Enquanto toda a cidade de Newcastle estava do lado da coroa real, Sunderland e os seus habitantes eram parlamentaristas. As duas cidades, separadas por apenas 19 quilómetros, têm estado em oposição em todas as ocasiões desde então, incluindo durante a votação do Brexit. Por isso, a rivalidade entre as duas cidades transpôs-se inevitavelmente para o campo de futebol. Os dois grandes rivais do norte de Inglaterra voltam a encontrar-se ao fim de sete longos anos.
O extremo nordeste de Inglaterra, o condado de Tyne and Wear, foi um dos epicentros da Revolução Industrial no século XVIII. As reservas locais de carvão foram exploradas e as minas cresceram como cogumelos no campo, a rede ferroviária expandiu-se rapidamente... A região tornou-se também um dos mais importantes produtores mundiais de vidro.
Os caminhos-de-ferro conduziam aos principais portos, de onde o carvão e outros produtos da indústria local eram exportados para todo o mundo. No século XIX, a construção naval surgiu como uma indústria importante no desenvolvimento de Newcastle upon Tyne (abreviado como Newcastle) e Sunderland. Para além da indústria pesada, a região era também um centro de inovação e de novas invenções.
Muito antes do final do século XIX, o futebol também começou a desenvolver-se em Tyne and Wear. Os maiores e ainda famosos clubes de ambas as cidades - Sunderland AFC e Newcastle United - foram formados na década de 1870. Além disso, ambos se encontravam entre a elite na primeira fase histórica do futebol inglês (que poderíamos definir como o período que vai da formação da liga em 1888 até ao início da Primeira Guerra Mundial).
Em 1892, o Sunderland tornou-se a terceira equipa a sagrar-se campeã de Inglaterra (depois dos dois triunfos do Preston North End nas duas primeiras edições da liga e do título do Everton em 1891). Posteriormente, o campeonato foi mesmo defendido, com mais títulos a juntarem-se à coleção em 1895, 1902 e depois também em 1913.
Nessa altura, o vizinho Newcastle também tinha triunfos no campeonato, três no total: O United sagrou-se campeão em 1905, 1907 e 1909. Ambos os clubes voltaram a conquistar a primeira divisão inglesa. O Newcastle conquistou o quarto e último título em 1927, enquanto o Sunderland ganhou a liga seis vezes, a última das quais em 1936. Os êxitos de ambas as equipas de cidades vizinhas do norte de Inglaterra alimentaram naturalmente uma intensa rivalidade desportiva. No entanto, há outros aspetos da rivalidade entre Sunderland e Newcastle que são muito mais antigos do que o próprio futebol.
Pela espada, literalmente
Antes da Guerra Civil Inglesa (que durou entre 1642 e 1651), o rei Carlos I Stuart concedeu à cidade de Newcastle os direitos de extração de carvão. Este facto teve um grande impacto na cidade vizinha de Sunderland, onde o comércio do carvão também estava em plena expansão. Mas, de repente, foi interrompido. Esta medida do Rei provocou naturalmente ressentimentos na cidade em relação aos privilegiados de Newcastle e à monarquia em geral. Desde o início da Guerra Civil, Sunderland, predominantemente protestante, ficou do lado dos parlamentares.
Em oposição direta aos monárquicos católicos de Newcastle. Dezenas de milhares de homens foram mortos em batalhas entre os Parlamentares e Monarquistas. O rei Carlos I Stuart foi executado em 1649. A guerra civil, na qual a Inglaterra, a Escócia e a Irlanda perderam até um décimo da sua população (não só em combate, mas sobretudo devido a epidemias de várias doenças), terminou com a vitória dos parlamentares na batalha de Worcester, em 1651.
O país regressou então à monarquia de uma forma complicada. Mesmo durante a Rebelião Jacobita, que convulsionou a Grã-Bretanha desde o final do século XVII até meados do século XVIII, as cidades de Newcastle e Sunderland foram postas em confronto. E o mesmo aconteceu mais tarde na história britânica. Até os resultados da votação do Brexit de 2016 (a saída do Reino Unido da União Europeia) foram diferentes nas duas cidades.
Enquanto Sunderland (tal como o resto do nordeste de Inglaterra) foi o centro do movimento Vote Leave (a favor da saída), Newcastle brilha como uma ilha solitária no mapa dos resultados eleitorais, onde uma maioria (ainda que escassa) assinalou a opção Remain para permanecer na União Europeia. Newcastle e Sunderland estarão provavelmente em oposição política e de opinião para sempre. Mais uma razão para que os jogos de futebol entre as equipas das duas cidades, o chamado "Tyne-Wear derby", nome dos rios que banham as duas cidades, ganhem cada vez mais força.
Sunderland 'Til I Die vs petrodólares
No último século e meio, o nordesde de Inglaterra passou de um centro industrial rico para uma periferia problemática. O condado de Tyne and Wear perdeu grande parte da sua riqueza. Os famosos estaleiros navais, as docas, as tradicionais fábricas de vidro e as minas de carvão foram gradualmente encerrando. O património futebolístico também foi afetado. Quando os jogadores de futebol do Newcastle e do Sunderland empataram (1-1) na Premier League, em março de 2016, ninguém diria que esse seria o último dérbi de Tyne-Wear durante muito tempo.
Os dois clubes entraram então no período mais negro da sua história. O Newcastle foi despromovido em 2016. Regressou à elite imediatamente após um ano, ficando-se pela mediocridade do meio da tabela, mas , mais importante ainda, o clube lidou com uma incerteza existencial, uma vez que o controverso proprietário Mike Ashley tentou repetidamente (e sem sucesso) livrar-se dele.
Por seu lado, o Sunderland teve um destino ainda mais negro que condiz com a alcunha de Black Cats ("gatos pretos", como são conhecidos os futebolistas da equipa), algo tornado famoso na série documental da Netflix Sunderland 'Til I Die. Se ainda não viu a série, não deixe de a ver. O documentário narra a queda do clube para a terceira divisão (League One), na qual o Sunderland passou quatro épocas antes de lutar para regressar "pelo menos" ao segundo escalão (Championship) em 2022.
Entretanto, o Newcastle United conseguiu encontrar um novo proprietário. Em abril de 2020, foi noticiado pela primeira vez que um poderoso grupo de investimento da Arábia Saudita iria comprar o clube. Falava-se que o Newcastle United se tornaria o próximo Manchester City ou Paris Saint-Germain, um clube com capital quase ilimitado. Após muitos anos de dificuldades com Ashley, os adeptos do Newcastle sentiram a esperança de que os seus queridos Magpies (a alcunha dos futebolistas da equipa) pudessem voltar a abrir as asas.
Os sauditas também conquistaram os adeptos ao prometerem investir em toda a cidade e arredores, criando postos de trabalho (esta é uma região com uma das taxas de desemprego mais elevadas de Inglaterra). No entanto, uma série de incertezas e problemas começaram a surgir em torno do potencial comprador. A venda do clube, que demorou mais de um ano a concluir, aos ainda mais controversos mas fabulosamente ricos proprietários sauditas, foi finalmente concluída em outubro de 2021, tornando o Newcastle United o clube mais rico do mundo.
A longa espera pelo dérbi de Tyne-Wear chega ao fim no sábado, 6 de janeiro, quando Sunderland e Newcastle se defrontarem na famosa Taça de Inglaterra. O dérbi será ainda mais prestigiante porque o historial dos dois rivais é perfeitamente equilibrado: 53 vitórias para o Newcastle, o mesmo número de vitórias para o Sunderland e 50 empates. Será que os Black Cats de Sunderland ou os Magpies de Newcastle conseguirão conquistar o prémio para a sua cidade? O futebol no norte de Inglaterra está a recuperar e as tensões começam a aumentar entre os dois maiores clubes da região.
Para mais informações sobre o dérbi de Tyne-Wear e outras rivalidades do futebol inglês, consulte o livro More than just a match - football derbies in England, do mesmo autor da coluna Semana de Dérbi.
Outros derbies da semana
Sexta-feira, 5 de janeiro
Portugal - LIGA
Dérbi da Invicta
O futebol português é dominado pelos "três grandes". Historicamente, a grande parte das edições do campeonato local foram ganhas por um dos três: Benfica, Sporting e FC Porto. Existem apenas duas exceções. Uma delas é o título do mais pequeno dos dois clubes portuenses, o Boavista, em 2001. O dérbi do Porto é uma batalha entre David e Golias com todos os ingredientes.
Sábado, 6 de janeiro
Dérbi do Minho
Braga e Guimarães são as duas maiores cidades da região do Minho, no norte de Portugal. Situadas a apenas 20 km de distância, são rivais do ponto de vista histórico. A rivalidade entre elas transpõe-se para o campo de futebol. Além disso, os dois protagonistas do dérbi são clubes muito bem sucedidos para os padrões portugueses.
Domingo, 7 de janeiro
França - Taça de França
Le Celtico (dérbi celta)
Na Taça de França, o Guingamp, da segunda divisão, vai defrontar o Rennes, que joga na primeira divisão da Ligue 1. As duas cidades situam-se a 130 km uma da outra, no oeste de França, na Bretanha, conhecida como a terra dos celtas, e o dérbi local tem o nome desta nação histórica.
Derby de Normandie (dérbi da Normandia)
A Taça de França também colocou frente a frente dois outros rivais regionais. No Dérbi da Normandia, uma equipa da primeira divisão da cidade portuária de Le Havre enfrentará uma equipa de Caen, que fica a cerca de uma hora a sul, para chegar aos oitavos de final. O SM Caen joga atualmente na segunda divisão.
Grécia - Superliga
Aris Thessaloniki - PAOK Thessaloniki
O dérbi de Salónica
O futebol grego enfrenta atualmente um enorme problema. Devido a uma série de actos de violência nos estádios, o governo grego encerrou os estádios em dezembro. O jogo será disputado sem espectadores até 12 de fevereiro. Infelizmente, o dérbi de Salónica também se realizará sem adeptos. O PAOK está invicto há cinco jogos.
Espanha - Taça do Rei
Derbi Canario (Dérbi das Ilhas Canárias)
A Taça Real de Espanha está nos oitavos de finais. Esta fase inclui um dérbi entre as duas maiores equipas das duas ilhas Canárias mais populosas. A ilha com maior população é Tenerife. O Las Palmas, da Gran Canaria, joga atualmente na LaLiga.