Uma epidemia: a violência está a espalhar-se de forma rápida pelo mundo do futebol

Publicidade
Publicidade
Publicidade
Mais
Publicidade
Publicidade
Publicidade
Uma epidemia: a violência está a espalhar-se de forma rápida pelo mundo do futebol
O árbitro Halil Umut Meler é agredido por representantes do clube Ankaragucu
O árbitro Halil Umut Meler é agredido por representantes do clube AnkaragucuProfimedia
Adeptos esfaqueados, um treinador desfigurado, um árbitro pontapeado, jogos interrompidos e jogos abandonados. Estes são apenas alguns dos cenários a que o futebol europeu tem assistido nos últimos meses, de França à Turquia, da Bélgica à Grécia. É uma epidemia de violência relacionada com o futebol que, sem uma intervenção eficaz, tem todas as hipóteses de ficar fora de controlo.

Na Turquia, na passada segunda-feira à noite, no final do empate entre o Ankaragucu e o Rizespor (1-1), as cenas chocantes que se desenrolaram aquando do golo do empate dos visitantes no último minuto (90+7) percorreram o mundo. A agressão bárbara ao árbitro Halil Umut Meler, que foi esmurrado na cara pelo presidente do Ankaragucu, deve ser um sinal de preocupação para as gentes do futebol.

Os atos de violência extrema levaram a Federação Turca de Futebol a tomar a decisão de suspender todas as competições até nova ordem.

"Aqueles que o atacaram não atacaram apenas o árbitro, mas toda a gente no futebol turco. É uma vergonha para o nosso futebol! Não nos vamos envergonhar em todo o mundo! Tomámos todas as medidas necessárias para tomar as medidas necessárias. Iremos impor as sanções necessárias. O clube será punido da forma mais drástica. Basta! O futebol turco não merece isto!", afirmou Mehmet Buyukeksi, presidente da Federação Turca de Futebol.

"Todos aqueles que criticaram os árbitros são cúmplices. Os presidentes dos clubes, os dirigentes, os treinadores, os jogadores, todos eles. Os árbitros são humanos, podem cometer erros. Mas não podemos bater-lhes com os punhos e com os pés", acrescentou.

No mesmo dia, em Atenas, a federação anunciou que todos os jogos da primeira liga grega serão disputados à porta fechada até 12 de fevereiro.

Violência e corrupção na Grécia

Este triste episódio na Turquia surge dias depois de um agente da polícia grega ter sido gravemente ferido por um petardo durante um confronto entre hooligans no Pireu, durante um jogo de voleibol masculino entre os rivais Olympiacos e Panathianikos.

O primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis exprimiu a sua "cólera" na sua conta do Facebook pelo "ataque criminoso" contra o agente da polícia. O primeiro-ministro garantiu que "continuará a luta do governo contra a violência no desporto" e "contra todos aqueles que a incitam ou toleram".

A Grécia é um dos países mais afetados pela violência no desporto e, no ano passado, o governo aumentou a pena máxima de prisão de seis meses para cinco anos para os autores de atos de violência, mas não conseguiu reduzir o número de incidentes.

Além disso, a decisão de realizar jogos sem espectadores surgiu quando os árbitros ameaçaram não entrar em campo devido às ameaças de morte que recebem constantemente.

No início deste mês, o jogo do campeonato entre o Olympiacos e o Volos foi interrompido durante quase uma hora na sequência de atos de violência entre hooligans e a polícia. Os jogadores foram obrigados a abandonar o relvado sob uma nuvem de gás lacrimogéneo.

Acreditando ter sido prejudicado pela arbitragem, o Olympiacos acusou o futebol grego de ser gerido por "uma organização criminosa".

Adeptos do Olympiakos envolvidos em incidentes com a polícia
Adeptos do Olympiakos envolvidos em incidentes com a políciaProfimedia

Não foi a primeira vez que a direção do Olympiacos levantou este tipo de acusações. Em abril, por ocasião do dérbi contra o AEK de Atenas no play-off da Superliga grega, após o apito final do jogo, dezenas de adeptos locais invadiram o relvado do estádio Georgios Karaiskakis, lançando fumo e partindo cadeiras. Foram detidos pela polícia, enquanto os jogadores e os elementos do AEK Atenas se dirigiam para os balneários sob a proteção dos polícias presentes no estádio.

Alguns minutos antes, o presidente do Olympiacos, Evangelos Marinakis, desceu ao relvado e agrediu verbalmente o árbitro do jogo.

"Os vigaristas mostraram que não têm escrúpulos. Apitaram uma grande penalidade onde não houve contacto, nem sequer recorreram ao VAR, apesar de ter havido uma falta clara antes do golo do AEK. Toda a Grécia está revoltada. Os vigaristas e o governo mataram o futebol!", denunciou o Olympiacos num comunicado.

A polícia interveio no clássico entre o Olympiakos e o AEK
A polícia interveio no clássico entre o Olympiakos e o AEKProfimedia

A questão assumiu proporções internacionais em agosto, quando um jovem grego morreu na sequência de confrontos entre adeptos do AEK de Atenas e do Dínamo de Zagreb, equipas que deviam disputar a fase de qualificação para a Liga dos Campeões.

"Penso que é muito importante que a UEFA assuma um papel mais ativo nos assuntos do futebol grego... mesmo que cada federação seja independente", afirmou, na altura, Giannis Alafouzos, um poderoso empresário que dirige o Panathinaikos desde 2012.

"Há corrupção. A federação não faz nada há anos", disse Alafouzos à Reuters, citando as investigações dos últimos anos sobre alegações de viciação de resultados, ataques violentos a árbitros e o que disse serem tentativas de influenciar a Federação Grega de Futebol.

Adepto esfaqueado, treinador desfigurado

No outro extremo do continente, a situação também não é mais animadora. A poucos meses do início dos Jogos Olímpicos, a França está a sofrer uma onda de violência relacionada com o futebol.

No final de outubro, o então treinador do Lyon, Fabio Grosso, ficou ferido depois de o autocarro da equipa, que se dirigia para o Stade Vélodrome, local do jogo contra o Marselha, ter sido apedrejado.

"Não temos de esperar que aconteça algo pior para tomarmos decisões importantes", afirmou o italiano na sua primeira conferência de imprensa após os incidentes que levaram à suspensão do jogo.

"O que aconteceu é inaceitável, não se pode ultrapassar uma coisa destas", insistiu, com o olho esquerdo ainda inchado. "Estou melhor, vou recuperar, mas é preciso reforçar as medidas de segurança para que todos se sintam seguros".

Fábio Grosso atacado antes do jogo com o Marselha
Fábio Grosso atacado antes do jogo com o MarselhaAFP

Avisos que não foram ouvidos, pois os incidentes em Marselha acabaram por ser apenas o prelúdio de uma situação ainda mais grave antes do jogo Nantes-Nice, quando um adepto da equipa da casa foi esfaqueado por adeptos adversários e morreu no local.

O Ministério do Interior francês decidiu proibir a entrada de adeptos visitantes numa série de jogos nacionais e internacionais, uma medida que afetou os adeptos do Sevilha que estavam preparados para apoiar a sua equipa no duelo da Liga dos Campeões contra o Lens.

"Não faz sentido proibir 300 adeptos de irem apoiar a sua equipa. É inaceitável que esta bomba seja lançada tardiamente", declarou à imprensa o presidente do Sevilha, José Castro, num exemplo claro de como os atos de violência podem afetar adeptos que não têm culpa.

"Lamento a decisão, sobretudo tendo em conta o facto de a informação ter chegado tão tarde", declarou também o diretor do Lens, Franck Haise. "Como é que vamos gerir os Jogos Olímpicos se não podemos receber 300 adeptos do Sevilha em solo francês? Há um grande problema".

Sem adeptos fora de casa

A decisão de não permitir adeptos fora de casa também não é estranha ao futebol belga. Os jogos entre o Anderlecht e o Standard de Liège serão disputados sem adeptos visitantes nas bancadas até ao final da época 2024/25, após numerosos incidentes nos últimos meses, anunciaram os dois clubes emblemáticos do campeonato belga na segunda-feira (11 de dezembro).

"Nos últimos seis anos, o Clássico Belga foi interrompido quatro vezes", explicaram os dois clubes, que são regularmente objeto de sanções por parte da Federação Belga (RBFA). Por duas vezes, o jogo não foi retomado.

"O que deveria ter sido um dos grandes momentos do futebol belga revelou-se muitas vezes uma desilusão para os adeptos do desporto nos últimos anos", afirmaram os dois clubes, conscientes de que estavam também a penalizar os adeptos de boa fé.

Adeptos do Anderlecht no jogo fora de casa contra o Standard Liège
Adeptos do Anderlecht no jogo fora de casa contra o Standard LiègeProfimedia

Qual o nível de violência causado pelo hooliganismo no futebol?

É este o título de um estudo científico publicado em setembro deste ano no Journal of Public Economics. Os autores analisaram as três principais ligas de futebol alemãs de 2011 a 2015, tentando perceber qual o impacto da violência relacionada com o futebol.

A conclusão foi que a criminalidade violenta aumenta 17% em dias de jogo, com custos sociais associados de cerca de 58 milhões de euros por ano, e sobe para 63% em dias de dérbi. Os homens com idades compreendidas entre os 18 e os 39 anos são os mais frequentemente envolvidos.

Mas o que é que provoca esta agressividade? Os autores do estudo concluíram que não são as circunstâncias sociais ou os problemas domésticos que dão origem a esta frustração que se manifesta na violência. Mesmo a derrota da equipa favorita não está necessariamente na origem da agressão, mas sim o espírito de grupo, dizem os autores. Um estádio de futebol pode dar a alguns indivíduos um sentimento de pertença e é provável que "defendam o seu território" quando um grupo rival vem à cidade para um jogo de futebol.

Mas, sejam quais forem as razões, é evidente que o futebol tem um grande problema e que apenas se tratam os efeitos, sem compreender verdadeiramente as causas que os provocaram.

Quantos mais adeptos terão de morrer, quantos mais árbitros terão de ser agredidos, quantos mais jogadores terão de ser vítimas de abusos raciais, antes de se tomar as medidas necessárias para que o futebol continue a ser o que deve ser: Uma alegria! Uma alegria!