Entrevista Flashscore a Raí: "Fernando Diniz tem potencial para a seleção brasileira"

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Entrevista Flashscore a Raí: "Fernando Diniz tem potencial para a seleção brasileira"
O ex-craque agora é sócio do Paris FC e faz mestrado em Políticas Públicas
O ex-craque agora é sócio do Paris FC e faz mestrado em Políticas PúblicasDivulgação/Raí
Nesta segunda parte da entrevista exclusiva de Raí ao Flashscore, o tetracampeão mundial disseca a principal razão pela qual a seleção brasileira passa por uma crise tática. O ex-camisola 10 explica também porque Fernando Diniz tem potencial para ser o técnico do Brasil e fala sobre os bastidores da sua passagem pelo São Paulo.

Na primeira parte, publicada este fim de semana, Raí abriu o jogo sobre o PSG, clube no qual fez história na década de 90.

Confira abaixo a última parte da nossa conversa com o "Terror do Morumbi", campeão mundial com o tricolor em 1992 e com a seleção brasileira em 1994.

Bandeira de Raí exibida pelos adeptos do PSG
Bandeira de Raí exibida pelos adeptos do PSGProfimedia

- O que falta para o Brasil voltar a ser campeão do mundo?

- Podemos dizer mil razões, mas para mim tem uma coisa que é muito óbvia, que às vezes é pouco comentada. Estamos a falar em achar um treinador para o Brasil, e pela primeira vez estamos a admitir ter um treinador estrangeiro – e não é porque temos a cabeça mais aberta, mas é porque estamos a ver que (no Brasil) não há.

Temos grandes treinadores, mas para um futebol pentacampeão do mundo, são poucos. Então se você tem poucos grandes treinadores no Brasil é porque não formou treinadores, não se preocupou em formar treinadores.

O Brasil sempre se baseou no talento (dos jogadores), acomodou-se nisso e não investiu em formação de consciência tática. Há 30, 40 anos, isso não tinha tanto peso. Hoje em dia, se não tiver um jogo coeso, intenso, tudo o que vemos nos grandes clubes europeus, não consegue.

Canarinha em crise
Canarinha em criseFlashscore

Se vir, por exemplo, os confrontos entre Manchester City e Real Madrid (na meia-final da Champions), eles têm grandes jogadores, mas vê-se a mão do treinador.

Na seleção, os talentos continuam, mas com certeza não tivemos o nível de formação (tática) que França e outros países têm de jogadores mais completos – na questão tática, física, de polivalência. E isso faz-se na formação.

Então, o lado mais evidente que mostra porque o Brasil involuiu, não são os treinadores, na verdade, mas a falta de investimento na formação de treinadores. Agora a CBF está a fazer, começou há pouco tempo, mas se pegar o tempo histórico, foi ontem que eles começaram.

Se tivesse começado há 50 anos, hoje teriamos não só melhores treinadores, mas melhores jogadores na formação.

Raí marcou contra a Rússia no Mundial de 94
Raí marcou contra a Rússia no Mundial de 94FIFA

- Ainda sobre a seleção brasileira, qual a sua memória favorita do Mundial de 1994?

- A minha memória favorita é quando chegamos de avião a Recife e encontramos os adeptos. Está acima de tudo essa relação com os adeptos, de 24 anos sem ganhar… houve vários momentos lá (nos Estados Unidos), mas acho que esse é incomparável.

- Fernando Diniz é um bom nome para a Seleção?

- Tem um potencial gigantesco, está a melhorar, nunca tive dúvida nenhuma disso. Estive um ano e meio com o Diniz. É um homem de projeto, de construir projeto, está a fazer isso no Fluminense. No São Paulo teve momentos de alto nível.

A seleção brasileira, não sei se é o momento agora, mas que é um treinador com potencial de seleção brasileira, não tenho dúvida nenhuma, nunca tive, desde que conheci o dia a dia dele. Quando trabalhei próximo dele, dizia a ele e aos atletas: "vocês têm dúvidas que esse homem vai ser um super treinador?". E ele já está a provar.

E além de toda a capacidade, visão, convicção, filosofia, tem uma coisa de treino que é raríssima. Duas coisas: nível de treino, de intensidade e de construção de equipa que vi poucas vezes, vi com Telê Santana e treinadores próximos desse nível; e também uma paixão pelo que faz, pelo futebol, que raramente vi também.

Raí e Diniz no treino do São Paulo em 2019
Raí e Diniz no treino do São Paulo em 2019saopaulofc.net

- O Telê foi o melhor técnico com o qual trabalhou?

- Sim, sem dúvida, ele é top 3 de todos os tempos. Claro, hoje as metodologias foram mudando, mas na época dele… Até mostro para o pessoal mais jovem, o Brasil do Mundial de 82, o São Paulo de 91, 92 e 93, estavam muito à frente do seu tempo. É parecido com o que o Guardiola vem fazendo – inclusive o Telê é uma das referências do Guardiola.

Além de ter sido o melhor treinador que já trabalhei e um dos melhores de todos os tempos, o Telê estava muito à frente do seu tempo. É um cara que revolucionou o futebol.

Raí e Telê campeões da Libertadores em 1992
Raí e Telê campeões da Libertadores em 1992Rai10oficial

- Era mais fácil jogar pelo São Paulo ou ser treinador do São Paulo?

- Ah jogar, claro (risos). Jogar é mais fácil que ser treinador, mais fácil que ser diretor. Claro, tem a sua responsabilidade como jogador, mas em outras instâncias você acaba a lidar com um espetro de coisas muito mais amplo de responsabilidades e consequências que, quando jogador, você sabe que existe, mas concentra-se só no campo.

Raí no regresso ao São Paulo pós-PSG
Raí no regresso ao São Paulo pós-PSGArquivo Histórico/SPFC

- Como avalia a sua experiência como diretor de futebol do clube pelo qual fez história?

- Eu fazia parte do conselho de administração do clube, foi uma experiência interessante nesses três anos que passei no São Paulo. Mas sabemos que o São Paulo, muito antes de eu chegar como diretor e ainda agora, passa por um momento complicado.

Quando entrei, o São Paulo estava já há décadas a sofrer, não só com a falta de títulos importantes, mas também com a degradação da sua estrutura. Então o São Paulo passa por um projeto de médio e longo prazo de reestruturação que começou antes de mim e que vai muito além da parte desportiva.

O ídolo como diretor do tricolor paulista
O ídolo como diretor do tricolor paulistasaopaulofc.net

- Acha que o facto de Rogério Ceni ter sido ídolo do tricolor o atrapalhou como técnico?

- Não. O Rogério já provou e vai ter uma grande carreira como treinador, sem dúvida nenhuma. E carreira longa, quem sabe ele volte mais tarde Acho que é um homem obstinado e vai ter uma carreira de sucesso.

- O maior jogo da sua carreira foi o São Paulo 2-1 Barcelona na final do Mundial de clubes de 1992?

- Foi o mais decisivo, e o mais importante, que colocou o São Paulo na história, sem dúvida nenhuma. E num jogo decisivo ser-se decisivo e fazer um grande jogo é uma coisa que marca para a vida.

- Adorava fazer golos em finais. Acha que há jogadores que tremem em jogos de decisão?

- Há jogadores que se sentem mais confiantes e vivem o momento. Às vezes há momentos em que te sentes iluminados, como o Mbappé na final do Campeonato do Mundo. A Argentina estava a superar a França e todos sabíamos que se alguém tinha que resolver, era ele – e não é que foi mesmo ele (risos).

Mbappé é um iluminado. Tem o talento, claro, mas tem uma coisa meio mágica do futebol que mistura confiança com uma fase meio iluminada.

Naquela época (no São Paulo), num ano e pouco, fiz uns sete ou oito golos em finais, então acho que eu estava num momento assim.

Raí, em 1980, no Botafogo
Raí, em 1980, no BotafogoRaí10oficial

- O jogador sente quando está num momento iluminado? Sentia isso?

- Sentia. Mas às vezes eu senti e não deu certo (risos). Nem sempre, mas sim, tem alguns jogos que se sente e é impressionante. Aqui em Paris falo sempre de um jogo contra o Lyon, que não era final, mas era decisivo. O PSG estava a passar por um momento difícil e estávamos a perder o jogo, mas tivemos uma coisa entre nós e virámos para 3-1.

Depois do jogo, o treinador adversário disse: Quando eles entraram em campo, olhei no olho deles e sabia que íamos perder.

Há momentos em que se sente isso. Por isso o ambiente também é importante. Há também o respeito que se ganha do grupo, isso é uma coisa que também conta muito – não só seres confiante, mas o teu grupo confiar em ti.

- Qual a sua derrota mais dolorosa?

- Graças a Deus, foram poucas. Tive uma contra o Barcelona pelo PSG, na final da Liga dos Campeões (em 1997), que seria o nosso bicampeonato. E aquela que falhei os dois penáltis contra o Corinthians (na meia-final do Brasileirão de 1999), essa também foi dolorosa.

- Sócrates inspirou-o a jogar futebol?

- Não, só me deu o peso de ser irmão dele (risos). Na verdade, quando tinha 10 anos, ele já tinha 21, já estava a voar. Mas a grande inspiração era vê-lo. Era o meu irmão mais velho, fazia medicina, era uma referência, mas havia estes 11 anos de distância e mais quatro irmãos entre eu e ele.

Mas eu apoiava o Botafogo e ia como adepto vê-lo nos treinos. Tudo o que aprendi foi aquela coisa de ter o irmão como ídolo e referência e ver as coisas que ele fazia dentro de campo.

Raí apresentou o Prêmio Sócrates na cerimônia da Bola De Ouro
Raí apresentou o Prêmio Sócrates na cerimônia da Bola De OuroReprodução/Ballon D'Or

Mas foi mais nessa coisa de ver jogar do que receber conselhos porque eu não pensava em ser jogador naquela altura. Quando tinha 14, 15 anos e comecei a jogar no clube, ele já estava no Corinthians, então não nos cruzávamos.

Foi só mais para frente, quando comecei a tornar-me profissional, que começámos a falar sobre o jogo. Como profissional, não nos víamos muito. Passámos a encontrar-nos mais quando ele parou de jogar, e passámos a ter mais convivência depois da carreira.

Títulos de Raí

Pelo São Paulo:

Mundial (1992)

Libertadores (1992 e 1993)

Brasileirão (1991)

Paulistão (1989, 1991, 1992, 1998 e 2000)

Pelo PSG:

Campeonato Francês (1994)

Taça de França (1995 e 1998)

Taça da Liga (1995)

Supertaça de França (1995 e 1998)

Supertaça Europeia (1996)

Pelo Brasil:

Campeonato do Mundo (1994)