Os Jogos Olímpicos de Londres, frequentemente recordados como um grande sucesso, realizaram-se em parte num dos bairros mais pobres da capital britânica, Stratford, no distrito oriental de Newham. A zona tinha sido o coração da indústria londrina no século XIX, mas após o declínio das décadas de 1960 e 1970, apenas restou a poluição e uma população pobre.
Na candidatura para os Jogos, a promessa era clara: os Jogos Olímpicos iriam melhorar "diretamente" as condições dos seus habitantes, com milhares de novas habitações, principalmente sociais, a serem vendidas a preços "acessíveis".
Mais de uma década depois, novos moradores continuam a chegar ao parque para ocupar edifícios novos em folha.
Julia Johnson, 33 anos, mudou-se há dois anos com o seu companheiro, depois de ter vivido no centro. "Os apartamentos estão bem construídos, o bairro é agradável", diz enquanto passeia o seu cão.
Há uma grande variedade de cafés e pavilhões desportivos, sem esquecer a grande piscina que sobrou dos Jogos. O parque é um paraíso para corredores e caminhantes. Foi também inaugurado um enorme centro comercial e, a partir de 2022, uma nova linha de metro permitirá chegar ao centro num quarto de hora.
O Victoria and Albert Museum abrirá em breve uma secção cultural no parque, tal como o Sadler's Wells, uma referência na dança, ou o estúdio de música da BBC. As universidades também se instalaram.
Mas tudo isto tem um custo.
Julia paga 2.300 libras (2.663 euros) por mês por um apartamento de dois quartos,um preço semelhante ao de um apartamento de dois quartos nos bairros centrais da capital.
"Noutros prédios, há amigos que pagam 3.000 libras (3.494 euros) de renda", acrescenta. Muitos destes vizinhos trabalham no sector da alta tecnologia.
Oceano de pobreza
"Penny Bernstock, investigadora da Universidade UCL, critica a falta de alojamento a preços acessíveis no Parque Olímpico.
No total, foram construídas cerca de 12.400 casas, das quais cerca de mil são de habitação social - menos de 10% - segundo os números da London Legacy Development Corporation (LLDC), responsável pela remodelação dos recintos dos Jogos.
"Quando se pensa no dinheiro gasto, nas promessas feitas à população local na candidatura aos Jogos, é um escândalo", acrescenta, sublinhando que o parque sofreu uma "gentrificação" para se tornar uma "ilha de riqueza num oceano de pobreza". Os outros bairros de Newham estão entre os mais pobres de Londres e de Inglaterra.
Narjiss Kadiri, uma dona de casa de 45 anos, vive mesmo à saída do Parque Olímpico. Alugou um apartamento com o marido e os cinco filhos, pelo qual começou por pagar 1.000 libras (1.164 euros), depois 1.400 libras (1.630 euros).
A renda subiu para 1.800 libras (2 mil euros) quando saiu, há dois anos, depois de ter conseguido um apartamento municipal por 600 libras (698 euros), após 18 anos de espera. "Muitos casais que conheço desistiram e deixaram Londres", diz ela.
Dilema
Em Newham, o preço das rendas aumentou 58% entre 2012 e 2019 e 20,3% entre 2020 e 2023, o maior aumento de todos os bairros de Londres.
Em 2023, a renda média de um apartamento era de 1.850 libras (2.155 euros).
"Estes aumentos são particularmente problemáticos, tendo em conta os rendimentos dos residentes de Newham", afirma Penny Bernstock, que sublinha o "efeito Jogos".
Mark Robinson, diretor do LLDC, reconhece o dilema com o Parque Olímpico: "Investe-se muito dinheiro numa área, o valor do terreno sobe, o que aumenta as rendas e as pessoas que queríamos ajudar podem ser excluídas do programa".
Mas em Stratford, a construção vai continuar durante mais 15 anos, com milhares de casas "acessíveis", acrescenta.
E para o bairro de Newham como um todo, os Jogos também podem trazer "coisas positivas", reconhece Bernstock, como "as escolas muito boas" que abriram nos últimos anos.
Ou a diminuição da criminalidade nos arredores de Stratford. "A zona é muito mais segura do que era antes dos Jogos", diz Narjiss Kadiri.