Entrevista Flashscore a Alain Giresse: “A questão é saber se o meio-campo da França vai responder a este nível”

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Entrevista Flashscore a Alain Giresse: “A questão é saber se o meio-campo da França vai responder a este nível”

Entrevista Flashscore a Alain Giresse: “A questão é saber se o meio-campo da França vai responder a este nível”
Entrevista Flashscore a Alain Giresse: “A questão é saber se o meio-campo da França vai responder a este nível”Profimedia
Entre jogos amigáveis do Kosovo, que atualmente orienta, Alain Giresse abordou ao Flashscore o momento atual da França e o que se pode esperar dos bleus no Mundial-2022, no Catar.

- Quais foram as suas primeiras impressões ao ver a lista de Didier Deschamps? São as escolhas certas? Pensamos necessariamente na defesa, com a ausência dos laterais Jonathan Clauss e Ferland Mendy. E a decisão de levar sete defesas-centrais de raíz…

- A lista de Didier Deschamps, em geral, não me causou nenhum problema. Entre as 25 escolhas iniciais, depois 26, não encontrei surpresas. E quanto ao setor defensivo, sobre os laterais, até que se prove o contrário, lateral é defesa. Diz-me que Clauss e Ferland Mendy foram esquecidos, ok… Mas, na direita, Clauss é um jogador adequado para um sistema de três defesas e, depois, vais ter dificuldade em dizer-me outro outro lateral-direito...

- Penso em Malo Gusto, que sempre cumpriu no Lyon, por exemplo...

- É claro que, de um dia para o outro, é preciso ressoar. É o Campeonato do Mundo. Não se trata de um torneio de bairro. Os treinadores são confrontados com este tipo de situações muitas vezes. “Porque é que ele levou aquele”? Respondo: "sem problemas... mas dá-me nomes”. E hoje estamos a falar da posição de lateral-direito, mas diga-me quem são os jogadores da direita? Jogadores que, se não fossem chamados, seria um escândalo. Não há nenhum... À esquerda, Lucas é um lateral-esquerdo e o seu irmão também, certo?  Em 2018, foi o Lucas quem jogou nessa posição. Portanto, penso que a avaliação geral do sector defensivo é um pouco imprecisa. Depois disso, sim, à direita com Pavard e Koundé, poderíamos discuti-lo. E, uma vez mais, não se pode dizer que Pavard tenha perdido o Mundial em 2018 como lateral. Na Bayern, também joga como defesa-direito. Koundé, de facto, não é um flanqueador, isso é óbvio. Assim, para este setor, concentrámo-nos no facto de termos mais jogadores para a zona central e, na análise, penso que isso é um bocado ridículo.

- Então, qual acha que seria o esquema tático apropriado? É a favor de uma defesa com quatro homens, um sistema mais clássico, que foi a força da equipa em 2018? Ou um sistema com três defesas, como o que Deschamps tem vindo a utilizar nos últimos meses?

- Treinador de jogos, todos são. E as pessoas que o fazem, fazem-no sem ter todos os elementos na sua posse. É preciso ter em conta as qualidades e complementaridades de cada jogador. O sistema de quatro homens é o mais clássico e o mais habitual. Depois, apercebemo-nos que, se jogarmos com três jogadores, será certamente mais difícil encontrar um homem do lado direito. À esquerda, podemos encontrar um. Seria uma ideia com quatro jogadores. E não tenho qualquer problema com isso, pelo contrário. Quando se quer estabilizar a equipa, esse é o melhor sistema. Na fase final de um torneio como este, a necessidade de ter uma base sólida atrás é indispensável. Penso que a equipa francesa está pronta a utilizar um sistema de quatro homens. 

Alain Giresse e Didier Deschamps com o Variété Club de France
Alain Giresse e Didier Deschamps com o Variété Club de FranceProfimedia

- As ausências de Pogba e Kanté, jogadores-chave em 2018, são susceptíveis de ser notadas. Pogba era um líder no balneário e Kanté é o jogador que todas as equipas querem ter, pela sua função em campo, a recuperar e a colocar os seus companheiros de equipa na melhor posição possível...

- Tem razão. Infelizmente, as lesões acontecem. O Kanté é, de facto, uma grande perda. Depois, o Paul Pogba sofreu uma lesão, mas com um segundo problema: como é que ele se sente a nível mental com todos os acontecimentos que viveu a nível pessoal? Quando um jogador vai ao Campeonato do Mundo, tem de estar física e mentalmente inteiro. Vive-se todos os dias sob pressão numa competição como esta, com a sucessão de jogos, todos eles são importantes, especialmente as eliminatórias em que não há volta a dar. Estes jogadores podem, por exemplo, permitir-se estar menos concentrados nos jogos da liga, com o seu clube, porque com qualidade ainda dará para se superiorizarem. Aqui, estamos a falar de um nível superior. É como a Liga dos Campeões, é a competição de topo. Ambos os aspetos são essenciais. E é verdade que a ausência destes dois jogadores é importante. Estão habituados, conhecem o trabalho, ocupam o meio-campo, têm experiência. O atual meio-campo é muito jovem, falta-lhe experiência. Depois disso, teremos de ver como serão as associações entre os jogadores. Não é fácil de saber. E essa é a questão que podemos colocar: Como é que este meio-campo se irá comportar?

- Aurélien Tchouaméni é o favorito para ser o titular e, por isso, há esta segunda e/ou terceira escolha a ser feita, porque ainda não sabemos se Deschamps utilizará um 4-2-3-1 ou um 4-3-1-2. Acha que este é o ponto fraco da equipa francesa?

- Não, não podemos dizer que é o ponto fraco porque a qualidade está lá. É apenas uma questão de saber se este meio-campo irá corresponder às expectativas de um nível internacional, de uma seleção nacional que tem expectativa de ganhar o título. A defesa tem muita bagagem, mas essa experiência não se encontra no meio-campo. Rabiot não estava no Mundial-2018, Tchouaméni, Fofana, Camavinga e Veretout também não. Isso é um elemento a ter em conta. Mas não significa que lhes faltem qualidades. Significa, sim, que para responder a este tipo de competição é preciso ter uma abordagem e um conhecimento prévio, uma capacidade de lidar com ela... É por isso que continua a ser um ponto de interrogação.  

- Mas, apesar de tudo, a qualidade está lá... basta que se olhe para o Tchouaméni, por exemplo.

- É claro, a seleção tem jogadores de qualidade. Mas a confirmação de um atleta como um jogador de alto nível não se baseia numa simples impressão no início. É preciso traduzi-lo em consistência e, quando se chega ao nível superior, é preciso manter esta consistência nos desempenhos. Tomemos a dupla Tchouaméni-Fofana como exemplo. O jogo contra a Áustria foi perfeitamente aceitável. E o jogo na Dinamarca?

- Muito complicado...

- É isso mesmo. E é isso que vos estou a dizer. Quando se é um jogador deste nível, é preciso corresponder às expectativas. Hoje... é um ponto de interrogação. 

- Passemos ao sector atacante, onde estão Griezmann, Mbappé e Benzema. Será este o melhor trio atacante do Mundial, na sua opinião?

- Individualmente, sim. Mbappé é um jogador de espaço, Benzema desce para manter a bola e criar espaço e Griezmann dá um impulso forte ao jogo. Eles são complementares, isso é verdade. Depois, mencionou os dois médios antes, se for um sistema 4-2-3-1, podemos ter um Coman ou um Dembélé no lado direito. E isso não é mau. 

- De facto, isso ou um 4-3-1-2, com Griezmann na posição 10 e três médios nas costas…

- Sim, com os três médios e Griezmann a juntar-se a eles para construir jogo…

- Mas não sente que, neste sistema, é essencial ter laterais que possam contribuir de forma ofensiva? E que, com Pavard, pode não ser suficiente?

- Contra a Argentina, houve um jogador que marcou um golo magnífico. Quem foi? Ah, foi o Pavard? Para alguém que tem falta de capacidade de ataque, estou surpreendido (risos). Com o Bayern Munique, marcou também. Depois, como disse anteriormente, um lateral é, antes de mais, um defesa. E a sua segunda função é participar no jogo. Penso que ele pode desempenhar esse papel. E existem também os três médios, que devem contribuir para o sector ofensivo e para a sua dinâmica, para além de que os três da frente têm de ser eficientes. 

- Falemos da Dinamarca, o adversário do grupo que deve competir com os Bleus pelo primeiro lugar. São uma equipa que venceu duas vezes a França na Liga das Nações, recentemente. Isso é bom? No sentido em que a seleção já os conhece. 

- O que é certo é que não se trata de uma desvantagem. Pelo contrário, permite-nos dizer a nós próprios "tenham cuidado", porque o adversário está ao mesmo nível. Acho que os dinamarqueses têm muita qualidade, por isso é um bom sinal de aviso e a seleção estará consciente disso, porque sabe que depois, se vencer as outras duas equipas, estará qualificada.

- Sim, de facto. Mas este seria o adversário a vencer para terminar em primeiro e, teoricamente, ficar em melhor posição para o resto da competição...

- Sim, absolutamente. Mas é verdade que, neste caso, os jogos contra a Dinamarca na Liga das Nações são um bom lembrete para dizer "vamos ser cautelosos com esta equipa que tem qualidade".

- E por vezes é bom perder de antemão, descer à terra e aproximar-se mais cuidadosamente do próximo jogo ou da próxima competição...

- É um pouco peculiar dizer que... (Risos) Mas tem razão. Fizemo-lo em 1984, por exemplo. Perdemos contra a Dinamarca. E no primeiro jogo do Euro, contra eles, ganhámos, porque antes disso tínhamos tomado consciência das coisas e dissemos para nós próprios "oh sim, esta equipa tem trunfos"...

Os bleus a levantar o troféu Henri Delaunay
Os bleus a levantar o troféu Henri DelaunayProfimedia

- Vamos traçar um paralelo com Espanha em 2010. Perderam o primeiro jogo contra a Suíça, mas acabaram por ser campeões mundiais. Sente que as grandes equipas têm de passar por um período de dúvida e, depois, abordar os jogos e competições de uma forma diferente, mais séria e atenta?

- Definitivamente. As grandes equipas são capazes de recuperar de uma derrota e aprender com ela, isso é uma realidade. Se uma derrota cria desordem e pânico... é mau e não se trata de uma grande equipa. Em qualquer caso, a chave é não entrar em pânico. Sete jogos para ir até ao fim do torneio é complicado para todos. Não tem necessariamente de começar a voar, tem de lá estar. Mas penso que podemos ultrapassar tudo isso e ir até ao fim. 

- Pensa que este grupo é capaz de ganhar novamente o Campeonato do Mundo? 

- Bem, há apenas um país que conseguiu ganhar dois campeonatos mundiais consecutivos em 1958 e 1962, e esse é o Brasil. Portanto, isso será colocar a fasquia muito, muito, muito alta. Agora, o potencial está lá. A única coisa é que, para se chegar ao fim, tudo tem de ir na mesma direcção. Tudo tem de funcionar, até ao milímetro. E agora, bem, está a começar mal. Vamos ao Campeonato do Mundo com todas as coisas de que falámos, como as lesões. E sabe que a este nível é cirúrgico. Precisamos que tudo se junte: sucesso, eficiência, tudo... senão, não conseguiremos ir até ao fim. 

- Qual é a chave da preparação para um Mundial quando se é jogador e/ou treinador, num contexto "normal"? Chamo "normal" a um torneio que tem lugar em junho. E, em segundo lugar, qual seria a chave neste contexto diferente agora, como estamos em novembro, com campeonatos não terminados e com jogadores que só têm uma semana para se prepararem?

- Como disse, a particularidade deste Campeonato do Mundo é que a preparação tem sido quase inexistente para todos. Assim, aqui, a chave será a capacidade de se passar de um campeonato, de repente, e mergulhar no contexto e no estado de espírito de uma grande competição como o Mundial. Os jogadores, por outro lado, têm de se adaptar ao contexto social desta competição: a vida quotidiana num grupo, a convivência, a formação em conjunto e, claro, os jogos, que são indispensáveis. O Campeonato do Mundo é fantástico, mas é preciso compreender que, para os jogadores, é um compromisso total. O contexto obriga a uma adaptação rápida e as equipas que o conseguirem terão melhores hipóteses de ir até ao fim. 

- Passemos ao seu papel atual no Kosovo. Empatou com a Arménia há pouco tempo (2-2). Tem alguma lição a aprender com esse jogo?

- São jogos exclusivos para jovens jogadores. Nenhum dos jogadores que estamos habituados a ver na seleção nacional está presente. Voluntariamente. Porque os conheço e porque os últimos estágios e jogos têm sido muito bons e positivos. No próximo ano, só temos jogos oficiais, por isso não há oportunidade de ver ou testar. Alguns jogadores jogaram a primeira vez pela seleção nacional contra a Arménia. O objectivo era ver quais os jogadores que poderiam fazer parte da equipa no futuro. Sobre o jogo, o que me agradou contra a Arménia foi que a primeira parte foi muito hesitante e que a segunda foi bem conduzida. Respondemos bem. E, no geral, tivemos muitas oportunidades. Mas, no fim de contas, não era o objectivo principal. E no sábado (contra as Ilhas Faroé), vão começar a titulares todos aqueles que não jogaram. Continuo a ser lógico. Há um trabalho de fundo por detrás disso, necessário devido ao contexto do país e aos jogadores que estão em diferentes ligas europeias. Precisamos de os ver e é para isso que servem estes jogos. 

Alain Giresse está à frente do Kosovo desde fevereiro 2022
Alain Giresse está à frente do Kosovo desde fevereiro 2022Profimedia

- Como disse, a partir de março só tem jogos oficiais contra a Roménia, Andorra, Israel, Bielorrússia e Suíça. Qual é o objetivo para o Kosovo? Como qualquer concorrente, suponho que queira a qualificação para o Euro, mas, mesmo assim, com esta nação, o trabalho tem de ser feito a longo prazo.

- Sabe, o Kosovo é um país apenas desde 2016. E foi a partir desse momento que pôde participar em competições da FIFA e da UEFA. Por isso, temos de construir. Se todos os esforços forem feitos, com uma federação que funcione bem, tudo ficará bem. Mas isso não acontece da noite para o dia. E quanto à equipa nacional, esta deve ser construída com a particularidade de todos os seus jogadores terem dupla nacionalidade. Com o êxodo que se verificou, muitos nasceram na Suíça, Alemanha ou outros países. Portanto, como nasceram noutro lugar, têm de poder jogar no país, porque podem ser chamados por outra nação desde que tenham qualidade. Inevitavelmente, há alguma hesitação. É isto que encontramos com jogadores de origem africana com as nações europeias. Há quem nos diga "não, desculpe, somos alemães ou suíços Sub-21". Em junho, por exemplo, seleccionei o capitão dos Sub-21 do Kosovo, que nasceu na Suécia. No início não houve problemas, mas no final ele optou pelos suecos e não poderá jogar mais pelo Kosovo. E, para voltar à questão, quando se vê o grupo, pensa-se que poderia ter sido mais difícil. Encontramos duas equipas que estão muito acima de nós e não falamos sobre isso. Não dizemos a nós próprios que vai ser fácil, mas dizemos "vamos ter a ambição de fazer alguma coisa". Temos de ter a ambição de jogar com todo o nosso potencial. Tomamos nota e devemos ter a ambição de alcançar algo. Sem arrependimentos. 

- E de um ponto de vista táctico, o que propõe à sua equipa?

- Está sempre dependente dos jogadores que tivermos. Não lhes posso dizer para segurarem a bola se o nível técnico não estiver lá. Do mesmo modo, se uma equipa joga defensivamente, há uma razão. 

- Está contente com o seu primeiro mês lá?

- Sim, está a correr muito bem. Os jogadores estão a responder, são correctos e têm um bom espírito. Estou contente com a forma como está a correr. É interessante e muito exigente. 

- Finalmente, o Bordéus é segundo na Ligue 2, com um início de temporada muito bom. É possível subir? 

- Sim, está a correr bem. Mas percebemos que vai levar muito tempo. Ainda é difícil, a prova é que o primeiro lugar foi perdido. Depois há apenas duas equipas que sobem diretamente. Temos de ver se esta jovem equipa consegue manter-se na luta. Eles são capazes, mesmo que vejamos que pode haver falhas. Teremos também de ver quão bem eles respondem ao facto de se esperar que joguem bem em cada jogo.

Alain Giresse em Sevilha, em 1982
Alain Giresse em Sevilha, em 1982Profimedia