Análise de Leonel Pontes: "Jogo lento, previsível e pouco agressivo no ataque"

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Análise de Leonel Pontes: "Jogo lento, previsível e pouco agressivo no ataque"
Leonel Pontes é o treinador Flashscore
Leonel Pontes é o treinador FlashscoreFlashscore
Leonel Pontes é o treinador Flashscore. O treinador de 50 anos, que trabalhou na Seleção Nacional, analisa o jogo inaugural de Portugal no Campeonato do Mundo, frente ao Gana (3-2). Para Leonel Pontes, Cristiano Ronaldo e Bruno Fernandes estiveram em destaque e o principal objetivo foi conseguido: a vitória.

À partida para este jogo existiam várias condições que devem ser analisadas:

 - A importância do primeiro jogo. Ganhar o primeiro jogo é muito importante para somar os três pontos e chegar ao primeiro lugar, a equipa ganhar confiança coletiva, segurança e energia positiva para os dois restantes jogos;

- Reação da equipa em função da situação vivida pelo capitão de equipa, dado o apelo do próprio à tranquilidade do grupo e o blindar do mesmo face a fatores exteriores;

- A afirmação de uma seleção recheada de jogadores de grande qualidade técnico-tática e que jogam nos principais campeonatos europeus e nas equipas que lutam por troféus;

- O rendimento do capitão de equipa face à menor utilização anterior e a um desgaste emocional fruto da situação vivida;

- O facto de a seleção portuguesa não ganhar o primeiro jogo da fase de grupos do Campeonato do Mundo desde 2006;

- A apreensão provocada pelos resultados das equipas candidatas com seleções de menor valia - refiro-me a Alemanha e a Argentina -, o que deixa um alerta a seleção nacional.

As equipas

A seleção nacional apresentou-se num sistema de 1-4-3-3, mas com várias alterações posicionais face ao sistema. A linha de quatro defesas, com Rúben Dias e Danilo no centro, foi responsável pelo início da construção, com o guarda-redes, Diogo Costa, a servir de suporte. Note-se a maior profundidade e largura de Raphael Guerreiro, ao contrario de Cancelo, que limitou-se às ações simples de passe e cobertura.

No meio-campo, Rúben Neves foi o jogador mais posicional, fazendo a ligação defesa-ataque com a ajuda de Bernardo, que baixou várias vezes para junto dos centrais, de modo a "pegar" no jogo. O jogador do Manchester City teve muita liberdade em campo, mas deu pouca profundidade ofensiva, não chegando a zonas de definição ou de remate. Otávio jogou como médio-interior esquerdo, mas apareceu em zonas mais profundas do campo, tentando rematar e fazer assistências, apresentando-se com grande participação ofensiva e defensiva, principalmente na reação à perda da bola.

No ataque, João Félix jogou como ala-esquerdo, tendo alguns movimentos interiores. Mas, com a entrada de Rafael Leão (76 minutos), passou para o lado direito e, na primeira vez que recebeu a bola, fez golo (77 minutos). Ronaldo surgiu como maior referência ofensiva, jogando na zona mais próxima da baliza e Bruno Fernandes, que supostamente daria largura pela direita, jogou muito no corredor central, perto do capitão, procurando ligar o jogo e criar situações de finalização.

Posicionamento médio dos jogadores frente ao Gana
Posicionamento médio dos jogadores frente ao GanaFlashscore/AFP

A seleção do Gana jogou num sistema diferente: 1-5-3-2. A formação apresentou-se muito posicional e alterava-se em função de estar a atacar ou a defender, modificando-se significativamente após o primeiro golo de Portugal. O conjunto africano foi uma equipa que defendeu mais do que atacou, como podemos verificar pelas estatísticas.

Estatísticas do Portugal x Gana
Estatísticas do Portugal x GanaFlashscore

Na defesa, composta pelo guarda-redes - Ati-Zig -, alternou-se entre a saída curta dentro da área e a saída mais direta. A linha defensiva foi composta por: três centrais, muito posicionais e inseguros na primeira e segunda fases de construção do jogo; e dois laterais, o lateral-direito - Seidu - limitou-se a defender e raramente deu profundidade no corredor, do lado esquerdo, Baba, jogador do Reading, foi sempre o lateral mais ofensivo, aparecendo em zonas de cruzamento. Na fase defensiva formaram uma linha de 5 defesas.

No meio-campo a três, Abdul Samed foi o médio mais defensivo, com Kudus, jogador do Ajax, a jogar como médio-interior esquerdo e Partey, do Arsenal, como médio-interior direito. Na frente de ataque surgiram dois avançados móveis, André Ayew e Iñaki Williams, jogadores de Al-Sadd e Athletic Bilbao, respetivamente.

Posicionamento médio da equipa do Gana
Posicionamento médio da equipa do GanaFlashscore/AFP

Confronto de sistemas

No confronto de sistemas e nos dois momentos do jogo - defensivo e ofensivo -, verificou-se alguns comportamentos padrão.

Na fase ofensiva e na primeira fase de construção da seleção portuguesa, os nossos centrais foram sempre pressionados pelos dois pontas de lança, que raramente defendiam os corredores laterais. Do lado esquerdo, Guerreiro foi pressionado pelo médio-interior direito, Partey, com Félix a ficar no corredor direito. Na direita do nosso ataque, a pressão foi realizada pelo lateral-esquerdo e sobre Cancelo. Por esta ordem de ideias estivemos quase sempre em superioridade no meio, visto que o médio tinha tendência a sair por fora e, nas suas costas, jogava Bruno Fernandes e algumas vezes João Félix.

A zona defensiva do Gana esteve sempre em superioridade numérica, por vezes num três para um. Um dos centrais marcava Ronaldo, o segundo esperava pelos movimentos de rutura de Bruno Fernandes ou de Otávio e o terceiro ficava na cobertura, criando superioridade. A equipa do Gana tentou manter-se em bloco curto, libertando os corredores laterais, e criando muita dificuldade para entrar na sua área.

Portugal superiorizou-se ao Gana e os jogadores destacaram-se
Portugal superiorizou-se ao Gana e os jogadores destacaram-seFlashscore

Na fase defensiva de Portugal, com bloco alto, a equipa portuguesa pressionava os três centrais recorrendo aos três avançados, não pressionando o guarda-redes, e com Otávio a pressionar o médio mais defensivo. Assim a nossa seleção estava em superioridade no meio-campo, o que permitiu a recuperação de muitas bolas. Uma delas deu a primeira oportunidade de golo a Ronaldo.

Os nossos centrais jogaram, um contra um, com os dois avançados e realizaram uma pressão forte e individual nas respetivas zonas. A superioridade numérica nessa zona foi dada por um lateral ou pór Rúben Neves. Nas laterais, Cancelo marcou o lateral-esquerdo e Raphael Guerreiro, em grande parte das vezes, fechou por dentro, esperando a chegada de um jogador.

Em bloco baixo, a linha defensiva fechou por dentro, baixando o ala-esquerdo e, em alguns momentos, chegou-se a defender em 4-4-2, com um dos médios a cair para o lado direito, visto que Bruno Fernandes ficou mais perto de Ronaldo no corredor central.

Organização tática coletiva e momentos distintos

O jogo teve dois momentos muito distintos: o primeiro momento decorrer até ao primeiro golo de Portugal (62 minutos) e o segundo entre os 62 minutos e os 100 (90+10).

Primeiro momento (0 aos 62 minutos)

Domínio de jogo para Portugal, com uma percentagem de posse de bola avassaladora e muito segura, com poucas perdas de bola na primeira e segunda fases de construção, mas com pouca agressividade ofensiva. Ou seja, os jogadores foram muito previsíveis e lentos na circulação de bola, realizaram poucos movimentos ofensivos na última linha defensiva e poucas ações de 1x1 por parte dos avançados e laterais.

O jogo concentrou-se mais pela esquerda, devido à falta de largura e profundidade do corredor direito. Cancelo esteve muito pouco ativo e amorfo, com Bruno a jogar muito por dentro. A equipa conseguiu atrair o adversário, mas era incapaz de virar rapidamente o jogo para o lado direito e aproveitar a vantagem numérica, e principalmente de espaço.

Portugal canalizou o seu jogo para o corredor esquerdo
Portugal canalizou o seu jogo para o corredor esquerdoFlashscore/AFP

Verificou-se uma forte reação à perda de bola, o que anulou todas as tentativas de saída do Gana para o ataque e, nesse período, o meio-campo esteve muito bem, a par dos centrais. O Gana fez o primeiro remate aos 53 minutos e, depois, aos 55 minutos, o que reflete a atitude defensiva da equipa e a capacidade de recuperar a bola.

Criámos, nesse primeiro momento, duas oportunidades de golo. A primeira, fruto da pressão alta da equipa no confronto de sistemas, Otávio recuperou a bola e fez o passe, colocando Ronaldo na cara do guardião, mas esteve teve uma má receção. A outra surgiu numa segunda bola resultante de vários cantos, com o cruzamento a sair para o segundo poste e Ronaldo a cabecear ao lado do poste.

Aos 55 minutos, Otávio saiu por lesão e Fernando Santos fez a primeira substituição, entrando William de modo a manter os médios mais rotinados e, ao mesmo tempo, a garantir a qualidade na posse de bola. Todavia, perdeu-se a agressividade defensiva e ofensiva do jogador do FC Porto.

Segundo momento (63 aos 100 minutos)

Marcámos golo de penálti, aos 62 minutos, executado por Cristiano Ronaldo, após falta sobre si mesmo, num remate cheia de confiança, competência e responsabilidade. A partir deste momento, a seleção do Gana aumentou a intensidade de pressão, subindo um médio e um lateral, que incidiram sobre a nossa primeira fase de construção e esse foi o momento em que não conseguimos ter a bola. Perdemo-la várias vezes fruto da pressão adversaria, com os jogadores da frente a não conseguirem segurar a bola, originando, por consequência, situações de ataque rápido.

A seleção do Gana acabou por criar varias situações de perigo, conseguindo o empate aos 72 minutos, pelo avançado André Ayew. O golo nasceu de um movimento de dentro para fora de Williams, levando Rúben Dias a acompanhá-lo e a abrir espaço para o movimento do médio Kudus, que recebeu a bola descaído para a esquerda e cruzou para Ayew finalizar na zona do primeiro poste.

Com o empate, Fernando Santos trocou o médio-defensivo Rúben Neves, entrando Rafael Leão para a esquerda e deslocando Félix para a direita, com William a figurar na posição mais recuada do meio-campo. Na primeira jogada, Danilo recuperou a bola, passou para William, que jogou para Bruno Fernandes e este, com um passe de rutura, isolou João Félix que fez o golo picando a bola por cima do guarda-redes.

João Félix marcou o segundo golo de Portugal
João Félix marcou o segundo golo de PortugalFlashscore/AFP

Com o segundo golo sofrido, a seleção do Gana arriscou mais na pressão, subiu mais jogadores, colocando dois avançados, mas permitiu espaço nos momentos de transição. Logo aos 79 minutos, após recuperação de bola, Bruno Fernandes conduziu, fixou o espaço e os defesas e fez o passe de rutura, no timming certo, para Rafael Leão fazer o 3-1.

A partir daqui, pensávamos que o jogo estava resolvido e que com o terceiro golo haveria mais espaço para explorar. Aos 87 minutos, fizeram-se as três trocas finais: saídas de Ronaldo, Bernardo e Félix, entrando Palhinha, para jogar ao lado de William, Gonçalo Ramos, para ponta de lança e João Mário, para ficar no lado direito do ataque, mantendo-se Bruno Fernandes na posição de médio de ataque. Aos 88 minutos, num passe colocado nas costas de Cancelo que, em movimento não retirou a bola, perdeu o domínio e o duelo para o atacante, este cruzou e colocou a bola na cabeça de Bukari, reduzindo para 3-2.

Números de João Cancelo no desafio
Números de João Cancelo no desafioFlashscore/AFP

A partir desse momento, a seleção nacional tentou manter a bola no meio-campo adversário, ganhando faltas de modo a ganhar tempo. A seleção ganesa conseguiu chegar algumas vezes à baliza nacional, mas sem perigo. Aos 99 minutos, no último minuto do descontos, aconteceu um momento insólito: cruzamento largo da esquerda, dois jogadores do Gana ultrapassaram o campo de visão do guarda-redes, um deles posicionou-se à frente do Diogo enquanto Iñaki ficou nas suas costas. Quando o guardião colocou a bola no chão, Williams roubou-a, mas escorregou e não conseguiu finalizar. Diogo Costa jamais cometerá o mesmo erro no futuro. Pode ter sido distração e/ou ansiedade naquele momento a retirar-lhe o foco.

Conclusão

O primeiro e principal objetivo foi conseguido: a vitória e o primeiro lugar do grupo. Face à fragilidade apresentada pelo adversário e à pouca qualidade de jogo apresentada, não tínhamos a necessidade de passar por esta intranquilidade no resultado. No entanto, sabemos da dificuldade desta competição e da determinação que Portugal tinha em vencer, mas essa vontade resultou num jogo lento, previsível e pouco agressivo ofensivamente. Temos grande margem de melhoria e a vitória dará essa confiança.

Destaques

Cristiano Ronaldo (Portugal) - Sofreu o penálti, executou-o com grande competência e bateu o recorde ao marcar em cinco mundiais consecutivos;

Bruno Fernandes (Portugal) - Duas assistências e maior clarividência na partida. Jogou muito por dentro, faltando dar largura ou ter o apoio de Cancelo;

Bruno Fernandes esteve em destaque
Bruno Fernandes esteve em destaqueFlashscore/AFP

Kudus (Gana) - Jogou com qualidade e intensidade. Deu agressividade defensiva e, quando foi necessário, foi o jogador mais perigoso com os seus remates e a assistência;

Iñaki Williams (Gana) - Irreverente, rápido e com bola qualidade técnica.