O nome de Rúben Amorim tem feito correr muita tinta na imprensa nacional e internacional nas últimas semanas. O treinador do Sporting tem sido insistentemente associado à sucessão de Jürgen Klopp no Liverpool ao ponto de ser noticiado que o português já tinha chegado a um acordo verbal com os reds, entretanto negado pelo emblema inglês.
O problema do curso
Após uma longa carreira como jogador que atingiu o patamar de internacional, Amorim decidiu seguir para a carreira de treinador aos 33 anos e o seu crescimento foi ascendente e exponencial. Deu nas vistas ao serviço do Casa Pia, onde o seu nome esteve envolto em polémico devido à questão do curso de treinador - multado em 14 mil euros e suspenso um ano de qualquer atividade por parte da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) -, antes de subir mais um degrau.
O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) acabaria por reverter a decisão do organismo que tutela as competições não profissionais em Portugal, como é o caso do Campeonato de Portugal, e Amorim recebeu o convite para integrar a estrutura técnica do SC Braga na época seguinte (2019/20), então como treinador da equipa B. Para trás tinha ficado a possibilidade de assumir os sub-23 do Benfica, como viria a ser confirmado mais tarde pelo agora antigo presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira.
Três meses e oito vitórias em 11 jogos pelos "bês" dos minhotos bastaram para ganhar a confiança do presidente António Salvador para suceder a Ricardo Sá Pinto no comando técnico da equipa principal do SC Braga, uma aventura inicialmente assombrada pelas críticas duras da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF).
Em comunicado, a organização que representa os treinadores portugueses usou termos como "vergonha", "repúdio" ou "triste episódio" para mostrar o desagrado face à escolha do presidente dos arsenalistas.
"Será mais um dos grandes treinadores que o SC Braga projetou para o futebol internacional". Imune a críticas, António Salvador proferiu estas palavras premonitórias na apresentação de Amorim, a 27 de dezembro de 2019.
O boom de Amorim
Rúben Amorim foi um dos principais precursores do regresso do 3-4-3 como sistema. Sentia-se confortável a jogar nesse esquema quando era jogador e foi mestre na arte de o implementar no momento de assumir a sua própria ideia como treinador. Mesmo quando as coisas não correram da melhor forma, não desistiu da ideia.
"A ideia é que se consiga compreender o que o SC Braga vai fazer mas que não seja fácil de parar. Tu podes ou não gostar da ideia do SC Braga, mas sabes que está lá uma ideia. Quem vem para o SC Braga tem de saber que vai ter iniciativa e saber que vai jogar numa equipa grande", explicou numa das primeiras entrevistas como treinador dos arsenalistas.
A estreia foi inesquecível (1-7 ao Belenenses, no Jamor) e o primeiro mês terminou de forma memorável com a conquista da primeira de três Taças da Liga que conta atualmente no seu palmarés, após triunfos frente a Sporting (2-1) e FC Porto (1-0). No total, foram oito vitórias nos oito primeiros jogos (recorde no SC Braga!), e na retina ficou ainda a vitória na Luz, frente ao Benfica (0-1).
Em fevereiro de 2020 não se falava noutra coisa em Portugal. O fenómeno Rúben Amorim causava sensação e a bomba estava prestes a explodir. A 5 de março desse mesmo ano, o Sporting confirma a contratação do então treinador do SC Braga na CMVM, por uma verba de 10 milhões de euros (!), dividida em duas tranches, para ser o 4.º treinador dos leões em 2019/20... e o terceiro mais caro do mundo.
O início de uma nova era em Alvalade
Sem "esconder o passado" de "fanático pelo Benfica", principal rival do Sporting, Rúben Amorim teve como primeiro grande desafio conquistar a confiança dos adeptos sportinguistas.
"Sempre fui adversário do Sporting, e percebi a grandeza do clube. É um orgulho enorme estar nesta casa, defender estas cores, e independentemente do momento, sei o que é o Sporting. Acredito no clube, espero que as pessoas acreditem em mim. Mas o meu foco é no trabalho: posso estar aqui com as palavras mais bonitas, mas no futebol quem ganha é o maior, quem perde deixa de ter valor e de ser sportinguista. Sei que há uma grande exigência, e sei que estou preparado para este desafio", disse.
A 20 pontos da liderança, o Sporting tinha como principal objetivo assegurar a qualificação direta para a fase de grupos da Liga Europa da época seguinte. Perdeu essa luta para o... SC Braga. Mas ganhou um grupo. Aproveitou os 11 jogos da época 2019/20 para fazer uma espécie de teste ao plantel e limar arestas para a época seguinte.
O início de 2020/21 foi difícil, muito por conta da eliminação surpreendente aos pés do LASK Linz nas pré-eliminatórias da Liga Europa, que deixou o conjunto de Alvalade sem o prestígio e dinheiro da Europa e limitado às provas internas.
A bonança depois da tempestade
A confiança do presidente Frederico Varandas manteve-se inabalável. Rúben Amorim era visto como treinador de futuro e capaz de potenciar jogadores. Assim foi. Logo na primeira época, o treinador projetou nomes como Pedro Porro, Gonçalo Inácio, Nuno Mendes e Matheus Nunes e adotou a postura do "jogo a jogo" até à vitória final da Liga, 19 anos depois da última conquista, tendo ainda guiado os leões à vitória na Taça da Liga.
"Agradeço aos jogadores e ao staff, especialmente a eles que passaram um mau bocado aqui no Sporting. Foram anos difíceis, mas tiveram a recompensa hoje. O mérito é todo dos jogadores que acreditaram e sofreram muito. (...) É um peso que me tiram de cima. As pessoas queriam mesmo muito festejar este campeonato, pelo valor e aposta arriscada que foi. Queria muito ganhar pelos meus jogadores e por razões que não são muito saudáveis (as polémicas com a ANTF)", disse.
A desconfiança perdeu rapidamente o prefixo e Rúben Amorim passou a ser um elemento agregador no reino do leão, um nome consensual e forte, dentro e fora de campo, com uma capacidade comunicativa acima da média e um estilo de jogo inconfundível, sem esquecer a "teimosia" em alguns dossiês de mercado.
Após um 2021/22 com dois títulos (Supertaça e Taça da Liga), o ano de 2022/23 foi talvez o mais duro de Amorim no comando técnico do Sporting, em que terminou no 4.º lugar da Liga, apesar de ter atingido os quartos da Liga Europa, antes de voltar à rota do(s) título(s) em 2023/24.
O treinador do conjunto verde e branco acertou nas contratações de Hjulmand e Gyökeres e tem protagonizado uma caminhada irrepreensível, na Liga e na Taça de Portugal, mostrando uma consistência extraordinária, que o projetou também a si para a alta roda do futebol mundial.
Hoje já poucos falam dos 10 milhões que o Sporting pagou ao SC Braga. Agora fala-se em quanto é que os leões podem receber de um grande clube estrangeiro para libertar um treinador que tem contrato válido até 2026 e que ganhou o respeito e a empatia junto dos adeptos sportinguistas, como há muito não se via em Alvalade.
Quatro perguntas a Gonçalo Gregório, antigo jogador de Amorim
Em seis épocas como treinador, Rúben Amorim trabalhou com dezenas de jogadores. De Pina Manique a Alvalade, passando por Braga. Mas há um que se destaca pela singularidade de ter trabalhado com o treinador do Sporting em dois clubes distintos (Casa Pia e SC Braga B): Gonçalo Gregório.
O avançado do Dinamo Bucareste foi o goleador de serviço de Amorim nas suas passagens pelos gansos e pela equipa B dos minhotos e não esconde a sua admiração a quem perspetiva um futuro ainda mais risonho.
- Como recorda a experiência de ter trabalhado com o Rúben?
- Fui o único jogador que ele treinou nesses dois anos antes de ir para o Sporting. Criámos uma relação muito boa, muito próxima e gostei bastante da maneira humana como ele liderava as equipas. Conseguia conquistar os jogadores para que eles dessem o máximo por ele e pela equipa. Além do aspeto do treino e da tática, que ele é forte, conseguia incutir um espírito de grupo muito forte, que não é fácil num grupo de futebol. Também tinha muitas tiradas de humor, que também me agrada. Gostei bastante de trabalhar com ele.
- Aos nossos olhos parece uma pessoa bastante competitiva e exigente. Ele é mesmo assim?
- Bastante exigente. Quando é treino, exige bastante dos jogadores. Ele é bastante honesto e conseguimos perceber muitas vezes aquilo que está a pensar. Tem muitos pensamentos dentro de si e começa logo a rir e não consegue disfarçar. Provoca muito os jogadores naqueles famosos torneios de três equipas nos treinos. É muito engraçado trabalhar com ele, mas também muito exigente do ponto de vista físico e mental.
Leia a entrevista a Gonçalo Gregório
- Esperava esta afirmação?
- Pensava isso, mas é difícil ter certeza porque o futebol depende de muita coisa. Teve vários momentos-chave na sua ascensão, nomeadamente a oportunidade que teve para trabalhar no SC Braga, depois do Casa Pia. Há muitos treinadores que trabalham muito bem e não conseguem resultados por culpa de outros fatores. Eu acreditava que ele podia chegar lá, mas não sabia que ia ser tão rápido.
- Fala-se muito do Liverpool. Acredita que ele está preparado para o salto?
- Sim, penso que esteja preparado, porque até se ter a oportunidade ninguém sabe se está preparado ou não. Só chegando lá, e dependendo dos resultados, se vai dizer se estaria ou não. Penso que é muito bom treinador e tem feito um trabalho muito bom no Sporting. Merece continuar (no Sporting) e depois se ele quer sair ou não é uma decisão dele, no entanto penso que tem potencial e qualidade para treinar qualquer clube do mundo.