Entrevista a Rui Vitória (parte 2): "Se há clube que está a trabalhar bem é o Sporting"

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Entrevista a Rui Vitória (parte 2): "Se há clube que está a trabalhar bem é o Sporting"
Rui Vitória elogiou Rúben Amorim e Sérgio Conceição e lembrou contratação de Grimaldo
Rui Vitória elogiou Rúben Amorim e Sérgio Conceição e lembrou contratação de GrimaldoProfimedia
Rui Vitória concedeu ao Flashscore uma longa entrevista em que fala de tudo. Desde o CAN ao seu futuro, passando pelo campeonato português, pela seleção, e de alguns dos jogadores que treinou e que estão em grandes clubes europeus. Nesta segunda parte parte, entrevistado por Paulo Cintrão, Portugal Audio Manager, o treinador fala de jogadores com quem trabalhou, como Rúben Dias, Ederson, Lindelof, Ricardo Pereira, Grimaldo, João Félix e Renato Sanches, mas também do campeonato português, de Gyokeres e da Seleção Nacional, de Roberto Martínez.

Rui Carlos Pinho da Vitória, natural de Alverca, foi jogador do Alverca, Fanhões, Vilafranquense, Seixal, Casa Pia e Alcostense. Começou a carreira de treinador no Vilafranquense, seguiram-se os juniores do Benfica, Fátima, Paços de Ferreira, Vitória SC, Benfica, Al Nassr, Spartak Moscovo e seleção do Egito. Três campeonatos nacionais, duas Taças de Portugal, duas Supertaças de Portugal, uma Taça da Liga, uma Liga saudita, uma Supertaça da Arábia Saudita e um título da agora denominada Liga 3.

- Deixe-me falar sobre alguns jogadores que passaram pelas suas mãos e foram dezenas ou centenas. Rúben Dias, Ederson, Lindelof, Ricardo Pereira, Grimaldo, João Félix, Renato Sanches... algum deles começou a render mais do que pensava que poderia ser quando trabalhou com eles?

- Duas coisas... Primeiro, além dos títulos que se vai conquistando, uma das coisas que me dá muito prazer e sabe a título é ver um jogador que passou por nós e está com a vida melhorada, a nossa intervenção teve uma enorme importância no que se tornou hoje. Isso para mim é muito bom. Outra ressalva é que muitos desses começaram connosco. Costumo dizer que muitas vezes a qualidade existe sempre nas formações, lembro-me de estar nos juniores do Benfica e havia uma grande qualidade, mas os miúdos não tinham possibilidade de chegar a séniores. O sucesso da formação tem muitas vezes a ver com a porta que se abre no futebol profissional. Essa porta aberta é meio caminho andado para o resto se desenvolver, essa chave é determinante. Isso aconteceu connosco, alguns começaram connosco. Uma curiosidade é que a grande maioria deles não eram Cristiano Ronaldos ou Messis... Eram jogadores com potencial, hoje todos falam neles, mas temos que ir ao momento, naquela altura não davam valor aos jogadores, não projetavam o que iam dar e eu também não sabia que se iam tornar nos jogadores que são hoje. Mas, vi que os jogadores com algum enquadramento, bom acompanhamento, oportunidade dada há matéria prima para ser desenvolvida, foi essa filosofia que adotei sempre. Não eram os jogadores que são hoje, mas tinham potencial. Os jogadores estão a atingir um nível altíssimo, muitas vezes nem sabem onde podem chegar, nem nós, porque estamos num contexto português, achamos que é bom, mas depois vão para fora e atingem altos patamares. Fruto das formações que têm. Muitos deles não eram estrelas quando eram miúdos, aproveitaram as oportunidades e evoluíram de uma forma que eu não achava que iam chegar. 

Rui Vitória fala sobre João Félix
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- Falo do João Félix, quando chegou ao Atlético de Madrid não conseguiu mostrar tudo o que sabia aos adeptos, estrutura e treinador. Vai para o Barcelona e as coisas funcionam de outra forma, embora nesta altura, não seja titular absoluto, mas assim que chegou teve impacto imediato. Isto é fruto de quê, na sua opinião? Porque a qualidade está lá...

- Até me vou abrir um bocado a falar sobre este assunto pela primeira vez até porque é importante para ajudar a abrir a mente das pessoas. Há uns anos, o futebol era diferente, as equipas mudavam treinadores com facilidade, não havia especificidade no jogo... hoje há equipas que olhamos para elas e que conseguimos identificar com um certo treinador e mesmo mudando de treinador o estilo de jogo mantém-se, isto não existia há uns anos. Isto significa que se há um determinado tipo de jogo em determinadas equipas, há jogadores que têm mais possibilidade de se encaixar naquele contexto do que noutro. O João é um caso desses. O Atlético de Madrid é de enorme qualidade e o treinador tem feito um grande trabalho, mas tem um perfil de equipa que requer um perfil específico de jogador. O João começou comigo e até estava numa fase de introdução para no ano seguinte ter mais impacto, reconheci por ter uma tomada de decisão mais eficiente, no sentido em que, se tivesse que passar por um jogador e fazer golo, ele passava o mais rápido possível e fazia, não perdia tempo em nada. Se viesse uma bola pelo ar, ele não abrilhantava nada, era o mais simples possível. Tem uma capacidade de decisão no último terço muito grande, se o metermos longe da grande área, vai ser mais difícil, porque não é um jogador de transições. Precisa de uma equipa que trabalhe a bola para chegar em determinados momentos para que depois, nos espaços definidos e mais perto da área, venha a qualidade ao de cima. Foi o que aconteceu quando foi para o Barcelona, uma equipa que constrói bem o seu jogo, mete um conjunto de jogadores no último terço para dar a estocada final e o João é um desses jogadores. Se estiver muito afastado da área, vai ter mais dificuldades. Objetivamente, para mim, o Atlético é uma grande equipa e o João é um grande jogador, na minha perspetiva, não era o casamento que devia ter acontecido. Apesar de o João ter que trabalhar e as equipas devem ter a capacidade de acoplar estes jogadores. Há jogadores que são talhados para determinadas equipas, porque são específicas na forma de jogar. O Real Madrid tem mais velocidade que o Barcelona, estes controlam mais a posse de bola, se formos para Inglaterra, o Liverpool é diferente do City, o Arsenal é diferente do Liverpool... Cada equipa tem a sua especificidade. E os jogadores, alguns são muitos versáteis, outros são mais típicos de uma determinada equipa e o João é um caso destes.

Rui Vitória fala sobre a importância do projeto do treinador
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- Ainda bem que fala na questão das diferenças que existem. Falou que adora projetos. Em Inglaterra temos Jurgen Klopp, de saída do Liverpool, temos Guardiola, o próprio Arteta, que são treinadores de projeto. É isso que o Rui quer para o futuro da sua carreira, um projeto que lhe permita conseguir títulos?

- Essa visão é muito interessante. Aqui parece que temos um problema em falar em projetos. Um projeto é uma ideia com princípio, meio e fim. Onde nós estamos, onde queremos chegar e o que temos de fazer para lá chegar. Com muitos resultados ou poucos resultados, esta ideia tem de surgir. Mas no futebol atual as equipas são tão vincadas na forma de jogar que não dá para estar tão dependente do imediatismo. Com essa visão, se calhar o Klopp não tinha passado do primeiro ou do segundo ano. Mais à frente e que chegaram os títulos. O Arsenal também está cada vez mais poderoso. Há que perder tempo a escolher o treinador. Não é apenas o currículo, é escolher o treinador certo e depois dar tempo, recursos e acreditar naquilo que se está a fazer. Hoje até há esta história da formação: estes jogadores ainda têm um percurso a fazer. Quando se está a fazer esse tipo de abordagem, isso precisa de tempo. Uma equipa para ser consolidada não pode ser num mês ou dois. É preciso ter visão e tolerância nesta questão. Para mim o cerne de questão está no processo de aquisição do treinador e depois toda a gente a trabalhar no mesmo sentido. Quando se faz um trabalho de fundo, a solidez do clube será muito grande no futuro.

Rui Vitória e a análise ao campeonato português
Rui Vitória e a análise ao campeonato portuguêsFlashscore

- Nesta questão do treinador de projeto, em Portugal já temos Sérgio Conceição no FC Porto e Rúben Amorim no Sporting. O Rui deixou o futebol português mas pergunto como tem visto esta época e a qualidade da nossa Liga?

- Tenho acompanhado a Liga portuguesa. Já o fazia no Egito e ainda mais agora. Tenho visto os jogos. Temos duas, três equipas a competir para o título, como sempre. Mas no topo acho que o Sporting tem sido a equipa com mais capacidade e é a equipa que ainda precisa de ser mais valorizada por toda a gente. Está a fazer o que um clube deve fazer: tentar manter a estrutura, manter o treinador, ter um núcleo duro que não se conhece mais do que três pessoas, o presidente, o diretor e o treinador. Não vejo o Sporting a ser encostado às cordas por ninguém. Só vi em 45 minutos contra a Atalanta, em Alvalade, e vi agora novamente com a Atalanta. De resto o Sporting não se deixa subjugar por nenhuma equipa. Os pontos que o Sporting tem perdido são mais circunstanciais do que estruturais e acho que isso deve ser reconhecido. Se há clube que está a trabalhar bem é o Sporting. Tem sido a equipa mais forte. Não estou a dizer que vai ganhar porque para se ganhar, às vezes, não é só isto que chega e há um momento, um jogo que pode deitar tudo a perder. O FC Porto é o FC Porto, uma equipa que com o atual treinador está sempre a reinventar-se, a ganhar capacidade, e transforma jogadores que no início da época valem X em jogadores que valem X e mais qualquer coisa em cima. Enquanto equipa acho que o FC Porto é a que tem mais versatilidade no seu jogo. E isto é uma riqueza no futebol português, a parte da perspicácia tática, em perceber e preparar muito bem jogos. O senão é não ter a estabilidade fundamental para uma equipa de topo. Fez um jogo muito bom com o Arsenal em casa e logo a seguir perdeu pontos. Essa regularidade é importantíssima. O Benfica é uma equipa que tem belíssimos jogadores e que está um pouco dececionada pelas expectativas que existiram o ano passado, numa época fantástica, com um futebol lindíssimo e grande qualidade e que este ano as coisas, por isto ou por aquilo, têm demorado a entrar nessa dupla visão que as pessoas gostam: ganhar e merecer ganhar. O Benfica tem ganho os seus jogos, muitas vezes fruto das ações individuais dos seus jogadores e dos aspetos táticos também. O campeonato a três tem estado assim, na minha perspetiva com o Sporting mais forte que os outros dois mas qualquer delas pode ser campeã. Isto pode dar a volta. Um mau resultado cria um stress interno e externo que pode ter influência. O campeonato em si tem sido muito interessante. O que tenho reparado é que as equipas, a espaços, jogam bom futebol mas por um período de tempo limitado. Há ali um mês em que estão bem e depois há um declínio. Tem havido equipas assim, como o Boavista no início, mesmo o Estoril, agora o Arouca, também o Rio Ave. Em todas as equipas vejo jogadores com potencial para jogar a um nível mais elevado.

O panorama atual da Liga Portugal
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- No Benfica tem havido o problema da sucessão de Grimaldo na lateral esquerda, com várias adaptações, e por outro lado um Rafa a fazer uma enorme temporada. No Sporting tem feito a diferença Gyokeres, um avançado cujas características há muito não se via em Portugal. 

- Em relação ao Grimaldo, lembrar que há uns anos também havia quem achasse que não era jogador para o Benfica. Não é fácil arranjar-se nesta altura um substituto para Grimaldo. Estamos a falar de um jogador fantástico, que possibilitava uma saída de bola pela esquerda de enorme qualidade, que ia melhorar muito até o lado direito do ataque do Benfica. Quando a bola rodava havia muito mais espaço para construir. O Grimaldo dava enormes soluções para construção do jogo. Aperfeiçoou muito o remate, os livres diretos. Mas na altura muitos não deram valor ao Grimaldo, não foi unânime quando chegou. A substituição dele tem de haver clareza para as pessoas: não há um clone para Grimaldo, logo o futebol do Benfica tem de ser diferente. O Grimaldo quando o fomos buscar, os primeiros quatro meses fez um jogo ou dois. Era o Eliseu que jogava. A seguir começou a jogar e foi crescendo. Tem de se dar tempo ao tempo. Em Portugal não se pode ir buscar jogadores que sejam produtos acabados. Em relação ao Rafa, tem características únicas no futebol atual. Um jogador que muda de velocidade daquela maneira, que deixa jogadores para trás em 5 metros e que depois até em sprints de 20 ou 30 metros consegue meter mais uma mudança e acelerar, finalizando bem, é algo fora do normal. A finalização antes não aparecia tanto, agora está de facto na sua altura maturacional boa. Está um jogador no seu ponto mais alto. É isto que as equipas querem, um jogador que possa decidir o jogo a qualquer momento. O Gyokeres é um achado, de facto. Parabéns ao Sporting por o ter descoberto e parabéns ao Rúben pelo que potenciou no jogador. Nem o Sporting tem olheiros dos melhores do mundo, nem os clubes de Inglaterra estão a dormir. O que acontece é que o jogador vale X mas agora com o trabalho nesta equipa, projetá-lo para um ano ou dois. E ele está a ser o jogador que é fruto do trabalho que está a ser feito no Sporting. Lembro-me nos primeiros jogos, a visão que ele tinha era só profundidade. Agora já tem tempos em que baixa para a bola entrar nele, depois é um jogador que tem grande capacidade de segurar bola sob pressão e o Sporting trabalhou muito nele. Hoje é um jogador muito mais completo, fruto desse trabalho que é feito na equipa. Ele ganhou muito com o Sporting e o Sporting ganhou muito com ele. Mas o jogador ganhou muito com o trabalho do Sporting. O que ele era, acho estranho equipas inglesas não terem visto, mas melhorou muito desde que está no Sporting. Era um jogador com um perfil para determinado tipo de jogo e agora tem mais tempos. E em Portugal temos uma vantagem, temos um salário emocional que é tremendamente positivo quando as coisas correm bem: comida boa, tempo bom, clubes organizados. Este jogador com a moral que tem, com os sócios que o adoram, tem a motivação no auge. E o Rúben soube muito bem potenciá-lo. 

O impacto de Gyokeres no Sporting e o trabalho de Rúben Amorim
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- Não queria deixar de lhe perguntar que opinião tem de Roberto Martínez, selecionador nacional, que fez uma campanha imaculada de apuramento para o Europeu. Há aqui também um salto qualitivativo, até no discurso.

- Isso tem de ser reconhecido e, na minha opinião, já começou antes, com Fernando Santos. O discurso dele foi sempre nesse sentido. O que aconteceu agora foi um casamento muito bom entre um perfil de equipa e um perfil de selecionador. O desafio agora é mostrar essa capacidade e qualidade no Europeu. A opinião que tenho do selecionador é de alguém que está por dentro do fenómeno das seleções, que me parece ter capacidade, apesar de não o conhecer, e que tem nas suas mãos um lote de jogadores que dá uma gama de possibilidades de jogar que vejo poucas equipas no Mundo a ter. Agora é as coisas encaixarem uma na outra e acho que temos condições para ter sucesso e conquistar mais um título. Mas também, evidente que agora no Europeu vamos agora encontrar desafios diferentes dos que a Seleção tem vindo a encontrar nos últimos jogos. Aí é que vai ser um desafio para toda a estrutura, de mostrar a qualidade contra grandes adversários.

A chegada de Roberto Martínez à seleção
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- Com dois jogadores sempre no lote de convocados, que são Pepe e Cristiano Ronaldo, entre outros. Pepe já passou dos 40, Cristiano Ronaldo já não está muito longe. São jogadores diferenciados.

- São. E ainda bem que ainda estão a competir porque estes jogadores têm um impacto enorme no futuro do futebol. Os jovens têm de olhar para eles e perceber que para se jogar uma carreira inteira a este nível, só se consegue com uma vida de profissional a sério. Estes jogadores, mesmo que às vezes não se jogue tão bem, o que eles provam é que são muito importantes nas equipas porque metem os níveis de exigência muitos elevados, desde os colegas às estruturas das equipas. Tenho a certeza que o Cristiano Ronaldo na Seleção, os médicos, os fisioterapeutas, as pessoas da alimentação, todos têm de estar no seu alto rendimento. E isto faz toda a diferença. A presença destes jogadores é fundamental nos clubes e na Seleção.

Rui Vitória aborda a importância de Pepe e Ronaldo na seleção
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- Há ainda outro exemplo de influência nos clubes e na Seleção, que é Bruno Fernandes, alguém que enverga a braçadeira de capitão do Manchester United, contra a vontade de muitas pessoas, mas que tem andado há duas épocas com a equipa às costas. Este jogador também entre nesse lote da exigência para com todos.

- O que realçava, e podemos juntar Bernardo Silva e Rúben Dias, é a mentalidade que esses jogadores têm. A capacidade de estar preparado para este alvo nível, em que têm de lutar contra as frustrações, contornar os elogios. Esta mentalidade que o jogador português hoje tem é digna de ser destacada. O Bruno Fernandes é agora capitão mas já há algum tempo. Primeiro, saiu daqui a uma quarta-feira, no sentido figurado, e no domingo já estava a jogar a titular. O Rúben Dias a mesma coisa. Passado uns tempos já eram capitães de equipa. Isto é a formação portuguesa a dar um sinal claro que nós, o futebol português, prepara muito bem os jogadores em todas as suas áreas, fundamentalmente na parte mental. Hoje o jogador, é a cabeça que faz toda a diferença. Essas equipas vão buscar os melhores jogadores do Mundo, todos são bons, a diferença está nesta capacidade de exigência e os nossos jogadores têm isso. Estamos a preparar "animais de competição".

Entrevista a Rui Vitória - parte 1