Entrevista Flashscore a Ângelo Meneses: "Desfruto do futebol de maneira diferente na Indonésia"

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Entrevista Flashscore a Ângelo Meneses: "Desfruto do futebol de maneira diferente na Indonésia"
Ângelo Meneses satisfeito com projeto na Indonésia
Ângelo Meneses satisfeito com projeto na IndonésiaArquivo Pessoal
O campeonato da Indonésia regressou este fim de semana após a pausa e vários portugueses estão de volta à ação. Ainda não será o tempo de Ângelo Meneses, que encontra-se na fase final da recuperação a uma lesão, que está feliz na sua nova casa: o RANS Nusantara.

Depois da tempestade, vem a bonança. Ângelo Meneses reencontrou a felicidade de jogar no Covilhã, mas infelizmente não conseguiu fugir à despromoção no emblema serrano. Seguiu-se a bonança, traduzida numa proposta desafiante para voltar a deixar Portugal, desta feita para o outro lado do mundo.

Aos 30 anos, o central fez as malas para rumar até à Indonésia, para vestir as cores do RANS Nusantara, e está "zero arrependido" da decisão, como contou nesta entrevista exclusiva ao Flashscore.

"Na Indonésia tens coisas que te fazem sentir mais jogador"

- Como surgiu a possibilidade de ir para a Indonésia?

- Surgiu numa fase inesperada. Parece que quando as coisas estão a correr pior, acabam por surgir as boas oportunidades. Recebi o primeiro contacto ainda antes do campeonato terminar, por parte de um empresário e depois por parte do treinador (Eduardo Almeida), e fiquei logo interessado. Ainda assim, pedi algum tempo para estar concentrado nos jogos que faltavam no Covilhã, que eram muito importantes. Infelizmente, não conseguimos evitar a descida, e assim que terminou o campeonato as pessoas voltaram a insistir para fecharmos o acordo.

- Qual foi o primeiro impacto?

- Já sabia algumas coisas sobre o país, cultura e campeonato, porque tinha lá a jogar o meu amigo Sérgio. Mas, claro, procurei saber mais, ainda que nunca tenha olhado para essa possibilidade com um pé atrás. Estava muito recetivo a ir, até porque era algo que eu procurava nesta fase da minha carreira. Estava na idade certa para sair e, depois de alguns feedbacks, acabei por aceitar a proposta.

Ângelo Meneses nada arrependido de ter abraçado o desafio no RANS Nusantara
Ângelo Meneses nada arrependido de ter abraçado o desafio no RANS NusantaraArquivo Pessoal/Opta by Stats Perform

- E que realidade encontra?

- Não fugiu nada ao que o Sérgio me tinha transmitido. A nível profissional, obviamente está longe do que encontramos em Portugal. A verdade é que não é fácil igualar o nosso nível de profissionalismo. Numa Liga 2 podemos não ser tão bem remunerados, mas temos excelentes condições de treino, de campos... Esse foi o primeiro choque na Indonésia. As condições de treino são diferentes e o profissionalismo dos colegas também é diferente. Mas depois tens outras coisas que te fazem gostar tanto de estar na Indonésia. Por exemplo, ter a possibilidade de ir a um estádio e ter 30-40 mil pessoas nas bancadas. Em Portugal, isso só acontece na Liga e apenas em alguns jogos. Se fores jogador de Liga 2 e Liga 3 não tens essa possibilidade e isso aqui faz-te sentir mais jogador. Depois tens outro tipo de reconhecimento, pois tens muita, muita gente. O Benfica tem dois milhões de seguidores no Instagram, aqui a maior equipa tem seis milhões. Ou seja, se fores jogador de uma equipa grande, fazes uma vida de super estrela (risos).

- Como descreve o jogador indonésio?

- Eles gostam de trabalhar, correr e não tenho razão de queixa. Já ouvi relatos de que os mais velhos não gostam assim tanto de trabalhar, mas eu não tenho razões de queixa. Há alguns mais evoluídos, rápidos e ágeis, mas sente-se muito a falta de formação. Notas isso a nível tático. É uma aventura jogar neste campeonato, pois são muito fracos taticamente. És capaz de estar a ganhar 1-0 e aos 90 minutos tens os teus dois laterais projetados, médios em cima e sofres numa transição. São jogos vividos de forma intensa, em que parece que estás sempre em sobressalto. Mas depois adaptas-te e até te entusiasmas com isso (risos).

- De que forma é que eles olham para os jogadores estrangeiros?

- É simples. Tens de ter rendimento. Se fizeres a diferença nos jogos e mostrares que és melhor, que estás para ajudar e és boa pessoa fora do futebol, eles fazem tudo por ti. Agora, se fores o contrário, eles também colocam-te de parte.

- O Ângelo tem uma equipa técnica portuguesa. Como tem sido trabalhar com o mister Eduardo Almeida?

- Tenho gostado muito de trabalhar com o mister Eduardo Almeida. É alguém a quem estou muito grato pela oportunidade que me deu de poder vir para Indonésia. É uma excelente pessoa e um excelente treinador, que conhece tudo do futebol indonésio.

"O meu clube tem muitos seguidores porque o dono é famoso"

- Uma das coisas que salta à vista é a dimensão das redes sociais dos clubes. O RANS tem mais de 600 mil seguidores...

- O nosso clube é um exemplo à parte (risos). Tirando os clubes grandes, deve ser o que está logo a seguir em termos de seguidores, mas o clube tem muitos seguidores porque o dono é famoso. É o homem mais famoso da Indonésia. Tem 70 milhões de seguidores.

- Já teve a oportunidade de o conhecer?

- Já, já... Já tive a oportunidade de estar na casa dele e é qualquer coisa fora do normal, então os carros... é absurdo. Mas bem, o clube tem 600 mil seguidores por causa dele. São pessoas que não são adeptas do clube, mas sim seguidores e fãs dele.

- Sabe porque é que ele entrou nesse mundo?

- Pelo que percebi, é um grupo de investidores e ele é a cara do clube. Ele tem uma cadeia de entretenimento: RANS Entertainment. Tem basquetebol, ténis, futebol... Sinceramente, nem sei bem o que tem ao certo (risos). É alguém que comprou este clube há quatro anos e conseguiu subir até à primeira liga. O ano passado não desceram por causa do problema do Arema e este ano o objetivo é a manutenção.

RANS tem mais de 600 mil seguidores no Instagram
RANS tem mais de 600 mil seguidores no InstagramInstagram

- Os adeptos são muito apaixonados e houve já situações de algum descontrolo como esse caso do Arema...

- Felizmente, eu ainda não senti situações de perigo. Primeiro porque o meu clube não tem adeptos e depois porque estamos a jogar numa cidade longe da sede. Imagine, o clube é do Porto e nós estamos a jogar em Lisboa.

- Por algum motivo em especial?

- Os donos decidiram mudar, então não temos adeptos. Mas já tive a oportunidade de ver esse fanatismo quando fomos jogar a alguns clubes, como o Persik, o Persebaya, entre outros. Recordo-me de um jogo em Bali que depois desse jogo os adeptos ficaram a conversar com os jogadores. Há muita paixão, mesmo, e, infelizmente, por vezes ganha contornos que não são desejados.

- Estão muitos portugueses a competir no campeonato da Indonésia. Como são esses encontros?

- Falo praticamente com todos os portugueses e, normalmente, temos a possibilidade de jantar e conversar dias antes dos jogos, durante o estágio.

- A aventura estava a correr muito bem e já tinha sido capitão de equipa em alguns jogos, até que uma lesão travou esse bom momento. Foi duro?

- É verdade, estava a correr super bem e estava a sentir-me bem e confiante, como já não me sentia há algum tempo. Estava a jogar e a adorar a experiência, com uma equipa com malta top, e o mister até me deu a braçadeira num dos jogos, algo que me deixou muito feliz e realizado, mas depois lesionei-me num jogo e a equipa acabou por cair um bocado. A paragem chegou em boa altura para a malta descansar e encarar a segunda volta para garantirmos a manutenção.

- Realizou a recuperação em Portugal. Aceitaram essa decisão de forma tranquila?

- Fiz exames e fui ao médico na Indonésia para perceber o estado da lesão e chegou-se à conclusão de que era algo mais grave e que tinha de parar no mínimo dois meses e meio. Então falei com o mister e pedi para ser tratado em Portugal. Ajustámos timings e eles aceitaram, porque sabiam que ia recuperar com gente de confiança e podia fazê-lo na companhia da minha família.

Ângelo está muito satisfeito com a mudança para a Indonésia
Ângelo está muito satisfeito com a mudança para a IndonésiaArquivo Pessoal

"Estou zero arrependido da minha decisão"

- Como é a vida na Indonésia para além do futebol?

- Estivemos perto de Jacarta durante um mês, é um local mais citadino, com um trânsito abismal, em que demoras duas horas para fazer dois quilómetros. O ar também é mais poluído e quase não vês o sol. Depois fomos para Yogyakarta, mais perto do mar e nota-se o céu mais limpo. É uma cidade universitária e estou a gostar imenso. Também já fui a Bali e é completamente diferente de tudo o resto.

- Alguma história curiosa?

- Têm muitas coisas estranhas. Às sete da manhã, antes do treino, comem fritos. Parece que estão sempre a comer a mesma coisa: frango ou peixe frito com arroz por cima, carregado de picante (risos).

- Já falamos um pouco sobre as redes sociais do clube, mas como é a competição em termos de visibilidade e comunicação dos clubes?

- A nível de comunicação do clube, acho que estamos 30 vezes à frente do que acontece em alguns clubes em Portugal. Temos fotógrafo e videógrafo para nós nos treinos, depois duas ou três pessoas que tratam do Instagram, mais o assessor de Imprensa. Eles vivem das redes sociais. Depois temos um tipo de abordagem completamente diferente. Eu estou num clube com muito poucos adeptos e recebo muitas mensagens nas minhas redes sociais. Os miúdos adoram futebol e se souberem que és jogador não te largam. Uma vez, eu e o Kiko fomos a um shopping e estávamos com o fato de treino do clube. Conclusão: tirámos para aí umas 20 fotos em 20 minutos.

Os últimos jogos do RANS
Os últimos jogos do RANSFlashscore

- É esse tipo de coisas que também vos faz sentir um pouco mais jogadores?

- Sim, sim. Os jogos também são todos transmitidos e há muitas empresas que patrocinam o campeonato. Os jornais não sei como funcionam porque nunca li (risos). Aqui trabalham muito na base do digital.

- Muitas pessoas não percebem como é que um jogador deixa um campeonato profissional em Portugal para abraçar um desafio num campeonato periférico. Mas estamos a falar de uma diferença muito grande em termos de condições financeiras, não é verdade?

- Quem disser que vai jogar para a Indonésia só pelos adeptos vai estar a mentir. Obviamente que o primeiro aspeto para ires para longe de família e amigos é o aspeto financeiro, para teres um futuro melhor. Esse foi o primeiro aspeto para o qual olhei. E é muito diferente, sobretudo para um jogador de segunda liga. A maioria das equipas da Liga Portugal não sei se pagam muito mais. Daí a Liga 2 ser muito apetitosa para eles, porque conseguem convencer jogadores de muita qualidade. Obviamente que não é fácil para um miúdo de 24 anos, que ainda tem o sonho de jogar na Liga, mas quando chegas aos 28/29/30 anos, este é o sítio ideal. Quem tiver a mente aberta, vale muito a pena.

- Já se sente um promotor do país e do campeonato?

- São muitas horas de viagem e custa estar tão longe, mas depois tens condições de vida que em Portugal não tens. Aqui tens sol o dia inteiro, dão casa, piscina, ginásio... Estou zero arrependido da minha decisão. Sentes-te muito valorizado e consegues desfrutar do futebol de uma maneira diferente.

Ângelo Meneses joga no RANS, da Indonésia
Ângelo Meneses joga no RANS, da IndonésiaRANS Nusantara FC

"Podes ser bem pago, mas se não estiveres feliz..."

- Neste momento já está de regresso à Indonésia. Como foi regressar e voltar a fazer o que mais gosta?

- Foi muito bom o regresso, já estava com saudades de poder voltar a jogar e a treinar novamente com toda a equipa. 

- Bem recebido pelo grupo?

- Recebeu-me muito bem, as saudades já eram muitas de poder regressar e estar novamente com todos os meus colegas. Recebi muito carinho da parte de todos e isso deixa-me bastante feliz e com muita vontade de poder continuar a ajudar todo o grupo.

- Está tudo preparado para o regresso do campeonato?

- Sim, tudo preparado. Concluímos este mês de trabalho com um último jogo de preparação e agora está tudo a postos para reatar novamente o campeonato a 6 de fevereiro.

Os números de Ângelo Meneses
Os números de Ângelo MenesesFlashscore

- O que espera que esta aventura lhe dê em termos de carreira?

- O meu objetivo passa por continuar por cá.

- Fazendo agora uma retrospetiva à carreira, qual o balanço?

- Não me arrependo de nada do que fiz. Se calhar podia ter sido diferente em determinados momentos. Não minto que o sonho seria jogar numa liga grande europeia e, se calhar, não tomei as melhores decisões... Mas não tenho problemas com isso. Fico muito contente com a carreira que fiz e nesta idade só fico chateado por não ter começado mais cedo esta minha aventura fora do país (risos). Já tinha estado fora e tinha gostado muito, depois apareceu o Rio Ave e voltaram os sonhos, pois era um projeto bom, mas infelizmente não joguei muito e voltei à estaca zero. Tive de ir para o Covilhã, onde recuperei alguma felicidade a jogar, e isso abriu-me a porta para este mercado. Agora não tenciono sair daqui.

- Sente que reencontrou a felicidade na Indonésia?

- Sim, é fundamental. Às vezes é mais importante do que o dinheiro. Podes ser bem pago, mas se não estiveres feliz... Aqui consegui juntar as duas coisas. 

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