Atletismo queniano mergulhado em novo escândalo de doping

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Atletismo queniano mergulhado em novo escândalo de doping
25 atletas suspensos e 19 casos pendentes só em 2022
25 atletas suspensos e 19 casos pendentes só em 2022AFP
A reputação do atletismo do Quénia está novamente sob fogo após a suspensão este ano de um número invulgarmente elevado de corredores de longa distância por suspeita de doping.

Um alto funcionário da Athletics Kenya – órgão que tutela a modalidade no país – chegou mesmo a avisar que a nação estava em risco de uma proibição internacional, com 25 atletas alvo de sanções e 19 casos ativos pendentes só em 2022, apesar dos esforços renovados para erradicar este flagelo.

Os melhores desportistas quenianos pronunciaram-se contra o uso de drogas que aumentem o rendimento desportivo, com a estrela da maratona Eliud Kipchoge a classificar isso como uma “vergonha” nacional.

O problema não é novo – a potência do atletismo está na primeira categoria da lista de observação da Agência Mundial Anti-Doping (WADA) desde fevereiro de 2016.

“Por agora, estamos na unidade de cuidados intensivos”, disse o funcionário do Athletics Kenya, Barnabas Korir, avisando que o país estava a aproximar-se precariamente da Rússia como párias desportivos.

Barnabas Korir
Barnabas KorirFacebook/Barnabas Korir

“A este ritmo, o Quénia pode não sobreviver este ano. Os avisos estão aí: o Quénia enfrenta uma proibição e os seus atletas não vão poder competir internacionalmente”, prosseguiu, em declarações à AFP.

A maioria dos atletas suspensos ou proibidos por violaram as regras anti-doping da Unidade de Integridade do Atletismo (AIU) [órgão internacional] este ano estão envolvidos em atletismo em estrada e maratonas, nos quais os grandes prémios monetários ajudam a alimentar a prática de corrupção.

Entre os nomes de topo estão Diana Kipyokei, campeã da maratona de Boston em 2021, e Mark Kangogo, corredor de maratona e montanha.

Educação agressiva

Duas substâncias populares são a Norandrosterona e o acetonido de triamcinolona – este último é utilizado para perder peso, construção muscular e resistência e há muito que faz parte do doping no mundo do ciclismo.

No mês passado, a AIU disse que 10 atletas quenianos testaram positivo em 2021/22 para o acetonido de triamcinolona, que ainda era permitido sob algumas formas no ano passado, antes de ser banido em janeiro.

A chefe da Agência Anti-Doping do Quénia (ADAK), Sarah Shibutse, atribuiu o aumento de casos, em parte, ao longo período de paragem de competições devido à covid-19 que deixou os corredores corredores inativos.

Sara Shibutse
Sara ShibutseAFP

Shibutse observou que muitos atletas quenianos vêm de meios desfavorecidos e dependem do seu desporto para ganharem o seu sustento e o das suas famílias.

Quando as corridas foram finalmente retomadas após o levantamento das restrições pandémicas, a competição foi dura, prosseguiu Shibutse.

“Isto deu a grande parte deles o pensamento de que ‘preferia dopar-me de forma a participar nestas competições e ganhar, do que dizer que treinei o suficiente e o meu talento vai fazer-me lá chegar’”.

Ela culpou também agentes, treinadores e gestores por pressionarem demasiado os atletas para terem sucesso e compensarem as suas próprias perdas.

No entanto, Shibutse disse ter visto uma luz ao fundo do túnel, com mais testes, recolha de informações sobre os atletas e programas de sensibilização.

“Queremos tratar o doping com educaçao agressiva, da mesma forma como tratámos a campanha anti-HIV. Vamos às igrejas, falar com os políticos para esclarecer os quenianos sobre os perigos do doping”.

"Matar o dragão do doping"

De acordo com a AIU, um total de 138 atletas quenianos em todos os desportos testaram positivo para substâncias proibidas entre 2004 e agosto de 2018.

Rita Jeptoo, vencedora de várias maratonas de Chicago e Boston, e Jemima Sumgong, que ganhou o título olímpico no Rio de Janeiro, em 2016, estavam entre as banidas por terem tomado Erythropoietin (EPO), um estimulante do sangue.

E em 2019, Asbel Kiprop, o campeão olímpico de Pequim2008 e tricampeão mundial de 1500 metros, recebeu uma proibição de quatro anos.

“Temos estado a fazer um bom trabalho ao apanhar dopantes quenianos que usem outras substâncias como esteróides, EPO e doping no sangue”, disse o chefe da AIU, Brett Clothier, numa recente entrevista.

“Mas há uma tentativa de evitar a deteção usando uma susbtância que pode ser usada terapeuticamente com a desculpa médica certa”, acrescentou.

“Felizmente, com a nossa informação, e a assistência do nosso parceiro local ADAK, conseguimos ultrapassar isto rapidamente e descobrimos o que se estava a passar”.

No mês passado, o Athletics Kenya revelou uma série de medidas, incluindo o reforço das regras de registo nos campos de treino para agentes, pessoal de apoio e agentes clínicos – os que administram os medicamentos.

Organizou também workshops educacionais, visando particularmente os menores de 20 anos.

O novo ministro dos Desportos do Quénia, Ababu Namwamba, prometeu agir rapidamente e começar a limpar a confusão.

Porém, num editorial no mês passado, intitulado “Matar o dragão do doping”, o principal jornal do Quénia, o Daily Nation, lamentou: “os casos em espiral parecem ser um escárnio dos esforços”.

Apelo para “correr limpo”

Korir disse que os atletas seniores já tinham passado pelo processo de sensibilização. “Mas são eles que estão a ser apanhados por utilizarem substâncias proibidas e dar um mau exemplo aos juniores. É sem dúvida triste ver que alguns dos que estão a ser punidos com suspensões e proibição têm sido presenças regulares nestes workshops e estavam conscientes das repercussões”.

O Quénia tem apenas um laboratório de análises de sangue aprovado pela WADA, pelo que ainda envia análises de urina para o Catar e África do Sul para análise.

O chefe dos serviços jurídicos da ADAK, Bildad Rogoncho, disse que o organismo estava a realizar atualmente 1.500 testes de urina por ano, mas que esse número poderia ser duplicado e acrescentar outro laboratório acreditado se o governo desse mais dinheiro.

O queniano Eliud Kipchoge, campeão mundial e olímpico e considerado o melhor maratonista de sempre, expressou preocupação após três dos seus marcadores de ritmo (lebres, na gíria em português; corredores que ditam o ritmo do principal competidor) na corrida em que bateu o recorde em Viena, em 2019, incluindo o seu parceiro de treino Philemon Kacheran, terem sido suspensos.

Eliud Kipchoge admite que o escândalo
Eliud Kipchoge admite que o escândalo Twitter/Eliud Kipchoge

O nível de doping no Quénia é, segundo ele, “uma vergonha” e “imoral”.

“O doping é uma ameaça que mata a credibilidade dos atletas quenianos e do país. Encorajo cada atleta queniano a correr limpo e a deixar um legado”.