Na primeira parte, publicada este fim de semana, Raí abriu o jogo sobre o PSG, clube no qual fez história na década de 90.
Confira abaixo a última parte da nossa conversa com o "Terror do Morumbi", campeão mundial com o tricolor em 1992 e com a seleção brasileira em 1994.
- O que falta para o Brasil voltar a ser campeão do mundo?
- Podemos dizer mil razões, mas para mim tem uma coisa que é muito óbvia, que às vezes é pouco comentada. Estamos a falar em achar um treinador para o Brasil, e pela primeira vez estamos a admitir ter um treinador estrangeiro – e não é porque temos a cabeça mais aberta, mas é porque estamos a ver que (no Brasil) não há.
Temos grandes treinadores, mas para um futebol pentacampeão do mundo, são poucos. Então se você tem poucos grandes treinadores no Brasil é porque não formou treinadores, não se preocupou em formar treinadores.
O Brasil sempre se baseou no talento (dos jogadores), acomodou-se nisso e não investiu em formação de consciência tática. Há 30, 40 anos, isso não tinha tanto peso. Hoje em dia, se não tiver um jogo coeso, intenso, tudo o que vemos nos grandes clubes europeus, não consegue.
Se vir, por exemplo, os confrontos entre Manchester City e Real Madrid (na meia-final da Champions), eles têm grandes jogadores, mas vê-se a mão do treinador.
Na seleção, os talentos continuam, mas com certeza não tivemos o nível de formação (tática) que França e outros países têm de jogadores mais completos – na questão tática, física, de polivalência. E isso faz-se na formação.
Então, o lado mais evidente que mostra porque o Brasil involuiu, não são os treinadores, na verdade, mas a falta de investimento na formação de treinadores. Agora a CBF está a fazer, começou há pouco tempo, mas se pegar o tempo histórico, foi ontem que eles começaram.
Se tivesse começado há 50 anos, hoje teriamos não só melhores treinadores, mas melhores jogadores na formação.
- Ainda sobre a seleção brasileira, qual a sua memória favorita do Mundial de 1994?
- A minha memória favorita é quando chegamos de avião a Recife e encontramos os adeptos. Está acima de tudo essa relação com os adeptos, de 24 anos sem ganhar… houve vários momentos lá (nos Estados Unidos), mas acho que esse é incomparável.
- Fernando Diniz é um bom nome para a Seleção?
- Tem um potencial gigantesco, está a melhorar, nunca tive dúvida nenhuma disso. Estive um ano e meio com o Diniz. É um homem de projeto, de construir projeto, está a fazer isso no Fluminense. No São Paulo teve momentos de alto nível.
A seleção brasileira, não sei se é o momento agora, mas que é um treinador com potencial de seleção brasileira, não tenho dúvida nenhuma, nunca tive, desde que conheci o dia a dia dele. Quando trabalhei próximo dele, dizia a ele e aos atletas: "vocês têm dúvidas que esse homem vai ser um super treinador?". E ele já está a provar.
E além de toda a capacidade, visão, convicção, filosofia, tem uma coisa de treino que é raríssima. Duas coisas: nível de treino, de intensidade e de construção de equipa que vi poucas vezes, vi com Telê Santana e treinadores próximos desse nível; e também uma paixão pelo que faz, pelo futebol, que raramente vi também.
- O Telê foi o melhor técnico com o qual trabalhou?
- Sim, sem dúvida, ele é top 3 de todos os tempos. Claro, hoje as metodologias foram mudando, mas na época dele… Até mostro para o pessoal mais jovem, o Brasil do Mundial de 82, o São Paulo de 91, 92 e 93, estavam muito à frente do seu tempo. É parecido com o que o Guardiola vem fazendo – inclusive o Telê é uma das referências do Guardiola.
Além de ter sido o melhor treinador que já trabalhei e um dos melhores de todos os tempos, o Telê estava muito à frente do seu tempo. É um cara que revolucionou o futebol.
- Era mais fácil jogar pelo São Paulo ou ser treinador do São Paulo?
- Ah jogar, claro (risos). Jogar é mais fácil que ser treinador, mais fácil que ser diretor. Claro, tem a sua responsabilidade como jogador, mas em outras instâncias você acaba a lidar com um espetro de coisas muito mais amplo de responsabilidades e consequências que, quando jogador, você sabe que existe, mas concentra-se só no campo.
- Como avalia a sua experiência como diretor de futebol do clube pelo qual fez história?
- Eu fazia parte do conselho de administração do clube, foi uma experiência interessante nesses três anos que passei no São Paulo. Mas sabemos que o São Paulo, muito antes de eu chegar como diretor e ainda agora, passa por um momento complicado.
Quando entrei, o São Paulo estava já há décadas a sofrer, não só com a falta de títulos importantes, mas também com a degradação da sua estrutura. Então o São Paulo passa por um projeto de médio e longo prazo de reestruturação que começou antes de mim e que vai muito além da parte desportiva.
- Acha que o facto de Rogério Ceni ter sido ídolo do tricolor o atrapalhou como técnico?
- Não. O Rogério já provou e vai ter uma grande carreira como treinador, sem dúvida nenhuma. E carreira longa, quem sabe ele volte mais tarde Acho que é um homem obstinado e vai ter uma carreira de sucesso.
- O maior jogo da sua carreira foi o São Paulo 2-1 Barcelona na final do Mundial de clubes de 1992?
- Foi o mais decisivo, e o mais importante, que colocou o São Paulo na história, sem dúvida nenhuma. E num jogo decisivo ser-se decisivo e fazer um grande jogo é uma coisa que marca para a vida.
- Adorava fazer golos em finais. Acha que há jogadores que tremem em jogos de decisão?
- Há jogadores que se sentem mais confiantes e vivem o momento. Às vezes há momentos em que te sentes iluminados, como o Mbappé na final do Campeonato do Mundo. A Argentina estava a superar a França e todos sabíamos que se alguém tinha que resolver, era ele – e não é que foi mesmo ele (risos).
Mbappé é um iluminado. Tem o talento, claro, mas tem uma coisa meio mágica do futebol que mistura confiança com uma fase meio iluminada.
Naquela época (no São Paulo), num ano e pouco, fiz uns sete ou oito golos em finais, então acho que eu estava num momento assim.
- O jogador sente quando está num momento iluminado? Sentia isso?
- Sentia. Mas às vezes eu senti e não deu certo (risos). Nem sempre, mas sim, tem alguns jogos que se sente e é impressionante. Aqui em Paris falo sempre de um jogo contra o Lyon, que não era final, mas era decisivo. O PSG estava a passar por um momento difícil e estávamos a perder o jogo, mas tivemos uma coisa entre nós e virámos para 3-1.
Depois do jogo, o treinador adversário disse: Quando eles entraram em campo, olhei no olho deles e sabia que íamos perder.
Há momentos em que se sente isso. Por isso o ambiente também é importante. Há também o respeito que se ganha do grupo, isso é uma coisa que também conta muito – não só seres confiante, mas o teu grupo confiar em ti.
- Qual a sua derrota mais dolorosa?
- Graças a Deus, foram poucas. Tive uma contra o Barcelona pelo PSG, na final da Liga dos Campeões (em 1997), que seria o nosso bicampeonato. E aquela que falhei os dois penáltis contra o Corinthians (na meia-final do Brasileirão de 1999), essa também foi dolorosa.
- Sócrates inspirou-o a jogar futebol?
- Não, só me deu o peso de ser irmão dele (risos). Na verdade, quando tinha 10 anos, ele já tinha 21, já estava a voar. Mas a grande inspiração era vê-lo. Era o meu irmão mais velho, fazia medicina, era uma referência, mas havia estes 11 anos de distância e mais quatro irmãos entre eu e ele.
Mas eu apoiava o Botafogo e ia como adepto vê-lo nos treinos. Tudo o que aprendi foi aquela coisa de ter o irmão como ídolo e referência e ver as coisas que ele fazia dentro de campo.
Mas foi mais nessa coisa de ver jogar do que receber conselhos porque eu não pensava em ser jogador naquela altura. Quando tinha 14, 15 anos e comecei a jogar no clube, ele já estava no Corinthians, então não nos cruzávamos.
Foi só mais para frente, quando comecei a tornar-me profissional, que começámos a falar sobre o jogo. Como profissional, não nos víamos muito. Passámos a encontrar-nos mais quando ele parou de jogar, e passámos a ter mais convivência depois da carreira.
Títulos de Raí
Pelo São Paulo:
Mundial (1992)
Libertadores (1992 e 1993)
Brasileirão (1991)
Paulistão (1989, 1991, 1992, 1998 e 2000)
Pelo PSG:
Campeonato Francês (1994)
Taça de França (1995 e 1998)
Taça da Liga (1995)
Supertaça de França (1995 e 1998)
Supertaça Europeia (1996)
Pelo Brasil:
Campeonato do Mundo (1994)