Opinião: Sérgio Conceição tem razão, merece mais do futebol português... e do FC Porto

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Opinião: Sérgio Conceição tem razão, merece mais do futebol português... e do FC Porto
Análise: Sérgio Conceição tem razão, merece mais do futebol português... e do FC Porto
Análise: Sérgio Conceição tem razão, merece mais do futebol português... e do FC PortoAFP
O treinador dos azuis e brancos deixou um desabafo na conferência de imprensa depois da eliminação nos oitavos de final da Liga dos Campeões, na qual pediu mais ao "futebol português". Sem lhe tirar a razão ou sequer questionar o mérito nas declarações, não estará também na altura de pedir mais à própria estrutura?

"Andamos à volta do que é o meu silêncio, o ruído que existe no futebol, tudo o que temos feito aqui com 30% do plantel da equipa B, outros 40% de equipas médias (Paços de Ferreira, Santa Clara, Famalicão, Rio Ave) e depois o mérito é zero. Falam do Otávio ou do Taremi que se atira para o chão e o Sérgio é um arruaceiro. É preciso mais de toda a gente no futebol português. O FC Porto com aquilo que tem - e foram muito difíceis estes meus cinco anos e meio, com fair-play financeiro sem poder ir buscar jogadores e a ter que vender para equilibrar as contas -, é difícil. É muito pouco reconhecido, perdoem-me o desabafo", atirou, no final do encontro da segunda mão.

A meia década da Sérgio Conceição ao leme levou ao museu do clube três campeonatos, três Supertaças e duas Taças de Portugal e ainda uma inédita Taça da Liga. O "eterno insatisfeito" é também o treinador mais vitorioso dos dragões, curiosamente durante o período financeiro mais nefasto e imobilizador na história recente do emblema. O que é um contrassenso, se tivermos em conta que em seis épocas - contando com a atual - chegou duas vezes aos quartos e outras duas aos oitavos de final da Liga dos Campeões. Vamos por partes.

Entrada de pá e vassoura

Na apresentação, em junho de 2017, anunciou uma nova era e confessou-se triste, como portista, pelos "anos (anteriores) sem títulos". Era um treinador à imagem do clube e conseguiu tornar o clube à imagem do treinador. Indissociáveis.

Face ao fair-play financeiro, viu-se obrigado a arrumar a casa e a desfazer os nós atados pelos seus antecessores: recebeu Óliver Torres numa transferência previamente alinhavada, perdeu André Silva, Rúben Neves, Diogo Jota, reaproveitou os outrora descartados e limpou a "gordura" do plantel. Cometeu um erro de casting na contratação de Majeed Waris, mas... ganhou o título na época de estreia com os "dispensados" Marega e Aboubakar no ataque.

Na antevisão ao jogo com o Inter da passada terça-feira, o técnico vincou que os adeptos do FC Porto estão nem aí se a equipa "bate bombo ou toca violino, querem é ganhar". Os primeiros tempos foram prova disso, mais espírito de sacríficio, maior pressão e verticalidade, apoiados na potência de Marega e na capacidade de Brahimi e Corona para tirar coelhos da cartola.

Não foi uma lufada, mas sim um tornado de ar fresco depois dos anos de posse e controlo inconsequentes de Julen Lopetegui e Nuno Espírito Santo.

Porém, ao fim de três anos, os protagonistas mudaram e a receita era a mesma. A ligação direta Mbemba-Marega estava mais que estudada pelos adversários, que a contrariavam baixando linhas para não levar com bolas nas costas e começaram a surgir outros nomes no plantel: Otávio afirmou-se, Luis Díaz explodiu e Taremi apareceu, não só para fazer golos, como também para assistir. 

Reinvenção pós-Marega

O avançado maliano foi perdendo espaço e acabou por sair a custo zero, em 2020/21, época na qual o clube só venceu a Supertaça. Os adeptos estavam divididos sobre a continuidade de Conceição que, sem o seu jogador talismã, foi obrigado a encontrar soluções e tirou do bolso uma chapada de luva branca.

A verticalidade deu lugar a um futebol de apoio, com muitas movimentações sem bola e jogadas entrelinhas, conseguindo um equilíbrio entre o jogo rendilhado e direto. Neste aspeto, o papel de Vitinha ao lado de Uribe foi fundamental, porque permitiu uma panóplia de soluções no último terço:

A polivalência de Pepê permitia-lhe jogar pela esquerda, ao centro, à direita ou até a lateral; Otávio, começava sobre a direita, mas podia juntar-se ao meio-campo e permitir a subida do lateral, aliando a capacidade técnica à intensidade na pressão e nos duelos; Taremi tanto era a referência ofensiva, como baixava para receber junto dos defesas e dos médios; e, por fim, Luis Díaz que, em meia época, fez 16 golos e 5 assistências... palavras para quê?

Era um 4-2-4 moldado a um dragão de três cabeças. Aliado a isto, o treinador conimbricense tornou-se num estratega exímio, preparando os encontros e fazendo pequenas nuances de acordo com o estilo e momento de forma do adversário. Até porque a mensagem para os jogadores não alterava muito: entrada forte nos primeiros minutos, chegar ao golo e ditar, sempre(!), o ritmo do jogo, estando a perder ou a ganhar. 

Sucessos e tiros nos pés

Além disso, valorizou jogadores e transformou-os em receitas: Ricardo Pereira (20M€), Diogo Dalot (22M€), Éder Militão (50M€), Felipe (20M€), Alex Telles (15M€), Fábio Silva (40M€), Danilo Pereira (16M€), Luiz Díaz (45M€), Vitinha (40M€) e Fábio Vieira (40M€) são os principais destaques. 

Vários outros poderiam fazer parte desta lista, mas a má gestão dos ativos por parte da SAD impediram um maior encaixe financeiro. São os casos de Corona (3M€), Marega (custo zero), Herrera (custo zero), Sérgio Oliveira (3M€), Marchesín (1M€), Layún (4M€), Óliver Torres (custou 20M€, rendeu 11M€), Brahimi (custo zero), Aboubakar (custo zero), Mbemba (custo zero), Adrían (custo zero), Nakajima (custo zero) e até mesmo Francisco Conceição (5M€), José Sá (2,5M€) ou Marcano, que saiu a custo zero e regressou por 3M€.

Sérgio Oliveira, antigo capitão, no último jogo ao serviço do FC Porto
Sérgio Oliveira, antigo capitão, no último jogo ao serviço do FC PortoProfimedia

Há ainda que fazer uma menção honrosa à boa-fé (ou inocência) do Wolverhampton. O emblema inglês conseguiu o empréstimo de Vitinha na época 2020/21, com uma opção de compra fixada em cerca de 20 milhões de euros. No entanto, ao fim de 23 jogos, o médio não convenceu os dirigentes britânicos e voltou ao Dragão para se afirmar, saindo no final da época seguinte para o galático Paris Saint-Germain... pelo dobro do preço.

Além de tudo isto, falta ainda mencionar os negócios furados, ou no mínimo discutíveis, de Paulinho e Ewerton, comprados ao Portimonense, além de Saidy Janko, Bazoer, Malang Sarr, Felipe Anderson, Fernando Andrade, João Pedro, Andrés Fernández, Zé Luís, Loum, Rúben Semedo e Renzo Saravia.

Um canivete suíço que vai perdendo peças

Do plantel original (2017/18) sobra apenas Otávio - Galeno e Bruno Costa saíram e regressaram -, um jogador cuja importância aumentou significativamente a cada época ao lado de Conceição e que incorpora no relvado tudo o que o treinador - e a bancada - pede. Se os múltiplos jogadores-chave foram deixando o clube ao longo do tempo, o luso-brasileiro é, então, a chave-mestra.

Os outrora indispensáveis foram deixando o clube... Herrera, Alex Telles, Marega, Corona e Brahimi saíram, entraram Uribe, Zaidu, Wendell, Evanilson, Luís Díaz e Pepê. As constantes mutações obrigaram Sérgio Conceição a encontrar soluções no mercado e no Olival. Na ânsia de capitalizar novo título de campeão nacional, a SAD deu mais um puzzle para decifrar no coração da equipa.

A saída a custo zero de Mbemba era já uma preocupação e, se Fábio Vieira - um criativo que parecia estar a sair da casca e pronto para assumir a titularidade - saiu para permitir um bom encaixe financeiro, então a venda de Vitinha trocou as voltas ao técnico. Além de um problema para resolver na defesa, recebeu mais dois no meio-campo mesmo antes do arranque da época.

Planeamento feito em cima do joelho

À falta de tempo para planear alternativas, juntou-se a falta de dinheiro... ou a falta de gestão do mesmo. No defeso, chegaram André Franco e Gabriel Verón, dois jogadores bem diferentes de Fábio Vieira e Vitinha, que precisam de tempo de adaptação, principalmente o sul-americano. Enquanto o português só agora começa a aparecer em boa forma, o brasileiro nem vê-lo.

É como disse depois do jogo com o Inter, comentando, precisamente, um lance de André Franco: "É sinal da (falta de) traquejo em que é necessário tempo. Aqui, tempo, não há. Tem que se ganhar hoje e domingo, depois quem paga é sempre o mesmo". O treinador trabalha com o que pode e não com o que deve.

Voltando ao parágrafo dos negócios bizarros, é curioso que a maior parte desses nomes parecem ter caído no colo de Conceição sem que ele os tenha pedido ou aprovado. E o mesmo parece estar a acontecer esta época com David Carmo. O jovem defesa português foi a grande aposta do clube para este ano, custando cerca de 20 milhões de euros a um Dragão com a chama em modo económico. A frustração do treinador soou depois de um penálti cometido em Bruges que poderia ter comprometido as aspirações europeias:

"Para mim não é normal a este nível, ou nas provas internas, um jogador cometer um erro do género. Eu desculpo tudo, erros técnicos, situações onde os jogadores querem dar o melhor, quando têm de levar um cartão vermelho, porque querem defender o grupo de trabalho. Desta forma aceito com mais dificuldade", atirou, no final do jogo.

Sem ovos não se fazem omoletes

De pouco lhe serve ser, estrategicamente, o melhor treinador em Portugal. O segundo jogo com o Inter foi prova disso, a equipa subiu ao relvado em contranatura. Em vez de um início esmagador, foi paciente. A leitura foi perfeita, não entrar com pressa de chegar ao golo, por muito que o bruá das bancadas se transformasse em assobios de frustração. Essa era a receita para evitar o contra-ataque cínico dos Nerazurri, que jogaram na retranca e perderam muito tempo nas reposições para desgastar e travar o ímpeto portista.

Leia aqui a crónica do Flashscore ao jogo

Inzaghi sabia que só dessa forma conseguia segurar o nulo no Estádio do Dragão, pese embora a qualidade das suas armas: um bombardeiro como Çalhanoglu e os criativos Mkhitaryan e Barella no meio-campo, dois alas muito ofensivos (Dimarco e Dumfries), e pontas de lança de classe mundial (Dzeko e Lautaro) que só precisam de um vislumbre para fazer golo.

Mas quando se junta o magnetismo dos postes com a falta de alternativas dignas de um nível de quartos de final de Champions, não se pode pedir muito mais a um treinador. Até porque... onde estaria o FC Porto sem Conceição? Conseguiria manter-se na luta pelo título e chegar à fase eliminatória da Liga dos Campeões? Ou sequer à fase de grupos? 

E onde estaria Conceição sem o FC Porto?

Chegou a estar associado à sua Lazio - onde venceu uma Taça das Taças e um campeonato italiano como jogador -, e ao agora poderoso Nápoles. Mas convém também não descartar a possibilidade de rumar... ao Inter, onde também chegou a vestir a camisola nos tempos em que a Serie A era o melhor campeonato do mundo.

A época tem sido uma tremenda desilusão para Inzaghi, que só continua no cargo porque... venceu o FC Porto. De resto, está a 18 pontos de distância do líder, perdeu a Supertaça e tem encontro marcado com a Juventus nas meias-finais da Taça de Itália. O técnico nunca escondeu o "carinho por Itália" e um possível futuro pós-FC Porto deve passar por terras transalpinas.

Será certamente ao serviço de um grande que lute por títulos, não só porque é aquilo a que está habituado, mas porque também o merece. Por muito que o "futebol português" o pinte como "um arruaceiro".