tem que ter a noção que tem muito para crescer, tal como os treinadores e jogadores, uns mais que outros, mas eu prefiro olhar para a globalidade do que só apontar o dedo a uma das partes, porque isso não nos leva a lado nenhum.

- Muito obrigado pelo seu tempo mister.

- Eu é que agradeço, gostei muito!